Não
sei o que pode ser mais bizarro: eu ir a uma loja de conveniências em um posto
de gasolina, pouco antes da meia-noite, para comprar dois sanduíches (em
teoria) naturais e um suco de uva (light), ou o que lá presenciei.
Ali
estava nessa minha (finalmente) atitude saudável em um postinho de gasolina.
Após trocar dois ou três diálogos sobre rock com um aluno que aparecera por lá,
dirigi-me para a fila da caixa com os já mencionados produtos. Embora a face da
atendente (que eu conhecia) tenha demonstrado estranheza quanto à ausência de cerveja dentre os
itens, ela não fez nenhum comentário.
Dois
homens entraram na loja e se separaram para as devidas tarefas sem, no entanto,
e apesar da distância entre eles, terminarem o assunto que teciam antes.
Falavam com tal altura e naturalidade que parecia conversar com todos os
presentes. Cheguei a pensar que um deles, o que pegava garrafas de água com e
sem gás, falava comigo, mas, obviamente, o assunto era com o amigo, que vinha
com uma garrafa de dois litros de Coca-Cola. Ainda que tivessem dirigido a mim
alguma pergunta ou comentário, assim, de supetão, não compreenderia muito bem
pois, em breve análise posterior, se tratava de um idioma que não era de origem
latina, anglo-saxônica ou mesmo eslava.
Comecei
a achar que estava em meus momentos de esquizofrenia linguística (se fosse
possível ter “momentos” em esquizofrenia), porém me certifiquei que não ouvia o
meu idioma ali. Não ouvíamos, melhor dizendo, pois o senhor que tomava café no
balcão, a mulher que saíra do banheiro e a atendente também se concentravam no
diálogo em idioma ou dialeto desconhecido que nos intrigava a todos.
Eles
não ligavam ou nem imaginavam o mistério que nos oferecia. Um era alto e
barbudo e o outro era baixo e semi-barbudo; ambos possuíam destacável
naso-protuberância. De repente eles se movimentaram e tomaram a minha frente na
fila, sem querer, uma vez que ainda consumiam as bebidas. Pedi-lhes licença sem
mencionar palavra, mas aguçando os ouvidos no afã de desvendar pelo menos a
origem, o tronco linguístico daquele dialeto. Formulei três análises para uma
conclusão:
1
– Há em Teresópolis uma significativa colônia árabe dentre sírios, libaneses e
iemenitas;
2
– Enquanto dei aulas de português para um ilustre médico libanês, o Bassim, com
quem criei grande amizade, pude aprender alguns vocábulos e fonemas bem como
alguma musicalidade no árabe que ele falava;
3
– Alguns adolescentes ou mesmo adultos terem a mesma musicalidade daquele
colóquio, entretanto...
Conclusão:
falavam em árabe.
Foram
segundos de vã-glória. Paguei minhas provisões e demorei para sair da loja.
Enquanto isso, um deles levava a garrafa de refrigerante já aberta para o carro
e falou com a atendente na caixa:
-
Pode incluir aí aquela Coca. Ele vai pagar.
Era
o outro que estava na caixa, dispondo as garrafinhas de água e esperando o
preço. Mesmo assim eu acreditava que um deles era de língua árabe, o que estava
pagando. Firmou o contrato verbal de compra e venda em idioma ainda
ininteligível para mim (mas suficiente para a atendente), embora já se assemelhando a um dialeto de origem latina.
Quando
saía, vi que eles entraram numa pick-up branca. A placa, pelo menos, me deu uma
noção de onde vinha aquele idioma: Três Lagoas-MS. Na divisa com o estado de
São Paulo, pertinho de Ilha Solteira. deviam ser parentes de algum formando e...
Bom, aí já é muita conjectura para a paciência do leitor.
Teresópolis,
6 de dezembro de 2011.