
Pedi uma latinha e fechei a conta, pois não daria tempo de terminar outra garrafa. Mantive, desse modo, a tradição da saideira em número ímpar e permaneci em um balcão anexo. Executei uma panorâmica no ambiente: na outra ponta do balcão principal, quatro amigos tiravam zerinho-o-um para ver quem era o sacrificado que ficaria seco; quatro amigas lanchavam numa mesa, um casal bebia em outra.
Voltei, então, ao meu discurso. Sim, eu elaborava mentalmente alguma coisa de uma palestra vindoura e também a misturava com futuras aulas para o segundo semestre. Sem dúvida-com certeza, eu era o louco do bar. Inclusive com linguagem corporal e gestos, parecia uma grande apresentação para um selecionado e exigente público.
Duas meninas saem de uma mesa e vão ao dono do bar. Apesar de terem passado bem próximas a mim, não atrapalharam meu desempenho a não ser, segundos mais tarde, com a frase gritada por uma delas para o dono do bar:
— ... foi pulando a cerca.
E a amiga completou:
— Aí ela ficou assim. Viu? Foi fazer besteira, coisa que não sabe.
Isso mesmo que vocês leram e que eu ouvi: a moça declarando que pulou a cerca, para o dono do bar e para quem quisesse ou não ouvir.
Quem sou eu para julgar o relacionamento de alguém que jamais encontrei? Mas acho que essas declarações poderiam ficar no âmbito das confissões secretas. Ou também não, vai que ela precisasse disso para se libertar. Entretanto, se eu a vir de novo, de mão dada com o companheiro, ficarei na dúvida se é o corn..., o namorado oficial ou o objeto que habita o outro lado da cerca.
Não estão nem aí para as repercussões de seus relacionamentos e, ainda por cima (ou por baixo, de lado etc), arrumam comparsas.
Fiquei prestando atenção para ver até onde iriam as declarações públicas da moça. Até o dono do bar estava impressionado.
— Mostra aí. — Falou a comparsa.
O que ela mostraria? A foto do cara, ou do namorado?
A moça levanta parte de sua calça mostrando o tornozelo e a canela, tudo arranhado, bem como parte da mão direita e do antebraço. Como assim? Ainda foi algo bem selvagem, amaram-se como dois animais, já dizia Alceu Valença.
— Nunca mais faço isso! Pior que nem precisava, porque o portão era pertinho, mas eu não enxerguei. Era só andar mais um pouquinho e passava pelo portão.
— Uhahaha, muito sem jeito ela! Não sabe nem andar direito e vai pular cerca.
Bem, eu devo analisar melhor a literalidade de algumas expressões... ou não ouvir mais as conversas dos outros.
Petrópolis, 9 de julho de 2008.