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domingo, 21 de outubro de 2012

ABELARDO, O MUAR DO SERTÃO




Ali nas cercanias do campo de futebol de Seu Ataíde vive Abelardo, o Muar do Sertão. O Pessoal, depois das partidas, não rejeita churrasco de bode e cerveja; pingas e o que demais houver para repor energias. O córrego perene salva a sede de todos.

Abelardo, o Muar do Sertão, sempre quieto, ouve mais do que fala, mas quando fala, fala bem, às vezes nem tão bonito, porque fala a verdade que vê. Vê tudo, mas engana o Pessoal fingindo que não vê. Abelardo, o Muar do Sertão, gosta dos humanos, mas tem vez que não aguenta tanta... humanice.

E lá estava Abelardo, anda solto porque ninguém o há de amarrar senão quando assim deseja, quando vai para a venda encher seu caçuá de palma e feijão de corda. Sempre cumprimenta Valdemá, O Carcará e Calango Jango, que nada tem a ver com o Goulart. De vez em quando tem papo entre eles, que a gente pode até registrar aqui um dia desses.

E foi num dia desses que Abelardo, ouvindo o Pessoal contar umas humanadas (que na nossa visão seriam besteiras), percebeu um movimento esquisito no icó que fica do lado esquerdo do campo, perto da bandeirinha de escanteio. Bicho branco e ágil, destacava-se do chão rachado e ocre. Não era Calango Jango. O bichinho passou pelo Pessoal, pegou uma migalha de alguma coisa e correu; e subiu o umbuzeiro. Abelardo olhou cabreiro para aquele alienígena, que com suas patinhas velozes e respiração apressada, chamava pela presença do muar. Ao se aproximar, ouviu-se um falsete:

- Abelardo, O Muar do Sertão! É você?
- Oxente, quem és tu, cramunhãozinho, para me conhecer?
- Jovelino, o Esquilo Albino. O senhor é famoso aqui e por aí tudo. Aquele que resolve qualquer problema.
- Bom, já vejo que não alucino. Só que nada sou orgulhoso, tampouco cego, surdo e mudo. Desembuche, não tema. Te escuto.
- Só um minuto, estou arfante. Já sigo adiante.
- Tem mais de hora, recupere-se da corrida e do tranco.
- Muito embora eu seja um esquilo, percebe que sou branco, coisa que não devia ser. Mas assim nasci, fazer o quê?
- Ora, ora, e em quê que isso lhe aporrinha?
- Nenhuma esquila me quer, essas coisas de não aceitar os diferentes. E só me sobram as ratinhas, branquinhas, que moram no laboratório. Mas nem a elas posso amar.
- Antes lá que num sanatório, aonde nos leva, de quando em quando, um amor ardente. E o que lhe impede de a elas namorar?
- Eu as paquerava à distância, jogávamos charminhos. Até que um dia que resolvi abrir caminho e sentir a fragrância, como um olor de açucena. Porém, seu Abelardo, chegando às janelas, que fardo, que pena, judiaram delas. Bisturi e seringas, tudo ali vira experiência. Não posso com isso não.
- Aí que vem a paciência. Esperar que uma esquila morena não seja racista, tenha inteligência e a ela falte ignorância para perceber que aí em teu peito, seu menino, há muito amor.
- Pobre eu, além de albino sofredor. O que impedirá para que não desista?
- Nobre sofrer, de todo o batalhador. Jovelino, o Esquilo Albino, não perca a esperança, é o que posso lhe dizer. Insista.
- Assim seja. Vou eu, então, por aí, Seu Abelardo, o Muar do Sertão. Obrigado de coração, deste que ainda bate forte por uma esquila serena. Quem sabe ainda não exala a açucena? Até mais ver.
- Peleja plena é essa coisa de vida. Até.
E Abelardo viu Jovelino chispar pelas picadas. Bebeu no córrego e voltou para perto do Pessoal.

Itaipava, 21 de outubro de 2012.

2 comentários:

  1. "Pelejaplena é essa coisa de vida" - transcendental como o Abelardo Muar do Sertão - esse conto pega a gente no coração - Nelsinea

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