Tem gente de todas as gentes, caras e expressões. Assuntos pertinentes, pretendentes aos nossos bilhões; momentos de reflexões das salas de aula a uma mesa de bar, feitas ontem ou anteontem, há mais de década; desde as realidades insignificantes, às fantasias dos nossos semblantes.
Zelador
Seguidores
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
ANTIGAMENTE E OUTRAS MEDIDAS DE TEMPO
Sabemos que falar do tempo requer enormes teses de estudo, textos, conversas e discussões. Entretanto, falarei sobre alguns pontos de termos e expressões relacionados ao tempo em nosso discurso.
“Mas antigamente, meu filho, as coisas não eram assim, eram muito melhores... muito melhores. Você veja bem, qual sua idade mesmo? Nossa, muito jovem ainda, mas veja bem, outro dia mesmo, conversava com a Dona Conceição sobre isso, acho que foi ainda esta semana, ou no início do fim da outra, não sei bem. Isso aqui tudo, quando a gente, eu e o falecido Magela, que Deus o tenha, comprou esta casinha aqui, isso aqui tudo não tinha nada. Era só aquela casinha laranja ali, a de chaminé, o resto tudo verde, floresta. De uns dez anos para cá está assim, cheio de casas. Ai, ai... ô, acho que o cafezinho está pronto.”
Percebemos três noções de tempo muito comuns em nossa linguagem. Duas bem evasivas: “antigamente” e “outro dia mesmo” (algumas variantes, como “agora-pouco”, “agora faz pouco”, “não faz tanto tempo assim” etc.) e outra que apresenta uma precisão científica: há dez anos ou, dez anos atrás.
Outro dia mesmo é possível nos dar leve noção do tempo, não chega a um mês.
Dez anos passados é o tempo exato que uma cidade ou um bairro evoluiu bastante, inclusive dando características de cidade ao que era uma vila, de bairro ao que era apenas uma estrada que ligava dois bairros importantes, de comunidade vertical ao que era uma singela colina, de bairro comercial-popular ao que era somente residencial-elitista-sofisticado.
O uso do antigamente, via de regra, não vem acompanhado do contexto histórico. Isso pode prejudicar a comunicação. O antigamente possui duas constantes, menos matemática do que emocional, abstrata:
ERA BEM MELHOR: Sempre o antigamente era bem melhor; independe da pessoa e de sua história. Uma vez, no balcão do bar Tic-Tac, em Petrópolis, recebia uma aula de Altemar Dutra ou Ataulfo Alves, motivada pela revolta do som que vinha do videokê no segundo andar.
- Agora é só essas músicas aí, funk, pagode, Lulu Santos. Antigamente era bem melhor, tinha seresta, a gente conquistava as meninas com violão, com a poesia.
Aí citou os grandes intérpretes e compositores dos bons tempos. Nesse caso, temos vaga ideia do antigamente do qual ele se refere; é, certamente, o tempo de sua juventude. Mas há casos que o antigamente, dentro de um discurso, varia entre as primeiras aglomerações familiares de australopithecus até, digamos, esses dias mesmo, faz nem um mês. Agora, imaginemos uma narrativa qualquer em que a pessoa diz:
- Antigamente não era assim, as pessoas tinham mais respeito pelas outras, para com o próximo.
Antigamente quando? Que época da história da humanidade vivíamos nesse Falanstério de Charles Fourier, ou na Pasárgada de Manuel Bandeira ou, mais antigamente, a dos persas, clamada por Estrabão? Quando existiu esse paraíso de respeito mútuo? Isso é outro assunto. Passemos para a segunda constante:
JUVENTUDE: Millôr Fernandes já se questionou: “Quando é que a mocidade começou a ficar tão chata e imoral? Não foi quando você completou quarenta anos?”
E em outra oportunidade, já faz um tempo, eu recebi um e-mail com frases do período da Antiguidade Clássica e Oriental, do Alto e do Baixo Medievo, da Renascença Moderna, do Iluminismo, do longo século XIX, da transição o XIX para o XX, do entre Guerras, do pós- Guerra, da contemporaneidade atual ou pós-modernismo, do fim da História, de Fukuyama. Em todas as épocas a juventude foi a bola da vez, conforme uma antiga crônica no Canis Familiares, de 2004, creio. Resumindo todas as frases:
- Essa juventude atual não quer nada com nada.
Um toque de preconceito, rancor e extremo saudosismo. Porque parece que por mais que a vida na juventude de uma pessoa tenha sido sofrida e que em sua idade avançada, 40, 50, 60 anos em diante esteja mais tranqüila, compensando os esforços do antigamente, os bons tempos do antigamente prevalecem de alguma forma.
O homem, o tempo; o estudo do tempo e a sua relação com ele, tempo inventado, tempo natural... é algo fascinante, de infindáveis questões e temas.
Que saudade de alguns pontos do antigamente!
Que no ano-novo, mais uma vez, marco inventado por nosso recente calendário cristão (padrão mundial), possamos nos divertir e nos emocionar com as boas lembranças e com os projetos para o futuro, esse tempo também não sabido.
Itaipava, 27 de dezembro de 2010.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Este 'antigamente'é sempre engraçado...É quase tão corriqueiro como o termo que minha avó falava que era:'É que de primeira'rs...É que de primeira as meninas não eram tão assanhadas assim...
ResponderExcluirOutra clássica: "NO MEU TEMPO..." [ouvia muito isso do meu pai... ainda ouço dos meus avós, e fico com medo de mim quando começo um diálogo com a minha afilhada de 12 anos usanto esse termo]
ResponderExcluirE mais uma vez, o tempo é dono do que nos é quase distante, quase agora.
Que venha 2011.
Ta chegando a hora.
ResponderExcluirDe cantar e preencher o
teu coração e os corações
de todos com muita alegria,
paz e amor.
Com certeza isso trará a
prosperidade até você e àqueles que ama.
Feliz Ano Novo!
Deus abençoe vc.
Por favor volte a seguir meu
blog perdi os seguidores
na mudança de endereço.
È claro sigo você,Evanir.
www.fonte-amor.zip.net
Então, Thiago. Acho brabo quando o povo vai chegando à minha idade (avançada, decania mesmo) e parece querer que alguém pague por isso. Acho que é experiência é essencial, mas não para esfregar na cara de quem é mais jovem, né? E o papo de “no meu tempo”, realmente, é coisa pra arqueólogo, hehehe. Meu pai vivia repetindo que a minha geração era uma “geração perdida”... E hoje, ouço pessoas da minha geração reproduzindo a mesma frase... É o medão de não prestar pra mais nada, num mundo utilitarista onde envelhecer é sinônimo de se deteriorar.
ResponderExcluirAh, sim! E ótimo final de ano! =)
ResponderExcluirOlá Thiago, adorei seu novo blog!
ResponderExcluirAntigamente, muito bom.
Abraços, saudades!
Orminda
Caro Thiago e amigos.
ResponderExcluirTrejeitando um novo ano novo abençoado já, aqui e agora e eternamente...
Antigamente eu não percebia que o antigamente era um morto que nunca morria porque nunca existia, pois só existe o presente onde mora o agora e nunca o antigamente. Daí deixei de lado este fantasma antigo e inexistente e passei a viver em paz no presente onde tudo existe para sempre e infinitamente em infinitas possibilidades para o meu bem e o bem de todos.
Sinto muito, me perdoe, te amo,sou grato.
"Antigamente" era bom porque a memória cuida de guardar só o que interessa. Que o ano novo seja muito, muito bom e fique ainda melhor quando virar "antigamente"
ResponderExcluirSeu texto me lembrou que OUTRO DIA MESMO eu estava pensando com os meus botões: a partir de que ano iremos voltar a falar anos 20, anos 30, anos 90? Porque por enquanto este século está completando sua primeira década, mas há certos preciosistas que dizem anos 1970, anos 1980 e por aí vai. Será que em 2030 iremos falar anos 2020 ou anos 20? Eu não estarei aqui, mas você estará. Me conte depois.
ResponderExcluirMuito interessante esse teu texto. Eu quando criança achava os adolescentes idiotas. Ai passei pela adolescência e fiz algumas idiotices comuns da fase. Hoje, continuo achando os adolescentes uns chatos e os universitarios também. Ah, e os adultos que acham que antigamente era melhor tb é um saco! Acho que nisso tudo so sobraram os cachorros, que antigamente e hoje são a mesma coisa, não ficam reclamando e repetindo clichês como nos...
ResponderExcluir"Qd foi que essa juventude começou a ficar tão chata e imoral?"
ResponderExcluirMeu Deus, que indagação!!!! rsrs
Penso sobre isso também. E olha que sou jovem, mas mal consigo passar muito tempo com pessoas das mesma idade que eu e, às vezes penso, se para os mais velhos também não pareço com os jovens chatos que eu tento evitar. kkkkk
Bom final de ano, Thiago.
Amei a crônica!
ResponderExcluirSou o tipo que, embora ligado ao tempo presente, está sempre com saudade de ANTIGAMENTE. Sou o que chamam saudosista, tenho um olhar retrô. A ponto de sentir saudade do que me antecedeu, saudade do que não vivi.
Um abraço, obrigado pela visita ao InterTextual e êxito em 2011.
Não se fazem mais antigamentes como recentemente.
ResponderExcluirThiago
ResponderExcluirBoa tarde
Primeiro venho te agradecer a presença e comentários lá no BONDeblog. É sempre uma alegria poder receber os companheiros de viagem virtual.
Olha Thiago, no meu tempo...., mas, o meu tempo também é hoje, foi ontem e será amanhã. Diferente, melhor, pior, depende. O melhor tempo é aquele em que conseguimos progredir, aprender, viver.
Para o amigo e sua família, além de seus leitores, desejo um FELIZ TEMPO EM 2011.
UM FRATERNO ABRAÇO
Adoro lembrar do que acontecia "antigamente", do "quando eu era pequena"...ou só do "há algum tempo atrás".. O tempo é precioso, ainda me lembro de uma das fatias desse ano que mal se foi e eu ja sinto saudades. Obrigado por sua visita e seu comentário.
ResponderExcluirAbraço,
Os saudodos de hoje são os chatos e imorais de ontem. Muitos não querem se desprender da versão antiga quando a versão nova de nós mesmos pode ser muito melhor quando aproveitada.
ResponderExcluirÓtimo texto, Peste!
:*
Isso não é apenas preconceituoso, é também cruel. Quando dizemos (sim, às vezes dizemos) a um jovem que “isso aí que vc ouve é lixo, bom mesmo era quando eu ouvia...” estamos dizendo que este jovem e o seu tempo ( que é também o nosso, caso esqueçamos) representam a ideia de “decadência”.
ResponderExcluirElis é que estava certa: somos iguais aos nossos velhos pais. Aquela jovem senhora reclama que o filho ouve uma música em que a mulher é chamada de “cachorra” e outros termos, mas quando jovem ouvia e repetia com prazer um Axl Rose berrando “Back off bitch, fuck off bitch”. "Ah, mas uma coisa é inglês, outra é português". Arrã.
Mais ou menos o que acontece quando alguns colegas professores dizem que “estes alunos não querem nada hoje”. Querem, sim, mas não o mesmo que vocês, que provavelmente em alguns momentos da adolescência não “quiseram nada” também. “Nada disso, no meu tempo...” e aí está o eterno retorno tantas vezes referido por Nietzche, Borges e tantos outros.