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...de repente, o que está aqui lhe apetece.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ORNITOLOGIA DE CAMPO E AR



Aos que não sabem, a rodovia Philúvio Cerqueira Rodrigues está em obras e, por vezes, a viagem é interrompida para, a fim de que, ponham concreto na estrada com o intuito objetivado de, pelo amor de Deus - e todos os outros - consertem e concertem e concretizem a BR-495, de uma vez por todas.

Quando para (verbo parar) para (contração das preposições e artigo) que o concreto exerça sua função, são 40 minutos de "descanso". O ônibus chegou no regressivo 39 minutos e 46 segundos. Aos 38 regressivo, em ponto, estava eu com os pés na estrada fumando um cigarro na companhia do motorista "sobrenome no crachá", como de praxe.

- Ah, mas daqui a pouco vem a chuva, olha como tá quente... abafado.
- Me empresta o isqueiro? Obrigado. Sim, típico desta época, esse mundo tá mudando.

Mormaço. Aquele mesmo, o perigoso: sai desse mormaço menino, quedequê mormaço queima!
E daí, nós, eu e o motorista mais o cara da guarita e outro da coordenação da guarita, sob aquele branco prata do céu... aí a ave... A AVE, ousa voar. O coordenador da guarita se manifesta primeiro:

-Ó o gavião...
E o motorista:
- Ah né não, é urubu, conheço urubu de longe.
E olham para mim, ao qual, automaticamente, olha (olho) para cima:
- Sei não.

Chega um detrás do ônibus, oriundo de um caminhão:
- Ó o gavião... gaviãozinho.

Revolta. Confundem-se as hipóteses, travestidas de teses:

- É não, isso é urubu.
- É nada. Conheço aerobu (sic). O bicho não voa sozinho. E cadê o cheiro de carniça? Nem sinto inhaca. É gavião, dos pequenininhos, olha como ele voa!
- Mas gaviãozinho parece cumurubu, aqui não tem esses não.

Chega outro elemento:
- Ó, espia, o gavião...
- Né não, espera passar aqui por cima... Ualá, viu?
- Vi, é gavião. Urubu quando voa, fica com as asinhas parecidas assim ó, com as mão.
- Alá ("olha lá", e não o Deus do Islã), tá decendo, para encontrar com o bando, é iorubu. Que cê acha que é?
- Eu? - eu mesmo - bom, pelo rasante, é gavião, mas pela cor é urubu.

Tendia para que fosse o gavião, mas surgiram vários urubus nos entrementes. E aquele brilho do mormaço não resolvia nossa ciência. Os que ficam na guarita falaram:

- Tem muito pássaro esquisito aqui, mas esse é gavião. - Disse um.
- Ó, vendo daqui, está mais para urubu.
- E tu, gordinho? - Questão direcionada a mim - é o quê?
- Eu? É o Carcará!
- O quê?

A viagem teve que seguir.

Teresópolis, 23 de novembro de 2010.

sábado, 6 de novembro de 2010

SABE O QUE QUE É, DOUTOR?



SEGREGAÇÃO DO CAPRICORNIANO
Relato de caso

G., 38 anos, cearense do Crato, divorciado, médico, residente nesta cidade (Rio de Janeiro). Trajes em alinho, denotando cuidados com a higiene e aparência, porém, transpirava pela fronte e pelas axilas; leve ansiedade e tensão, apesar de bem humorado. Fala normalmente cadenciada, com breves momentos de excitação nas palavras.

- Sabe o que é, doutor? De repente, de uns tempos para cá, a maioria das pessoas que convivem comigo, meus amigos, colegas de trabalho e até as pessoas que conheço em alguns eventos, congressos, reuniões, todas, doutor, até meus familiares em Fortaleza e no Crato, começaram a falar de astrologia com muita frequência. Não que isso seja problema, sempre falei disso, eu sei o meu signo, tanto no zodíaco quanto no chinês: Capricórnio e Rato, respectivamente; essas curiosidades, sabe como é? Mas veja bem, o assunto de astrologia que chegava no atualmente, não era levado na ingenuidade, na simplicidade; não como uma diversão, nem mesmo como uma coisa séria, mas respeitosa. As pessoas começaram a levar a sério o que pregava esse signo, todos os signos, diziam, previam, sei lá! Elas, essas pessoas antes minhas amigas, já tinham a consciência de todo meu comportamento, de meu caráter, quem sabe até de minha vida, doutor, assim que falava que era de capricórnio. Doutor, o senhor carece de me perdoar, mas esse tema nunca me deixou tão avexado quanto nos últimos dias.

- Como assim? Dê-me algum exemplo.

- Pois não, é aí que ia chegar. Depois do carnaval, uma paciente me perguntou e eu, embora tenha estranhado a pergunta, lhe respondi, “Capricórnio”. Ela se afastou num sobressalto jamais visto por mim em todos esses anos de dedicação à dermatologia. Disse não acreditar que eu, sendo eu como sou, na visão dela fosse capaz de ser capricorniano. Teve um outro caso semelhante a esse no consultório, mas dessa vez com um jovem, acho que com 28 anos, que se disse decepcionado comigo. Aí, eu lhe perguntei: por quê, cabra? Claro que não foram com essas palavras, e ele me disse que ser de elemento terra, e regente saturno, eu era um soberbo, arrogante. Mas até ali, não liguei tanto, pois logo lhe indiquei um colega de especialidade igual a do senhor, doutor, pois antes não conhecia seu respaldo e sua competência.

- Obrigado, mas continue.

- Claro, doutor. Agora vem a parte interessante. O tempo passou e comecei a ver só essas coisas de astrologia, conforme já lhe disse. Com essas duas ocasiões, passei a me informar mais sobre os signos, coisa que jamais fizera. Li muita coisa sobre o zodíaco e o meu signo, tudo que ele representa, proporciona, ajuda ou atrapalha, e a sua conexão ou repulsa com que outro signo que ele se dá bem ou se dá mal e só me fez confirmar aquilo que sabia: que poucos são astrólogos decentes, e que metade das coisas que dizem que sou são coincidentes e as outras nem passo perto de ser. Tudo isso bem embasado em todos meus simbolismos, não levei nada ao pé da letra, como fizeram meus então novos inimigos. Mas a coisa começou a ficar incômoda quando em um evento da sociedade, evento nacional, as pessoas me evitavam após saberem de minha, digamos, predestinação. Outro dia, marquei um encontro com uma mulher linda, que conhecia da enfermagem, para tomar um chopinho, ali no Catete; e a conversa ia numa toada maravilhosa, a mulher estava caidinha por mim, acreditava eu. Veio esse assunto de novo e falei à senhorita: você tem certeza que quer entrar nessa prosa? Por quê, algum problema? Vai me dizer que você é ariano? Sou não, não totalmente, sou descendente de negros também, além de índios. Aí ela disse, doutor, que não era desse assunto preconceituoso de que falava, essa coisa de Hitler, era sobre astrologia, todo mundo se liga um pouco no zodíaco, em astrologia, palavras dela. Ela quis dizer arietino, de Áries, como eu já sabia. Falei que não, ela relaxou, aspirou forte, aí falei que era de capricórnio, e ela voltou a se retesar, fechou o semblante, ficou até feia, coitada. Tá rindo, doutor? é sério que digo, ficou feia e bem mais velha.

- E depois...

- Depois, você dificilmente vai acreditar. Ela simulou chamada no celular, foi ao banheiro, ficou lá um tempo, acabei meu chope confabulando de que quando ela voltasse era para pedir a conta. Ela veio do banheiro se ajeitando, pondo a bolsa à tiracolo, esvoaçando o cabelo, era a dica para eu pedir a conta, e assim o fiz, doutor. Ela se sentou e disse, bom, olha ocorreu um imprevisto, me desculpe, vamos pedir a conta? Eu falei, já pedi, mas pode deixar que eu pago. Ela tremeu e me olhou com uns olhos que não quero ver de novo em minha vida. Falou ela: eu sabia...

- Sabia de quê?

- Vai ouvindo, doutor. Ela disse que sabia que eu era assim, pessimista, fatalista... frívolo. Mas nem minhas qualidades, que todos os signos têm, ela falou. Talvez ela falasse de minha liderança, minha confiabilidade, pé-no-chão...

- Humm...

- Sabe, doutor, acho que a partir de agora vou falar que sou peixes, sou pisciano. Vamos ver no que vai dar! Às vezes até acho que é coisa de religião, doutor. Sabe, você sendo peixe, virgem, essas coisas mais puras, posso ter mais aceitação. Mas bode, mas veja, bode, doutor? não pode ter aceitação mesmo. É um símbolo do capeta, de Baco! Cabra d’água. É ou não é esquisito, doutor?

- Absolutamente normal, mas, seu tempo acabou e ainda temos muito que conversar. Fique tranquilo. E continue dizendo seu signo. Astrologia não é um grande problema.

Petrópolis, 6 de novembro de 2010.