Caso 1
Teresópolis-RJ, quase sete da noite, estrelas no céu. Sexta-feira.
A Praça Olímpica Luís de Camões, em Teresópolis, é ladeada pelas duas principais avenidas da cidade, a José Joaquim de Araújo Regadas e a Lúcio Meira. Entretanto, uma é chamada de Parque a outra de Reta. Na região serrana fluminense, avenida mesmo só a Rua do Imperador, em Petrópolis.
Em um bar da Avenida-Parque Regadas, as sabedorias pairavam entre o som do DVD de uma dupla sertaneja. Mesas na calçada, balcão lotado de garrafas, pratos, fregueses e cervejas; cachaças e traçados também. Um dos fregueses lança uma pergunta aos demais amigos e a quem quisesse ouvir:
- Ô, aê! Esse Luís de Camões, o da Praça, quantas medalhas ele ganhou para o Brasil?
- Ih, agora você me pegou. Qual era o esporte dele? – divaga, o primeiro.
- Acho que era natação, da época do Djan Madruga - busca na memória, o segundo.
- Rômulo Arantes, disso eu lembro - auxilia, o terceiro.
Um “isso!” uníssono de concordância. Mas a dúvida estava apenas no início de seu processo de esclarecimento, se é que se esclareceria.
- E o Guga (hic) também, ganhou medalha...
Desconsideraram essa afirmativa porque ela veio de um “eternamente bebum”, conhecido pela incoerente e desrespeitosa alcunha de Mumu.
- Ele não foi do judô? - Continuou um - Carregou até a bandeira do Brasil na abertura das Olimpíadas.
- Não, isso não tem nada a ver. Foi do atletismo, do revezamento, se estou bem lembrado.
- Agora vocês estão de brincadeira! Não vamos nos confundir.
- É, daqui a pouco o Feijó chega, da Previdência, e acaba com a dúvida. Aquele sabe das coisas. Tá quase na hora dele chegar.
- Tudo bem, mas se me permitem tenho uma dúvida maior ainda: Luis de Camões não era português, não?
- E para quê que a prefeitura iria homenagear um atleta português?
- Deixa de ser burro! Aqui tem a Casa de Portugal, que tem quadra de tênis, poliesportivo...
Silêncio.
- E... vai, continua.
- Ué! Vocês não sabem que o esporte...
- Olha o Feijó aí!
- Fala Feijó!
Feijó é daqueles que não precisa fazer seu pedido quando chega ao bar, a este, especificamente. Abriram-lhe espaço no balcão e já chegava meia dose de Catuaba, meia de Contini e meia da Mineira do barril. Tudo calculado, bem dosado matematicamente do jeito que se calcula os tributos dos contribuintes. Outro copo para a cerveja. O semblante do sábio.
- Feijó, é o seguinte, dois pontos - fez o sinal das aspas no ar - Luís de Camões ganhou alguma medalha para o Brasil nas Olimpíadas?
- E o Guga também!
- Cala a boca Mumu! - Outro uníssono.
Cuspiu o primeiro gole de seu rabo-de-galo. Gargalhada seguida de uma balançada negativa da cabeça. Olhou misericordioso para seus adoráveis amigos ignorantes, os quais, diante da cena, já se arrependiam de ter começado tal assunto, não perdoando a burrice deles próprios.
- Vocês beberam o quê? Estão alucinógenos? É por causa do nome da praça, né? Tudo bem. Isso foi um erro da prefeitura.
- Por quê? Explica pra gente!
- Veja bem, primeiro: Luís de Camões não era brasileiro.
- Não falei?
- Não falei? É português!
- Isso mesmo! Ele era português, alguma coisa vocês sabem. E, segundo, vírgula, não tem nada a ver com Olimpíadas. Ele foi da brilhante seleção portuguesa da Copa de 66, junto com Eusébio, o... Manuel, o... bom, vocês não vão saber.
- E o Guga também!
Veio um meio silêncio, alguns “Ahn, ah, agora sim”.
- Foi campeão?
- Não, só pelo Lusíadas Futebol Clube, o time que ele jogava na década de 60 e 70, do grande técnico Sebastiãozinho. Ganhou a liga nacional não me lembro bem em que ano...
- Já ouvi falar nesse Lusíadas! Tem até livro!
- Livro?
- É sim, tem até livro sobre esse time. Quando eu trabalhava na Casa de Portugal, o pessoal ficava lendo lá no salão, monte de gente reunida.
- Viu só, como não estou errado!
- Sempre certo, Feijó! Esse pessoal do futebol, quando termina a carreira vai logo lançando livro de escritos.
- Mas, Feijó, ele ainda está vivo?
- Claro que não, - respondeu o outro - onde já se viu praça, rua avenida com nome de vivo?
- Ah, eu conheço uma, não é bem rua, mas...
A discussão descambou para outro tema. Só Mumu que não mudou o assunto.
- E o Guga também!
28 de julho de 2010.
Nota do Zelador: Pesquisar sobre o grande escritor Luís de Camões.
Tem gente de todas as gentes, caras e expressões. Assuntos pertinentes, pretendentes aos nossos bilhões; momentos de reflexões das salas de aula a uma mesa de bar, feitas ontem ou anteontem, há mais de década; desde as realidades insignificantes, às fantasias dos nossos semblantes.
Thiago:
ResponderExcluirUm achado isso aqui. Primeiro pelo humor. Depois porque o cenário, este eu conheço bem. Sou de Teresópolis (agora morando em Rio das Ostras) e visualizei a cena vivamente.
Convido a conhecer o meu blog: www.espacointertextual.blogspot.com
Voltarei aqui.
huahauhauhauhau
ResponderExcluirMuito bom!
Sempre quando passamos em frente à praça fazemos esta brincadeira, né? ;-)
Não creio que tenha sido um erro da Prefeitura, mas a pura e simples vontade de homenagear um grande escritor... Afinal de contas, pode-se dizer também que esporte é arte, não? Nos promovem imagens emocionantes, momentos inspiradores e são fontes de entretenimento...
(rs)
Beijos!
Das partes já conhecidas:
ResponderExcluirParte 1 [da sensação ainda indefinida]: não sei se te odeio por não conhecer Teresópolis ou se te adoro por achá-la tão atraente em suas miudezas* culturais. Talvez, as duas coisas. Nem sempre juntas!
[*entenda miudeza como sinônimo inventado por mim de sutileza]
Parte 2 [das coisas que a gente vê nas palavras]: por poder enxergar cada situação da sua literatura que ela me é fascinante. Era disso que eu sentia falta quando atualizava o Canis e não te via mais lá!
Da outra parte:
Parte 3: Termino de ler, acho que na vida deveria ter muitos "Guimarães Rosa" por aí, que escreve por "gosto, divertimento e distração".
De blog em blog te achei, Thiago. É assim. De cidade em cidade, de cais em cais, de porto em porto, aportamos. E seguimos viagem por aqui.
ResponderExcluirNão se pode parar.
Teresópolis e Rio das Ostras estão ligadas, você disse. Talvez por se tratarem de extremos: a serra e o mar, montanha e horizonte, penso eu. O que me diz?
Apareça por lá no Intertextual. Aliás, obrigado pelo comentário e pela percepção interessante.
Eu gostava de quando eu era notívago e morava numa cidade boêmia. Gosto da noite e de tudo o que ela representa, sobretudo quando há boemia.
ResponderExcluirHoje vivo numa cidade metida a moderna, sem passado e sem memória...
E obrigado pela passada lá no blog e pelo comentário. E tocar não é difícil. Difícil é fazer direito, coisa que jamais consegui.
Abraços
Comecei lendo e imaginando todas as cenas e as caras dos "senhores" no bar, com seus questionamentos infindos e instigantes.Até na praça com a homenagem parei meus pensamentos. Gosto de detalhes que me levam junto ao texto.
ResponderExcluirE o final, chave de ouro.Risos
Inteligente encontrarmos mundos distintos, mas interessantes. abraço, te sigo
ResponderExcluirhauhauha..Adoro esse tipo de humor irônico. E viva nós, o Guga também! Só cuidado hein, Thiago com seu whisky e cometer erros sérios....hahaha
ResponderExcluirBeijos
Hahahaha!
ResponderExcluirÊ pestíssimo! Sempre uma beleza de texto para ler!
Xerooo!