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quarta-feira, 23 de março de 2011

SEM O DESTINO ENTENDIDO




Se não foi a segunda, no máximo a terceira vez que visitava minha namorada em Belo Horizonte. Iríamos à Pampulha não para ver o jogo do Galo, pois no primeiro, único e possivelmente o último jogo do Galo que assisti no Mineirão, o Grêmio aplicou-lhe uma esquisita goleada de 4x0. Desse modo, num instinto de auto-proibição preventiva, por amor à minha pele, orientei-me a não mais ir ao Mineirão por tempo indeterminado; e meus cunhados agradecem. Fui, no entanto, para o aniversário da namorada do meu cunhado. Outubro de 2008.

Domingo de céu azul sem ser o azul do Cruzeiro – nada contra o time, tudo a favor de minha vida. Às 23h59 – como constava no bilhete - daquele dia eu embarcaria no ônibus ultra-parador para Petrópolis.

A peixada era o tema da festa: casquinha de siri e moqueca como atrações principais. O que destaco é que foi a primeira vez que brindei um copo de cerveja com meu sogro. Um pequeno episódio para a humanidade, um grande marco para mim.

Por consideração aos leitores que não estiveram lá, não descreverei a delícia do almoço. A cerveja estava a uma temperatura indecente e, de quebra, pudemos desfrutar de picolés de frutas exclusivamente nacionais.

Infelizmente, depois da natural gula, tive que dar um tempo na cerveja. Anunciava-se o crepúsculo em vermelho Vila Nova de Nova Lima. Os últimos raios esbarravam no verde América Mineiro de algumas folhas das árvores. A tardezinha de domingo que chama o sono. Eu lutava contra ele. Não dormiria e, muito menos, ficaria bodado (de bode) num canto. Meu cunhado abre uma cerveja, e nela fui! Celinha Braga, a mãe da aniversariante, pega o viola e chama mais duas ou três moças.

Abre-se um caderno de partituras e letras, surge outro instrumento, elas se juntam. E vem a música. Sabia, pelos quadros na casa e pelas histórias, da arte da anfitriã. Começaram a cantar, a tocar... com aquela humildade mineira de achar que o supremo é algo bem simples, sô! A música, as vozes, o cenário; abracei minha namorada – que inacreditavelmente deixou de lado a câmera fotográfica e veio se juntar a mim – e inadvertidamente saíram-me lágrimas. Que surpresa aquele som, ali, na minha frente, nos meus ouvidos. A boa música brasileira!

Acabada (por quê?) a demonstração, voltava ao mundo real, que, naquele momento era muito bom. Mesas e pessoas juntas, cervejas, conversas, risos, sons de CDs. Diminuía na cerveja porque não dava para ir tão rápido, culpa da peixada. Imperceptível, a noite chegou junto com a lembrança de ter que viajar naquele dia, saco! “Vamos embora, né? Tá na hora.” e despedidas.

Ainda com resquícios de êxtase, entrei no carro e relaxei, pensando no bom domingo que tive. Encostei a cabeça no espaldar e ouvi de meu sogro, ao som de Johnny Lee Hooker:

- Bom, ainda está um pouco cedo, vamos tomar uma cerveja no Easy Rider?

Uma injeção de adrenalina, de felicidade infinita! Caramba, será que não foi suficiente a tarde? Uau, isso mesmo mesmo sogrão, vamos lá... uma saideira no Easy Rider! “Demoro, já é!”, pensei.

Excelente nome para um bar. Olha, sinceridade, nem sabia que BH nos proporcionaria um bar rock, aos domingos, sendo indicado pelo meu sogro. Comemorei sozinho, com punhos cerrados como se acabasse de fazer um gol. Depois, esfreguei discretamente as mãos ao mesmo tempo que imaginava entrar no bar com minha sogra.

A decoração apresentando a frente de uma Harley Davidson. Quatro mesas de sinuca... poxa, será que rolaria uma partidinha? Eu e minha sogra contra minha namorada e o pai dela, sinucão tradicional. A long–neck na mesa ou na beirada da mesa de sinuca. Se não houvesse uma bandinha ao vivo, o som seria um Buddy Guy, Free, Deep Purple... Pearl Jam. Aí né?, a gente comentaria sobre o dia, sobre o aniversário da namorada do meu cunhado, ligaria para o próprio. Comentaríamos as músicas, faríamos piadas inventaríamos a história do bilhar, confundiríamos a banda ou a música; eu pagaria uma de Paul Newman em “A Cor do Dinheiro”. Deve ser demais tomar uma cervejinha no Easy Rider, ademais nessa conjuntura.

- Acho que aqui tá bom para estacionar, pai. – Disse minha namorada, quando diminuíamos a velocidade na Professor Morais.
- É sim, filha, vou por o carro mais para lá.
- Até que nem está tão lotado.
- Que bom tomar um SORVETE no EASY ICE. – Falei e pensei. Mudei o esquema, mas gostava mesmo assim. Que mal faria um sorvete, viajaria mais tranqüilo e daria aquela dose necessária de doce post mangatuim!

Na sorveteria Easy Ice, só escolhi três sabores, sem aquelas caldas todas, pois gosto de sentir o gosto dos pistache, do de banana caramelada e, acho que de tangerina. Alguma castanha ou amendoim, talvez.

Itaipava, 22 de março de 2011.

domingo, 20 de março de 2011

CURTAS SOBRE LONGAS




Celso Horikawa, o Chorik, proprietário desse blog, é um dos escritores que conheci recentemente. Seus escritos me marcaram tanto que começamos uma boa amizade literária, juntamente com outro grande poeta Akira Yamasaki, dono desse blog aqui Celso nos sugere a simples tarefa de elencar os 15 maiores filmes que um cidadão comum jamais esqueceria. À cada lida nesta lista abaixo percebo uma centena de filmes que esqueci, era parte, porém, da brincadeira.

Decidi me redesafiar. Comentar em pouquíssimas palavras as minhas escolhas. O que me agrava na situação é ter uma infinita coleção de filmes; um histórico ambiente familiar onde os grandes filmes e diretores entravam nas conversas desde que éramos moleques e, de quebra, ser filho poeta e letrista (meu pai), de bacharela em Letras e artista plástica (minha mãe): irmão de desenhista e artista e de um ator em potencial. Primo de uma cineasta e atriz, primo de ator, bisneto de maestro, neto de música. Essa galera toda que lida com a arte e que são meus próximos.

Chorik, aceitei mais este desafio. Vamos lá!

1 - Deus e o Diabo na Terra do Sol - Glauber Rocha – 1964
O sombrio necessário para entender nossa vida, que sofre coriscos frequentes.

2 - Encontrando Forrester - Gus Van Sant – 2000
“Para escrever alguma coisa, comece a escrever, isso vá, vá escrevendo.”

3 - Grito de Liberdade - Richard Attenborough – 1987
Vi esse filme recém lançado, em VHS, motivado pela música e clipe de Peter Gabriel, Steve Biko. Começava a entender a geopolítica do Caos aos 9 anos.

4 - Trilogia do Poderoso Chefão - Mario Puzo e Francis Ford Copolla - 1972, 1974, 1990
Se me dispus a falar, eu falo: falta um pouco de moral e respeito na vida como vemos na trilogia de Copolla e Puzo.

5 - Ran - Akira Kurosawa – 1985
Quer maior tapa na cara no estereótipo padrão ocidental do que Shakespeare revisitado e abrilhantado por um gênio do, dito, oriente extremo?

6 - Nascido para Matar - Stanley Kubrick – 1987
Demonstração da política de genocídio da terra da liberdade.

7 - Apocalipse Now - Francis Ford Coppola – 1979
Joseph Conrad já falou por mim: “o horror, o horror!” É o fim, bonito amigo.

8 - O Exército de Brancaleone - Mario Monicelli – 1966
Perche longo è lo camino, ma grande è la meta!

9 - Noites Brancas - Lucchino Visconti – 1957
Como assim? Um italiano dirigindo outro italiano e uma alemã que falava italiano sem saber bem a língua. Visconti adapta uma obra do Velho Dasta, de São Petersburgo para Veneza, e a gente chora, se angustia, torce para o mocinho e lamenta a realidade.

10 - O Sétimo Selo - Ingmar Bergman – 1956
Ludibriar e desafiar a coisa mais certa do mundo; e ainda fazê-la titubear. Não falo mais nada.

11 - Manhattan - Woody Allen – 1979
Nós podemos nos demitir de nosso trabalho, mas nunca de nosso amor.

12 - Amores BrutosAlejandro Gonzáles Iñárritu – 1999
Cada um tem sua vida, pendejo! Mas jamais pense que as outras vidas não sejam suas também, cabrón!

13 – 2001: Uma Odisséia no Espaço - Stanley Kubrick - 1968
“Hal... Hal... computadorzinho querido, amigo, por favor... abra essa porta. Eu toco Strauss de novo, você gosta de Strauss, né?” Por sorte a humanidade ainda podia desligar a sua criação mais moderna.

14 - Papillon - Franklin J. Schaffner – 1973
O verdadeiro valor à liberdade.

15 - O Segredo dos Seus Olhos - Juan José Campanella - 2009
É que eu ainda acho que o acusado e condenado não era quem foi. Mas até agora, meu pensamento não valeu 'una reverenda mierda!'

Itaipava, 20 de março de 2011.

segunda-feira, 14 de março de 2011

TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA




Voltando de Niterói, um amigo meu me deixou na Leopoldina, cruzei as passarelas da Francisco Bicalho correndo, olhando o relógio, suando, mirando a rodoviária Novo Rio e ofegando. Tudo isso para pegar o ônibus que sairia às 14h00 para Petrópolis, onde, em junho de 2006, morava. No guichê, o próximo “carro” era o das 15h00. Sai da rodoviária, comprei dos vendedores de rua a água que gela nos isopores que circundam o local; voltei e esperei nos bancos das plataformas.

Não me lembro o por quê de minha pressa, mas me recordo bem que lia “As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov, e fazia anotações. Na época, bolsista e com muita leitura para a dissertação do mestrado, analisava o teatro intimista dos escandinavos e de Tchekhov. Política, família e emoção. Poder e suas relações de força. Tinha uma hora para gastar lá.

Daquela parte da rodoviária do Rio partem os ônibus que vão para o sul flumimense, Santos, Petrópolis, Costa Verde (Paraty, Mangaratiba, Angra dos Reis) e Teresópolis. Logo mais à direita, em outra plataforma, saem os ônibus para o litoral baiano e Goiânia. Neste dia, como já disse, iria para Petrópolis.

A área em frente aos ônibus para a Costa Verde é abarrotada de turistas que querem se aventurar em Ilha Grande, muitos deles para ativarem o lado Crusoé que está latente em toda a humanidade. Eu lia os diálogos de Olga, Maria e Irina, as irmãs de Andrei Prosorov quando uma voz exaltada chamou a atenção de alguns:

- Não sabe ler, não? Vai ali na frente do ônibus e que você vai ver para onde o ônibus vai!

Com uma delicadeza Neanderthal, o estúpido que gritou expulsou um jovem louro, de chinelos, bermuda, mochila com garrafa d’água nas laterais e uma camiseta branca estampada com a figura de uma praia carioca. Perplexo e possivelmente envergonhado, ele veio em minha direção e, por gestos, mostrava-me o bilhete da passagem. Assim, larguei o livro e proferi meu inglês bobmarleyiano de Trenchtown, oferecendo ajuda.

O jovem era alemão. Só queria saber se o destino dele estava certo porque ele queria ir para Ilha Grande, mas ali estava escrito Angra dos Reis. Expliquei-lhe tudo que não lhe explicaram no guichê. Conversamos sobre a região, embora eu não tenha ido à Ilha Grande, mas Paraty onde já estive, também mereceria uma visita, coisa que ele faria também. Ele me ofereceu um cigarro, Malrboro, onde no verso estava o aviso: Rauchen tötet, fumar mata, ou algo que o valha. Ele fez algumas anotações no caderno, daquilo que lhe narrava.

Fiz um comentário sobre como a vida é injusta. Ele, da terra onde estava bombando a Copa do Mundo, onde, na minha cabeça, todos deveriam estar, principalmente os alemães que já estavam lá. Mas justamente por haver a Copa lá é que ele viajou porque a cidade onde ele mora ficava perto de uma das sedes, logo, ela estava insuportavelmente lotada. Acho que a cidade era Nuremberg.

Quando o ônibus dele se aprontava para partir, ele me perguntou o que o Neanderthal (talvez alguns Neanderthais fossem mais gentis) lhe dissera. Expus-lhe que ele alegara que você não sabia ler e que fosse para frente do ônibus ler o que nele estava escrito, mas com uma grosseria... (ia falar gótica, em alusão aos bárbaros, mas meu conceito de bárbaro era mais para os civilizados romanos do que para o povos ditos como tais) uma grosseria absurda.

Ele me falou que estava acostumado com aquilo, na Alemanha e em outros lugares a grosseria é pior e, infelizmente comum. Despedimo-nos:

- All right Pieter. Have a nice trip. (tenha uma boa viagem).
- Muito Obrigado (arrastou o agradecimento com simpatia).
- Auf wiedershen (atropelei a despedida em alemão).

No meu caderno, anotei a experiência, mas não sei onde este caderno está.

Itaipava, 14 de março de 2011.