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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

NÓS, LUSÓFONOS: LAÇOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E POLÍTICOS




Para o bem da Literatura em Língua Portuguesa, José Saramago ganhou o prêmio Nobel da Literatura em 1998 com o livro, se não me engano, “Levantado do Chão”. E para o bem do mundo, essa premiação eriçou a curiosidade mundial daqueles que ainda não haviam atentado para a qualidade das obras em nosso idioma. Essa expressão, nosso idioma, é muito bem figurada por ele como o idioma de Camões e Machado de Assis, “pois o mundo ainda não o conhece como deveria”.

Li em uma recente edição de Grande Sertões: Veredas um prefácio ou ensaio dizendo que já na década de 30 a língua portuguesa merecia seu Nobel com Guimarães Rosa, para citar somente um. Entretanto, continua o autor do prefácio, o fato de ser em língua portuguesa ainda era muito exótico, digamos assim, para a literatura mundial reconhecê-la segundo os parâmetros da homenagem sueca. Saramago seguramente endossa essa e diversas outras opiniões quanto o tardio reconhecimento de nossa literatura moderna e contemporânea.

Saramago não se considera um grande romancista senão um ensaísta que brinca com a prosa e, desse modo, transforma seus escritos em quase-romances. Desde 98, portanto, os leitores de todo o Brasil e do mundo passaram a conhecer mais suas obras por causa da grande oferta nas livrarias e reedições oferecidas pelas editoras. Um mundo leitor que já conhecia Eça de Queiróz, Júlio Dinis e Camilo Castelo Branco; Mário de Sá Carneiro, Florbela Espanca e Antero de Quental.

Fernando Pessoa é mais que pessoa, mais que alma, mais que poeta, mais que mundial. Logo, é outro assunto, meta-filosofal.

Para nós brasileiros, não teria graça falar dos nossos magistrais escritores porque nós temos conhecimento deles e de suas obras. Mas é interessante perceber que só falei até agora de brasileiros e portugueses. Não falei dos africanos de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe; e dos asiáticos do Timor Leste, Goa e Dão (Índia), Málaca e ainda Macau.

Não falar deles foi um dos sintomas, o outro é saber que, embora haja grandes pesquisadores e especialistas em Literatura africana, a quantidade de cursos e disciplinas é escassa. Para os novos profissionais da área e aos estudiosos, engajar-se no estudo de nosso idioma no outro lado do Atlântico e em dois pontos do Índico, será uma seqüência de descobertas equivalente às que os navegadores portugueses fizeram há mais de cinco séculos, por mares nunca dantes navegados. Desse modo, Saramago dirá que o nosso idioma é o idioma de Camões, Machado de Assis, João Agualusa (Angola), Mia Couto (Moçambique), Manuel Lopes (Cabo Verde). E ainda vamos nos surpreender quando descobrimos a literatura do Timor Leste.

Todavia, José Saramago, não deixou - e com razão -, que a editora brasileira fizesse uma leve adaptação para o português falado no Brasil. Em seus escritos está a língua portuguesa, em uma de suas manifestações. Ora, pois, concordo com nosso ribaltejano, sabe ocê? Adaptando uma obra em português para português do Brasil é, não só mudar a língua e o sentido como, pior, empobrecê-la, não é? A magia de uma língua tão falada no mundo é saber de suas variações gramaticais, ortográficas, lingüísticas etc. de acordo com suas circunstâncias históricas, sociais e políticas.

Política... toquei no assunto. A Rádio e Televisão Portuguesa (a iérretepê) mostrou um brilhante documentário sobre a eclosão da revolução dos angolanos contra os colonos brancos portugueses e a situação de colônia, ou seja, a guerra pela descolonização e independência de Angola. 15 de março de 1961, as forças da União Popular de Angola (UPA) iniciavam oficialmente a sua vontade de se desatar da ditadura de Salazar.

Gostaria muito de desenvolver esse tema, que está bem fresco em minha cabeça, mas deixarei para outra ocasião, ou mais adiante, pois prefiro atentar para um suposto detalhe da edição do documentário.

A narração e os depoimentos dos militares portugueses e dos portugueses colonos nascidos em Angola não tinham qualquer legenda, naturalmente. Nem imaginaria legenda em uma questão delicada entre duas regiões de mesmo idioma, no entanto, não acontecia isso quando os ex-membros da UPA. E após o impacto dessas legendas em português para um discurso em português, percebia que entendia melhor os angolanos do que os discursos dos militares portugueses.

Compreendi que por ser um programa de Portugal, valeria a pena uma legenda caso o português angolano fosse mais para dialeto do que para o idioma. As legendas, porém, eram desnecessárias, por mais que eu tivesse que prestar atenção. Era uma espécie de tradução de língua falada para língua escrita. E para um brasileiro, os dois eram dialetos, mas línguas modernas e atuais, também manifestações regionais e sociais da língua portuguesa.

E no lugar de concluir, questiono: Saramago concordaria com essas legendas em espécie de tradução das falas dos angolanos? Se assim o fizesse, deveria deixar fluir as adaptações de suas obras, caso contrário, há um ranço colonialista em defender o português de Portugal.

Compliquei, né?
* E quatro anos, desde que escrevi esse texto, é prazeroso saber que a quantidade e distribuição de romances e outras obras em línguas portuguesas aumentou muito.

Teresópolis, 29 de janeiro de 2008.

4 comentários:

  1. Meus colegas do mestrado lusofono deverão achar teu texto interessante, Thiago! Compartilhadissimo!

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  2. Fale com eles para ficarem à vontade em perguntar ou me oferecer qualquer coisa.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Acho quase tirano legendas adaptadas ao mundo de quem lê ou assiste... as legendas deveriam contextualizar a perspectiva de quem conta a estória... ainda sou do tipinho que acha que uma obra deva ser, genuinamente, exposta. Já pensou querer traduzir Guimarães Rosa para qualquer mundo que não seja o que ele quer, de fato, nos mostrar?!

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