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sábado, 13 de outubro de 2012

HEMINGWAY REVISITADO




Aquele que imaginar uma resenha ousada sobre Ernest Hemingway ou uma obra dele nas próximas linhas mude o espírito da leitura.

Ainda não li uma obra inteira dele senão comentários e artigos. Vi também alguns documentários sobre vida e obras. Isso já seria suficiente para algumas palavras, mas não seriam tão aprofundadas como gostaria de escrever numa crônica. Hemingway é um dos escritores a quem devo ler. A ele e a outros mil.

Um dia, afanei emprestado lá do serviço uma biografia dele, escrito por Carlos Baker; versão pocket book, tamanho político/banqueiro, ou seja, bem grossa (explicação desnecessária). No intuito de devolver rapidamente o livro à instituição, decidi acabar com o livro rapidamente.

Consegui ler boa quase-centena de páginas, mas a vida corrida da atual modernidade pós-moderna da contemporaneidade nos impele a outras demais atividades que não uma leitura daquilo que o indivíduo de nossa era pensa em terminar; fenômeno este mais conhecido como “A preguiça sobre as leituras descompromissadas: difusões e infusões da antiga Grécia à transição do século XX para o XXI”.

Entretanto, o Inconsciente, este nosso ambivalente companheiro, que concomitantemente não cansa de nos pregar peças nos ajudar a descobrirmos a nós mesmos, armou uma para cima de mim.

Resolvi devolvê-lo. Tornei-me irredutível. Larguei o livro na minha escrivaninha, liguei o meu grande MP3 (laptop). Passava das onze da noite. Variava entre uma palavra cruzada e uma partida de Mah-Jong no (agora) laptop, para chamar o sono que andava por perto. Escolhi umas músicas do The Cult, Metallica e AC/DC, pus no aleatório (em português, random) e deixei rolar. Depois de Hells Bells, do AC/DC, veio For Whom the Bells Tolls (Por quem os sinos dobram?), do Metallica.

Foi um sinal. 

Mas não soube o que fazer, como reagir a esse sinal. Achei que depois de ter ouvido a sequência, ou mesmo um pouco antes, deveria voltar à leitura, ainda que por alguns minutos antes de dormir. Assim o fiz. Só que nas páginas que lia havia muitas palavras que não entendia. A preguiça de pegar o dicionário (Cambridge Bloody Fucker Dictionary of English & Culture) mais vezes que o próprio livro aumenta quando estamos deitados. Desse modo, dormi.

Lá pelo meio da noite, subi na varanda de um bar. Luzes espalhadas pelas paredes em terracota ou cor de laranja. Um poste iluminava ninguém mais, ninguém menos que ele: o Ernest. Ele estava compenetrado ao folhear pequenos papeis em cores fluorescentes. Olhava algumas figuras, escrevia pequenas frases; poemas? Caramba, vejo o grande escritor na fase de criação, de produção!  
- Ernest, é você? - Indaguei-lhe.
Ele apenas levantou os olhos com uma cara de Orson Welles, inclinou um pouco mais a cabeça e me disse.
- Vamos, garoto, pegue uma cadeira e me ajude aqui. Quer cerveja?
Não respondi, apenas tentei ir para a mesa e, ansioso, não sabia se falava em inglês ou em português, por mais que ele já tivesse se comunicado em português, com timbre de dubladores da Herbert Richards, AIC-São Paulo ou DKS. Jogou para mim duas ou três folhas coloridas daquelas. Tinham fotos de drinques como daiquiris, mojitos, sangrias etc. Um garçom ultra bem vestido, parecia com o personagem de charges Amigo-da-Onça, me entrega um whisky. Ele continuava com a birita dele, intacta, e compenetrado.
- Quero lançar um livro das melhores receitas de daiquiris, ajude-me a escolher umas boas aí, rapaz.
- Claro.
Enquanto olhava aquelas receitas, comecei a achar aquilo meio besta. Estava na mesma mesa que Ernest! Pô, vamos trocar uma ideia em vez de fazer essa triagem de cangibrinas. nsei isso, mas falei:
- Pô, Ernest! Cara, me conta aí das suas paradas, de seus escritos, seus perrengues lá na Guerra Civil espanhola.
- Tudo bem garoto, vou lhe falar: está tudo escrito.

Quando acordei, honrado por ter tomado um esporro didático do Ernest, o mínimo que devia fazer era continuar a ler. Voltei a dormir, no entanto, na tentativa de voltar ao bar onde estava o Ernest para inventar uma desculpa e promessa de leitura.
Nunca mais o li, embora esteja lá, na minha cabeceira. junto com o "O velho e o Mar", que surrupiei emprestado da casa de meus pais.

Itaipava, Petrópolis – 13 de outubro de 2012.  

6 comentários:

  1. E aí Thiago, tudo certo.
    Estou vendo que deu uma repaginada...
    Ficou legal.

    Abraço
    Marcel

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  2. Ê, Pestíssimo, sempre textos fantásticos!
    Muito bom!
    Aqui em casa tem alguns livros do Hemingway, mas, tu sabe como sou com livros. Trato-os igual a gente. Só converso com aqueles que vou com a cara, e até agora não tive a oportunidade de olhar na cara dele.

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  3. É uma relação muito comum essa. Na verdade, eles nos escolhem.

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  4. Agora as coisas estão se acalmando, até posso ler e comentar os grandes blogs amigos! Que bom que apareceu por aqui, Marcel!

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  5. Ah! Os sinais... Thiago, estes maravilhosos sinais divinos, (tantos) ao longo da estrada, e os desdenhamos movidos por ancestrais memórias e programas escravagistas em nosso subconsciente (sempre caótico).

    Estar no agora é levantar, pegar o dicionário (mil vezes pela primeira vez, e sempre única).

    Não demora atender o convite (chamado) do "velho" colega de pena e penas.

    Afinal, não é toda hora que podemos dispor de um companheiro de "journey" que sabe por "quiem doblegan las campanas"...

    Paz e Luz infinita. Faz tempo que não vinha, queira perdoar. Texto bom de ler, gostei. Sou grato.

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  6. Grande Aldo, O infinito! Pois é, tive que atender ao pedido dele, e agora volto a ler os grandes blogs e a escrever, um sinal assim não se despreza. Obrigado pela visita!

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