Tem gente de todas as gentes, caras e expressões. Assuntos pertinentes, pretendentes aos nossos bilhões; momentos de reflexões das salas de aula a uma mesa de bar, feitas ontem ou anteontem, há mais de década; desde as realidades insignificantes, às fantasias dos nossos semblantes.
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segunda-feira, 14 de março de 2011
TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA
Voltando de Niterói, um amigo meu me deixou na Leopoldina, cruzei as passarelas da Francisco Bicalho correndo, olhando o relógio, suando, mirando a rodoviária Novo Rio e ofegando. Tudo isso para pegar o ônibus que sairia às 14h00 para Petrópolis, onde, em junho de 2006, morava. No guichê, o próximo “carro” era o das 15h00. Sai da rodoviária, comprei dos vendedores de rua a água que gela nos isopores que circundam o local; voltei e esperei nos bancos das plataformas.
Não me lembro o por quê de minha pressa, mas me recordo bem que lia “As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov, e fazia anotações. Na época, bolsista e com muita leitura para a dissertação do mestrado, analisava o teatro intimista dos escandinavos e de Tchekhov. Política, família e emoção. Poder e suas relações de força. Tinha uma hora para gastar lá.
Daquela parte da rodoviária do Rio partem os ônibus que vão para o sul flumimense, Santos, Petrópolis, Costa Verde (Paraty, Mangaratiba, Angra dos Reis) e Teresópolis. Logo mais à direita, em outra plataforma, saem os ônibus para o litoral baiano e Goiânia. Neste dia, como já disse, iria para Petrópolis.
A área em frente aos ônibus para a Costa Verde é abarrotada de turistas que querem se aventurar em Ilha Grande, muitos deles para ativarem o lado Crusoé que está latente em toda a humanidade. Eu lia os diálogos de Olga, Maria e Irina, as irmãs de Andrei Prosorov quando uma voz exaltada chamou a atenção de alguns:
- Não sabe ler, não? Vai ali na frente do ônibus e que você vai ver para onde o ônibus vai!
Com uma delicadeza Neanderthal, o estúpido que gritou expulsou um jovem louro, de chinelos, bermuda, mochila com garrafa d’água nas laterais e uma camiseta branca estampada com a figura de uma praia carioca. Perplexo e possivelmente envergonhado, ele veio em minha direção e, por gestos, mostrava-me o bilhete da passagem. Assim, larguei o livro e proferi meu inglês bobmarleyiano de Trenchtown, oferecendo ajuda.
O jovem era alemão. Só queria saber se o destino dele estava certo porque ele queria ir para Ilha Grande, mas ali estava escrito Angra dos Reis. Expliquei-lhe tudo que não lhe explicaram no guichê. Conversamos sobre a região, embora eu não tenha ido à Ilha Grande, mas Paraty onde já estive, também mereceria uma visita, coisa que ele faria também. Ele me ofereceu um cigarro, Malrboro, onde no verso estava o aviso: Rauchen tötet, fumar mata, ou algo que o valha. Ele fez algumas anotações no caderno, daquilo que lhe narrava.
Fiz um comentário sobre como a vida é injusta. Ele, da terra onde estava bombando a Copa do Mundo, onde, na minha cabeça, todos deveriam estar, principalmente os alemães que já estavam lá. Mas justamente por haver a Copa lá é que ele viajou porque a cidade onde ele mora ficava perto de uma das sedes, logo, ela estava insuportavelmente lotada. Acho que a cidade era Nuremberg.
Quando o ônibus dele se aprontava para partir, ele me perguntou o que o Neanderthal (talvez alguns Neanderthais fossem mais gentis) lhe dissera. Expus-lhe que ele alegara que você não sabia ler e que fosse para frente do ônibus ler o que nele estava escrito, mas com uma grosseria... (ia falar gótica, em alusão aos bárbaros, mas meu conceito de bárbaro era mais para os civilizados romanos do que para o povos ditos como tais) uma grosseria absurda.
Ele me falou que estava acostumado com aquilo, na Alemanha e em outros lugares a grosseria é pior e, infelizmente comum. Despedimo-nos:
- All right Pieter. Have a nice trip. (tenha uma boa viagem).
- Muito Obrigado (arrastou o agradecimento com simpatia).
- Auf wiedershen (atropelei a despedida em alemão).
No meu caderno, anotei a experiência, mas não sei onde este caderno está.
Itaipava, 14 de março de 2011.
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Como eu disse-lhe a pouco, as pessoas não sabem praticar gentileza!!!
ResponderExcluirMas pelo visto encontrou o caderno! Ou ainda, as notas mentais valeram um conto. =)
ResponderExcluirbjs
Ana
www.mineirasuai.wordpress.com
www.castelodopoeta.blogpost.com
Olá, Thiago! É por estas e outras que eu afirmei lá no meu Quo Vadis, que um simples Bom dia! está deixando de ser alvíssaras exclamadas para se tornar reticências com direito a cara feia. O povo não tá pra coisas amistosas, não. Isso numa cidade cujo turismo é um carro chefe, imagine onde não precisam dos turistas...
ResponderExcluirAbraços, ótima semana. Paz e bem.
Gentilezas? Bom dia??? Se isso é algo escasso numa cidade onde o turismo é o carro chefe, imagina na minha "humilde" cidade do interior de SP...triste, muito triste!...
ResponderExcluirParabéns pela crônica! Le Granvile
O cara estava talvez em um dia ruim. Ou num mundo ruim.
ResponderExcluirTua memória não precisa de cadernos. Ou será que escrever fez a história reter na mente?
Interessante mesmo deve ter sido o processo que te fez relembrar a história de tantos anos atrás. Foi um outro cara num dia ruim?
Chorik, acredito que tenha sido por não ter um caderno na rodoviária de Teresópolis para poder descrever outras cenas que lá via.
ResponderExcluirLê e Cacá: acredito que o cara estava num dia ruim mesmo, e focou a raiva num estrangeiro, muito cara de turista mesmo. Não pude saber mais pq não prestei mais atenção ao rude senhor. Eu ainda penso que há situações em que há folgados, preguiçosos que acham que sabemos de tudo que ocorre num local, podemos um dia ser o intolerante, pois se conta muito com o estresse das cidades grandes, as paranoias que já é outro assunto.
Thiago,
ResponderExcluirTrabalho no Metroclube, área do Metrô responsável por atividades de lazer, recreação, esporte, e arte/cultura para os metroviários e familiares, e já tive um dia ruim. Até hoje viro avestruz quando lembro. O texto é ótimo.
Você aí com Tchekov, eu cá com Voltaire, que afirmou: "E nós ousamos ser intolerantes!"
ResponderExcluirO mujique realmente não estava num bom dia. Normal: eu nunca estou num bom dia quando se trata de uma segunda-feira, por exemplo - a menos que seja feriado; contudo, por pior que esteja a segu...digo, o dia, destratar uma pessoa desta forma demonstra algo mais nessa atitude aí. Talvez algum sentimento de "superioridade" ou uma forma de extravar um sentimento negativo em alguém humilhando-o com um "não sabe ler"? O "não sabe ler não?" é seco, humilhante demais. É mais ou menos isso o que vemos em nosso dia a dia: "Você sabe com quem tá falando?"
Azar do mujique. Perdeu uma chance de, no mínimo, filar um cigarro. Ou que não fumasse,mas uma cerveja, talvez. O mais importante: perdeu a chance de exercitar a tolerância. Mas certamente o nosso mujique teve outras oportunidades.
Espero que tenha conseguido, mesmo em dias ruins.
Abs, cumpádi! Sempre muito bons seus escritos! =)
oi, thiago. vc e as suas experiencias neh rsrs olha só, voltei de Pernambuco, mas só pensava na minha fortaleza, acabei postando uma poesia feita "por amor à Fortaleza". ai que saudades da minha terrinha! hehehe menino, estou me recuperando de uma baita gripe/faringite... espero estar bem até sexta-feira, pq tenho um monte que aproveitar ainda e muito o que fazer semana q vem. ainda não tive aulas este mês de março, acredita? viagem e faringite, combinação ruim para uma escafandrista q ainda está em aulas. rs
ResponderExcluirOlha, adorei o termo "delicadeza Neanderthal", vou usar e tbm adorei vc ter passado lá no escafandro, fazia tempo q não te via por lá. aparece sempre. abração!!!
Primeiro, achei sensacional a imagem e a relação dela com o texto. É auto explicativa principalmente para quem mora no Rio de Janeiro. Cara, você lê Tchekohv. Eu sou apaixonado por ele. Meu autor predileto. E coitado dos estrangeiros que vêm para cá. Sofrem porque a maioria das pessoas não falam nem português direito. rsrs Thiago, teu blog é ótimo e seu texto muito bem organizado. Fico feliz de conhecê-lo.
ResponderExcluirOs mini contos são só uma forma de diversão. É legal brincar com as situações e continuar as discussões nos comentários. ^^
Grande abraço!!!
Isso me lembra o pessoal reclamando dos parisienses. Dizem que são muito antipaticos quando se pede uma informação. Mas vejamos: so o museu do Louvre recebe por ano o DOBRO de turistas (9 milhões) que o Brasil recebe. Então, imagina, TODO dia, nego te para na rua e pergunta, numa lingua estrangeira, onde é tal lugar, ai a pessoa explica e perde o metrô. Tudo bem, outro vai passar em 2 minutos, mas vai vir muuuuito lotado. E isso, todos os dias. Todos. Sinceramente, não tem como ser simpatico sempre.
ResponderExcluirAs palavras do profeta Gentileza na música de Marisa Monte ilustram bem a nossa necessidade de amar mais...
ResponderExcluirTrejeitando Thiago.....esse é o país que pretende receber uma Copa do Mundo e uma Olimpíada ? Sei....agora conta a do Joaozinho !!! Abraços velhão
ResponderExcluirQue trabalho dá ser gentil...rs
ResponderExcluirAs pessoas estão todas demasiadamente ensimesmadas. Ficam bravas quando o outro se aproxima...e depois queixam-se da solidão!
Bem, adoro seus tags! As suas expressões meio "sarcásticas " conferem o seu lado bem humorado, o que acho incrível! Adorei a parte da "delicadeza Neanderthal", "lado Crusoé"(adoro Robinson Crusoé!). Olha, sabe uma das coisas que mais odeio em mim? Sou muito "carrólatra" ou "carrófila". Não ando de ônibus há alguns...(anos)..##vergonha##
ResponderExcluirPorque eu sei que existe todo um universo que alimenta, desperta e nos aproxima de todo um contexto urbano e esse texto é prova disso. O brasileiro ainda é um povo mal educado(se bem que os alemães devem ser mais, pelo que o próprio falou, né?) Ou seria o estresse do dia-a-dia do povo que trabalha e já não tem tanta paciência, se vê ofuscado pelo brilhos dos que vem aqui a passeio e que com certeza tem muito mais dinheiro que os que estão ali naquele ônibus... Não sei, mas afinal de contas o cientista político aqui é vc. depois vc me diz. BJOS!
muito bom seu texto, sua narrativa me atraiu a ler até o fim..
ResponderExcluir"As obras de arte dividem-se em duas categorias: as de que gosto e as de que não gosto. Não conheço outro critério" disse Tchekhov. Agora me permito usar da licença poética para completar, dizendo que toda obra de arte é um pouco da vida da gente. Uns acham bonita. Outros fingem entender. Alguns estudam, entendem, mas ainda assim são manipulados pelos artigos que tanto leram na vida e não se permitem ter opinião própria. Ainda há aqueles que ignoram. E outros tantos que enxergam poesia em um instante bobo do cotidiano... quer saber?! Tchekhov estava na hora errada, nas mãos erradas, do cara certo. Você deveria estar lendo Machado de Assis...
ResponderExcluir... e o Profeta Gentileza deveria ser mais do que uma parte do muro. As pessoas poderiam ser educadas com elas mesmas [foda-se que seja um gringo, um doutor, um zé ninguém]. Educação, até em dizer "não posso ajudar", tem seu lado gentil.
Gentileza também deveria estar presente em quem nos lê, em quem permite dizer além do óbvio...
Meu amigo Manfreda certa vez escreveu uma música que começa assim: "vamos celebrar a estupidez humana / A estupidez de todas as nações".
ResponderExcluirE as pessoas estão tão ocupadas buscando maneiras diferentes de fazerem caretas que esquecem como é fácil sorrir.
Bom texto! Quem já se viu em situação parecida ajudando um gringo completamente Out, se reconhece. A foto traduz bem. De várias pinturas que pairam sob as pilastras da linha vermelha sobre a rodoviária Rio Novo. A foto, sempre quiz tirar essa foto. Acho que já vi uma tatoo dessa arte. Acho. Observo bem os parênteses. Soam como comentários do diretor. Como se sse o texto como sujeito da ação não estivesse ali. E estivesse conversando sobre dele - em 3º Pessoa. Remete às notas de pé de página. A algo paralelo ao texto original. Como se tivesse sido editado do texto original pelo autor mas o mesmo faz questão de deixá-lo ali, logo ali. Sagaz.
ResponderExcluirCristiano Morley
nem precisa anotar, a experiência ficou registrada, de maneira efetiva.
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