Tem gente de todas as gentes, caras e expressões. Assuntos pertinentes, pretendentes aos nossos bilhões; momentos de reflexões das salas de aula a uma mesa de bar, feitas ontem ou anteontem, há mais de década; desde as realidades insignificantes, às fantasias dos nossos semblantes.
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domingo, 20 de fevereiro de 2011
PAISAGEM ACÚSTICA DO BAIRRO
Este ano, em Teresópolis, não haverá carnaval. Não ouvirei os batuques dos ensaios da bateria independente da Gaviões da Colina, justamente no ano que ela estrearia no Grupo Especial. A título de explicação, bateria independente é aquela em que cada componente é livre para exercer seu batuque, sendo a presença do mestre de bateria apenas simbólica e ilustrativa.
Lerei, escreverei, prepararei as aulas, arrumarei o quarto, cozinharei, beberei sem a tradicional trilha sonora que tanto ritmou meus estudos em 2010.
Todavia, novos aparatos, bem mais próximos, dentro do próprio bairro Jardim Cascata (Waterfall Garden) surgiram após a Associação de Moradores. Mantém-se, pois, aquele misterioso radinho engatado na Rádio Grobo, os latidos, as sirenes, as centenas de máquinas de cortar grama, as conversas de celulares nas janelas alheias e demais coisas que descreverei nas próximas linhas.
Antes, porém, não há surpresa alguma que a sigla da associação é AMAJC. Amamos também Jesus Cristo, mas não confundamos, por favor.
A empresa de segurança fornece um serviço que me fez pensar que antes dela eu estava em um local semelhante à Faixa de Gaza: câmeras espalhadas pelas esquinas. Nos dias de inverno, sinto-me em Londres, nos de verão, em Cingapura; rondas constantes de motocicletas, com lampadinha girando na traseira e tudo que convém para nossa segurança.
As motocicletas vão até o final da rua, retornam; e sempre penso que é a moto da quentinha ou da pizza, tentando me lembrar se alguém os chamara. Ato contínuo, vou à janela e os cachorros do vizinho em frente me saúdam. Dois pastores belgas, ou descendentes deles, ficam presos e sozinhos. Às vezes basta que eu assome à porta do meu quarto, acenda a luz e minha cabeça atinja o campo de faro para que eles ladrem. Seus donos, nós os conhecemos (redundância).
É um casal que divide um táxi. Amiúde, tomamos conhecimentos detalhados de um entrevero que possa ter começado no bar do Pires, no começo da rua, e se estendido até nossa janela. Os cachorros também querem participar, mas recebem ordens de cala a boca não acatadas. Bem, acho que as ordens de cala a boca são para os cães. Quando o varão volta, do bar, acompanhado somente pela aguardente, ele dá um assobio para nossa janela e profetiza um placar do próximo clássico carioca ou jogo do Flamengo ou Botafogo; profecia contrapartida por outra, a do meu conviva, que é botafoguense.
Ao lado da casa deles está uma pequena e escondida mansão. Até agora não sei quem é o proprietário e quem é o caseiro, mas durante o semestre passado uma equipe de operários dedicaram-se a subir e eletrificar as grades, instalar alarmes e eletronizar o portão. O problema estava no “instalar alarmes”, quanto ao nível de sensibilidade da massa corpórea invasora. Um amadorismo preocupante.
Não raro, dormindo ou lendo nas madrugadas, aquela p... explodia e dissipava todo meu sono ou concentração. Demorou muito para o indivíduo ajustar o nível de sensibilidade para Homo nem tanto Sapiens/ladrão/invasor (não necessariamente nessa ordem). Nas primeiras semanas estava no nível Libélula/Aedes aegypti; por mais de um mês permaneceu no nível Felix cactus vadio; passou para Cabeça de Equus caballus solto, Carro estacionado defronte até chegar ao nível que impedisse um sorrateiro ser humano invadir a casa.
Para o caseiro ou dono se lembrarem do alarme também levou tempo. Mais disparos vinham quando eles esqueciam o portão aberto e que eles eram massa corpórea ambulante. Hoje este problema está aparentemente sanado, mas como o objetivo é embelezar a paisagem acústica do Jardim Cascata, todos as noites, provavelmente depois do jornal, o caseiro liga o Renault 2008, cor grená-almiscarada, para que a bateria não arreie. E dá cada acelerada que leva todo combustível para a atmosfera sem que se ande um centímetro. A placa é 2026... ano cabalístico em que os arqueólogos extra-planetários vão achá-los depois do fim da terra. No mesmo lugar.
Por quase vinte minutos aquele motor zumbe. O carro, seguramente nasceu ali e jamais se locomoveu.
Já ameacei dispor as caixas de som na janela para compor, participar do movimento sonoro do bairro. Entretanto, o choro, o riso e os gritos do bebezinho do prédio ao lado da casa do casal taxista é cativante. Que criança palradora!
Teresópolis, 15 de fevereiro de 2011.
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O Fantástico Mundo Cotidiano no WaterFall Garden!
ResponderExcluirSó você mesmo para ver poesia em choro de bebê e carro estacionado... =)
Não é à toa que amo te ler.
beijosssssssssssssssssssssss
Retribuindo seu carinho...E as palavras permitem-nos recriá-las...Ou, criá-las... Palatavelmente.Grande abraço.
ResponderExcluir"Waterfall Garden - tudo aquilo que você e sua família desejam. Apartamentos com dois ou três dormitórios, varanda gourmet, ampla área de lazer, piscina, espaço zen. Todo o conforto e segurança que você e sua família merecem, pertinho de tudo! Visite stand com apartamento decorado..."
ResponderExcluirPorque aqui em Salvador a moda é novos condomínios e prédios residenciais com nomes "ni ingreis" pra soar mais "charmoso" - ou "exclusive". Mas tem nomes de condomínios em outros idiomas. Terrazzo Reale, Imperiale, Villes de France...e as homenagens à brava gente brasileira e baiana: Duque de Edinburgh, Duque de York e Duque de Bergara.
Enfim, deixa pra lá, um devaneio bobo com o nome WaterFall Garden Ville. Bom, aí ao menos é um Renault 2008. Aqui na quebrada era uma CG 125 toda detonada e que fazia um barulho desgramado - nem precisa dos guardinhas apitando pela noite, só a velha motoca já espantava os meliantes. Mas recentemente foi instalado um batalhão da PM aqui na rua. Quero a motoca de volta!
Abs, meu nobre Quintella, arguto observador de Waterfall Garden Residence Club!
As grades do condomínio são pra trazer proteção...
ResponderExcluirRapaz, vou escrever um post dialogando contigo... me aguarde...
Thiago,
ResponderExcluirfui lendo esse texto afiadíssimo e minhas inquietações foram acordando todas, uma de cada vez. Pelo que vi o Jardim Cascata é o samba do crioulo doido da paranóia da nossa segurança.
Ontem, aqui onde moro na periferida da periferia da ZL de Sampa, cheguei do serviço mais ou menos uma da manhã e percebi um pessoal mais ou menos suspeito, por que no escuro (literalmente, já que as lâmpadas dos postes estavam apagadas) todo gato é pardo. Dei 03 voltas no quarteirão e nada de ouvir nem os apitos nem as motos dos guardas-noturnos.
Apesar do cagaço e como não tinha jeito mesmo, resolvi ir para o seja o que deu quiser, parei o carro com o coração atravessando o samba e fui abrir o portão maldizendo a Eletropaulo. Um dos suspeitos acenou para mim e gritou de dentro da escuridão:- paz, japa, bom descanso, japa. Era o filho de um vizinho com alguns parceiros queimando um baseado fortíssimo, quase fiquei louco de tabela.
Um abraço, véio.
Em tempo, o meu jardim é o das Oliveiras.
ResponderExcluirMuito bom, muito bom. Era capaz de ver cada rua, cada casa e cada personagem...
ResponderExcluirOdeio lugares barulhentos. Como diria Caetano, melhor que o silêncio só João (Gilberto). Sou um adorador do silêncio...
Morei num lugar que tinha uma igreja que tinha um alarme que tinha que disparar todos os dias, o dia todo.
Morei noutro, perto daquele, que tinha um bar exatamente abaixo da janela do meu quarto. E as pessoas gostavam muito daquele bar, então ele tinha música ao vivo.
Agora moro no 16o de uma avenida muito movimentada. Quase não ouço nada!
Faltou o carro com o megafone: "pamonha, pamonha, pamonha." Faltou também aquele pessoal que gosta de um som automotivo com músicas(?) de dupla serteneja a 150 decibéis. Não tem isso aí? Então Waterfall Garden é um paraíso. hahahaha! Abração, Thiago! Paz e bem. (paz, principalmente)
ResponderExcluirTalvz fosse melhor o barulho da bateria da Gaviões da Colina rsrs bjs
ResponderExcluirsim, sim, interessante.
ResponderExcluirhilário!
ResponderExcluirAqui perto de casa tem uma kombi bem velha que passa diariamente e o camarada fica: "Compro ferro, compro chumbo...janela de alumínio! Panela velha, ferro velho!" E aqui também não é um condomínio Jardim Cascata ou Waterfall Garden, como vc diz, mas ousa ter um nome solene: Faithful Feather, vulgo...Pena Fiel.
ResponderExcluirTambém tem o elevador que só vive enguiçando e deixando as pessoas presas e em meio a gritos senis e até pueris de pessoas asfixiando-se, (pois o porteiro é mouco e custa a escutar o alarme...) Eis que surge o zelador que já conhece o macete e paulatinamente esmurra a porta até obter vantagem e com uma delicadeza neanderthal(sua expressão).
Mas o que seria uma pena fiel? Uma pena que não cai de modo nenhum de seu pássaro? Um zelador que jamais abandona os moradores? Diga-me Vc é o cientista político aqui...me explique: O zelador é "The Mister Faithful Feather? hahahah
Detalhe: o tempo entre as severas pancadas é de 1,5 a 2 min...durante a tarde, na hora da minha sesta...Já sonhei que estava entre escombros e tentavam me tirar de lá e também tive uma espécie de dejavu, por alguns milésimos de segundo me encontrei na faixa de Gaza...
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