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domingo, 23 de dezembro de 2012

RAY, ou, 'Se tá ruim pá nóis imagina pra classe média'



Agora que já passou o amigo-oculto da “empresa”, pode falar da saga que é comprar um, um único presente. Fui o último a tirar o papelzinho, era aquele ou nenhum mais. Vibrei quando vi na lista o presente sugerido: Um disco do Ray Charles. Sem mais. Não! Mais um pouco. 

Pensei que passara todas as músicas do Ray para o meu computador. Faria uma bela coleção, imprimiria algumas fotos do Ray, contrataria os serviços de publicidade do meu irmão e faria um maravilhoso CD/MP3 pirata. Só que não pude fazer isso. As músicas não foram para o computador, logo, haveria de comprá-lo. 

Eu ainda gosto de comprar CDs. Destino, pois, L.A. (Lojas Americanas). Coisa rápida, apesar das cheias nas ruas durante este período.

Eu, que costumo fazer as coisas do dia-a-dia a pé, decidi ingenuamente (a ingenuidade que ainda há de me finar) ir de ônibus naquele dia. Os ônibus da bela Teresópolis adotaram um sistema de identificação de idosos por meio das digitais. Então o senhor ou senhora, para ter sua passagem gratuita, deve passar o dedo em um sensor que irá identificá-lo e o liberar a catraca... isso na teoria. A prática: passa um dedo da mão direita, digital incorreta; passa o outro, o dedo médio, digital incorreta. Fila aumenta, surgem reclamações. Passa o indicador da esquerda, digital incorreta. Motorista e trocador são vítimas injustas das reclamações. Dedo médio da esquerda (simbolismo da revolta), demora, processando, digital correta, idoso aprovado. Isso a cada parada, cinco minutos. O que seria uma “viagem” de pouco mais de seis minutos se transforma em mais de trinta, agregando o intenso tráfego. A pé, chegaria bem antes às L.A. Mas...

Lojas Americanas. É certo que haverá alguns CDs do Ray, todos que comprei vieram de lá. Alguns minutos procurando naquele caos de prateleiras sairía com um exemplar por ótimo preço. Entretanto, o caos é maior do que imaginava. Verifiquei nas prateleiras de CDs caros (quase comprei um do Zé Ramalho tocando Beatles) e nada de Ray Charles. Tive que me dirigir a uma funcionária:
- Senhorita, por favor. Cd do...
Por uns instantes achei que estava invisível, mas ela me indicou outro funcionário apontando-o com o queixo:
- Boa tarde, amigo. Cd do Ray Charles.

Devo frisar que tocava pela segunda vez o outro Rei, o Carlos, O Cara. Ao que ele me responde:

- É só procurar, temos vários dele. Você quer o novo?
- Não, apenas uma coletânea...
- Tem nas prateleiras e naquele cesto ali. Tem que procurar. Até os da Jovem Guarda.

Dedilhei aquilo tudo. De AC/DC a Belo; de Judas Priest a Victor & Léo – peguei um de Santana, O Cantador, presente para meu pai - de Chico Buarque a Oasis; De Biquíni Cavadão a Guns ‘n’ Roses – achei um de tangos, para mainha. É, deveria ir à loja especializada em CDs e variantes. Comprei os CDs sem enfrentar fila porque ninguém havia reparado nas caixas vazias em outro setor.
Chegando à loja especializada, recepção de gala. “Boa tarde, boa tarde, posso lhe ajudar, claro, Entre e Ouça. 
- Ray Charles. - fui lacônico.
- CD ou DVD? – o sujeito era profissional.
- CD.

Acenou-me no estilo: “vem comigo que você não vai se arrepender”, e deixou em minhas mãos quatro CDs do Ray. Dois com músicas dos primeiros anos de sucesso e outros dois com gravações mais modernas. Nenhuma coletânea. Achei ótimo. Alguns minutos de escolha e decidi por um com canções mais atuais, pouco antes da morte dele. Quase levei todos.

Evitava ver outros produtos, pois já pensava em comprar muita coisa – dos DVDs, um do Pink Floyd e outro do The Who; dos CDs um do ainda Jorge Ben e outro David Bowie. Comprei o presente, afinal, e ainda vi duas meninas procurando por Yellow Submarine; outro jovem casal querendo um DVD de uma Filarmônica que tocasse Beethoven. Ali se mostrava a esperança na melhora da humanidade, apesar de poucas horas antes de mais um Fim-do-Mundo.

Já se passavam quase três horas de “compras”. Saí da loja e tomei a rua. Novo caos. Os carros me declinavam da esperança de melhora da humanidade através de seus potentes e abelhudos sons. Mas estava pronto para o amigo-oculto, pessoa especialíssima. Tão especial quanto a que tirou o papelzinho com meu nome, colega de função (co-worker). Tenho, finalmente, “Educação Sentimental” de Gustave Flaubert. Com dedicatória!

Foi desgastante, um só presente como objetivo. Mas, imagina para os que devem comprar mais de dois?

Itaipava, 23 de dezembro de 2012.