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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

BSB Crô. 1 – 2012: TRAJES*




Confiando na sequitude do Brasil Central, vesti camisa de manga curta e bermuda; e já me reacostumando aos endereços em coordenadas geográficas, o segundo dia do ano na capital federal foi dedicado ao conhecimento do local de serviço de minha namorada: Órgão Público –AJ, Setor Autarquias Sul Q 1 e 2, bem pertinho do prédio da AGU. Saída fácil do CCSW para pegar o Eixo Monumental e logo de frente encarar o Memorial JK e ver o cocuruto dos prédios gêmeos entre o côncavo e o convexo de nossas casas legislativas. Desde 1997 não os via.

Só que chovia fino e ventava como no Tropical de Altitude onde vivo. Como não sou de me arrepender do que vesti ao sair de casa, encarei minha desventura. Chegando ao prédio, entramos pela garagem. Cumprimentei um que ela cumprimentara, ajudei-a a estacionar como sói fazer um flanelinha diplomado e subimos pelo elevador até ao saguão onde se bate o ponto.

Versão moderna de O Processo, de Franz Kafka. Algumas almas de uniforme, engravatadas em borboleta e de terno preto. Faixas em paredes e portas: Conexão, Masculino, Almoxarifado, Feminino. Secretarias e secretárias. Vão central naturalmente iluminado, passarelas que ligavam o nada ao lugar nenhum, corredores obscuros, portas secretas seguindo a mesma textura de madeira das paredes, numa delas, de repente, eu entro. Assessoria Jurídica. Ali ela e sua amiga trabalhavam em pleno começo de ano.

Recebi a indicação de onde era o banheiro daquele andar. Fiz muito esforço para gravar o caminho de volta antes mesmo de ir. Voltei errando somente uma vez, arriscando-me a entrar em salas não autorizadas. Invadi a mesa de um funcionário, o que era permitido e, enquanto as duas discutiam valores tentei ler um conto do Octaedro, de Cortázar, desisti, escrevi três linhas:O que pode sair de uma vontade de escrever quando se está na Assessoria Jurídica, conforme indica o logotipo deste bloco? O melhor seria ler um conto de Cortázar, "Liliana chorando", mas está muito forte... voltarei à leitura. Tentei voltar a ler, mas o que devia fazer, como fiz, era dar uma volta pelo setor, à procura de um café, de bar, de algo inusitado.

Titubeantemente seguro, localizei a portaria e a ela me dirigi. No primeiro lance de escadas os olhares não eram amistosos. Funcionários da limpeza e outras almas miravam-me com espanto retido, com razão, pensei, pois não havia me identificado na portaria. Mas me fiz de gente boa e os cumprimentei com acenos e boas tardes; assim fui até à portaria, quando os engravatados que ali estavam interromperam o alegre assunto e voltaram seus olhares para mim.

- Opa! Boa tarde. – e saí.

O vento se tornava mais forte, desci as escadas em passos trêmulos, já sabendo que chegariam até Thiago QM e diriam que eu estava sob processo e deveria comparecer imediatamente ao tribunal. Foi questão de segundos, antes de acender meu cigarro um agente da segurança me avisou:

- Boa tarde.
Antecipei-me:

- Boa tarde, desculpe-me por não me identificar, estou na Assessoria do CNMP, minha namorada trabalha lá e...

Com uma delicadeza e polidez jamais vista por mim, ele avisa:

- Tudo bem, não há problema algum. Só pediria ao senhor que da próxima vez não viesse de bermuda. Será bom para todos nós (eles, da segurança) e para você. Pode voltar se quiser...

- Fique tranqüilo, não haverá próxima vez.

Avisei a ela pelo celular e quando o horário dela chegasse ao fim eu ali estaria. O que fiz virá em próxima crônica. Mas naquele dia, jamais voltei ao dito órgão público.

Brasília, 2 de janeiro de 2012.
* Mudei o título porque o anterior ameaçava alguma coisa.

11 comentários:

  1. Uma vez lá dentro, o que seria uma singela bermuda, hein?
    Esperando a próxima crônica, Pestíssimo! :*

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  2. hehehehe Não teria problema algum ficar de bermuda, mesmo porque não tinha quase ninguém trabalhando no prédio... Mas enfim, valeu a crônica e as risadas ao receber a ligação do barrado na portaria! hauhauahuahahua
    O melhor foi encontrar o papel escrito no bloquinho de anotações com seus pensamentos...
    Beijosssssssss

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  3. "Titubeantemente seguro" ... "flanelinha diplomado" ... "algumas almas de uniforme" ... Thiago, querido amigo, esse texto é brilhante - amei - parabéns - BSB Crô 1 - 2012 - TRAJES = imperdível!!!! bj prá você e para a bailarina

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  4. hhahaah Muito bom! Rafael, BSB

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  5. Ótimo, brilhante, hilariante.
    "O cocuruto dos prédios gêmeos", o "côncavo e o convexo de nossas casa legislativa", bicho, eu não sei como voce consegue. Um grande abraço.

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  6. Olá Thiago.
    O cara é fera mesmo.
    Eu só conheci aquele texto dele... Espetacular.
    Recentemente, tive dois embates com dois patrulheiros da direita e eu não conseguia me expressar de forma clara e o texto dele me ajudou muito.

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  7. "ajudei-a a estacionar como sói fazer um flanelinha diplomado". É o que sempre digo: quem tem diploma não fica desempregado nunca! :P

    Bom, eu não me acostumaria tão cedo com coisas do tipo SQN - que descubro ser "Super Quadra Norte", que caberia legal pro time aqui da rua: "Super Quadra Norte Futebol Varzeano". Não sei se Kafka apreciaria os endereços de Brasília, mas um inglês adoraria as possibilidades!

    E como afirmei no facebook da Ana: ainda verei uma coletânea de aforismos de Thiago QM.

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  8. Hahaahhaha! Pô, toda a educação por causa de uma bermuda?? hahaha! Mas foi guarda foi legal :)

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  9. Acho que o porteiro só queria filar um cigarro...

    uh

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