
Na farmácia, pediria uns paliativos para gripe, uns descongestionadores. Um de nome persa, Nardirim. Ao que o atendente, de pronto, opinou:
- Este é o melhor! Limpa tudo, igual bala halls preta.
Concordei com o "bala halls". Depois me ofereceu um daqueles que multidetonadores da gripe, que inibem o vírus de modo semelhante ao que uma caipirinha faria.
- Mas toma esse no máximo de seis em seis horas, porque ele dá uma baqueada, te deixa meio sonolento. - Agradeci. Eu gosto desses conselhos solícitos.
- Podes crer.
A farmácia estava vazia. Dali para ir ao caixa, pagar e ir embora não duraria mais de um minuto. Bastava esperar aquele senhor tirar os cotovelos do balcão, eu ser o próximo, pagar e sair. Mas sair dali não era o objetivo imediato do senhor, daquele senhor, pois, até se explica, a farmacêutica estava no caixa. Linda farmacêutica.
Olhos amendoados encimados por talhada sobrancelhas; de um cabelo liso querendo se ondular, de um ondeado querendo se alisar; denso, de um negro brilhante. Nariz devidamente proporcional à largura e comprimento dos lábios, dos quais o pouco espaço entre o ápice do lábio superior com a base das narinas dava um charme inenarrável. Os cabelos, se soltos, atingiriam a vértebra lombar 2. A camisa parecia um número menor do que seus seios podiam suportar, mas se alargavam no decorrer de seu corpo. A pele, daquela... daquela cor.
Agora sabemos porque aquele senhor não se desgrudava do balcão. E ele proseava. Peguei o assunto no meio:
- Morava ali, depois da estação, que ia para Vassouras. – disse ele.
A moça (sei o nome dela, pois está escrito no jaleco, mas não vou revelar aqui), não sabia muito da estação. Mas se a descrevi, devo descrever o senhor. O que tinha de cabelo rodeava sua cabeça. A paz saía de seus olhos, de seu rosto bem barbeado. Batia no meu ombro, trajava calça e camisa sociais, de cores discretas. Uma boina lhe dava uma peculiaridade. Mas percebi isso tudo somente quando ele se afastou do balcão, sem, todavia, terminar o assunto.
- Então, ali na estação que eu trabalhava, conhecia muita gente. Gente da época de seu pai. - O “ali”, era Miguel Pereira, cidade das rosas, estado do Rio. Ao que a moça comenta:
- Eu gosto de lá, mas é uma pena porque não tem muita opção de emprego. Aí eu tenho que trabalhar aqui.
Afastou-se do balcão, tirou a boina. Era para eu falar que estava comprando isso e aquilo, era minha vez. Entretanto, percebi que eu esperava a continuação da conversa. Instalou-se um silêncio e inércia. Ameacei dizer o que pedira, mas o senhor lançava sua cartada:
- Você deve conhecer o Venceslau.
[“Venceslau”,
ali percebi que o nome daria uma boa crônica]
Pela cara dela era óbvio que não conhecia o Venceslau, talvez o Brás, da República Velha, então nova na época. Só que a cara dela era de total desconhecimento, ao que a resposta foi, naturalmente:
- Não, não conheço não – e se virou para mim – um Multigripe e um Nasradim, só isso?
Demorei a perceber, mas respondi: “sim, só isso”, e estiquei o braço com o dinheiro. Mas o senhor ainda tinha alguns fatores para memorar a moça.
- Venceslau, não lembra? Bebia uma cachaça. Na verdade ele comia cachaça, porque quando bebia estava tudo bem, mas quando comia...
Eu entendi, creio. Mas a moça ficou interrogativa.
- Mais alguma coisa?
-Não, obrigado.
E que saberemos do Venceslau? Ou Wenceslau, com "W"?
Petrópolis,
7 de junho de 2014