
Observar os outros nas janelas dos apartamentos defronte: uma das mais eficazes fontes de textos. Enquanto estava no Rio, provavelmente para uma prova no dia seguinte, essa foi minha inspiração.
Haja vista, todo mundo que escreve vive uma situação dessa, entretanto, seria diferente. EU faria o papel de motivação para um escritor que estivesse de bobeira em uma das janelas da Barata Ribeiro, em Copacabana.
Tirei a camisa, o que já é um medonho espetáculo à parte; pus o descanso de copo para depositar a latinha de cerveja; joguei alguns livros na mesa para fingir que estudava. A cerveja foi para o copo e de lá para a goela; acendi um fedorento (cigarro indonésio de cravo) e empestei o quarto e os apartamentos vizinhos com aquela marola.
Fui à janela... hum... ninguém se manifestando para me ver até que, depois de dois minutos e duas tragadas, percebi tosses compulsivas na janela ao lado. Uma velhinha já passava mal com a fumaça. Achei melhor parar. Vai que a velha empacota, onde ficaria o meu remorso?
Escolhi um CD, Rolling Stones. Peguei a guitarra de minha prima e me empolguei com Keith Richards e Mick Jagger. Começaria uma bizarra apresentação. Jumpin’ Jack Flash.
Percebi que a guitarra conectada no amplificador atrapalhava a música (não sei porquê, poxa) e simulei os acordes de Richards como ele nunca-jamais se disporia a tocar; depois, descansei-a no seu devido local de repouso e comecei a dançar como Jagger. Start Me Up. Quase igual! Dei outra baforada e um gole, pois não ouvia mais as tosses da velhinha - deve ter ido descansar dentro do banheiro dela.
Ao me virar, num destes passos, vejo minha tia e meu primo, assoados à porta. Eles estavam na tentativa de conter as gargalhadas, com semblantes de incredulidade no que os olhos deles presenciavam. Finda a música, um clamor de “para com isso, menino!” de minha tia e a liberação do riso de meu primo. Desliguei o CD e pus na rádio Antena 1. Comecei a ler algo somente para distração, fingindo ser um intelectual.
- Pode deixar que vou parar com este barulho, tia.
Pronto. Quem gosta de escrever sobre coisas surreais teve a grande oportunidade. Quem ler ou ouvir história semelhante por aí, já sabe que tem é o protagonista.
PS: A velha ainda vive, não se preocupem.
Petrópolis, 2004. Revisado em 2011.