Caso 3
Botafogo, Rio de Janeiro - RJ. Dez para as oito da noite. Verão.
O filho, 36 anos, recebe em seu apartamento a visita do pai, 63. Conversam à mesa da sala. Descascam amendoins cozidos - com casca - bebem caipirinha e cerveja.
Depois do chacoalhar das chaves e do estrondo da porta se abrindo, percebeu-se um vulto em preto e branco listrado. Passou da cozinha para o corredor. E também da cozinha se ouve a porta fechar e a empregada empurrando a bicicleta para a área de serviço.
- Selene, tá tudo bem com o Gustavinho? – Pergunta o filho à empregada.
- Está sim Dr. Leandro. Boa noite, Sr. Ivair. Tá sim, ele estava discutindo co’s amigo depois que de andar uma volta de bicicleta. Todo mundo saiu rindo da cara dele, Aí, Dr. Leandro, eu perguntei o que aconteceu mas ele só panhô a bicicleta e saiu correndo co’ela nas mão. Tive que correr pra acompanhar o menino. Não entendi nada do que lê me explicou. E depois...
Selene ainda dava algumas informações, tratando o idioma do melhor modo que podia, quando pai e filho se entreolhavam. O consenso foi ver o que Gustavinho fazia.
No quarto, avô e pai dos respectivo neto se assomaram à porta. O garoto, suado, havia jogado a camisa do Botafogo na cama e correra para o computador. O pai se aproximou ao garoto, agora mais sereno.
- O que houve, Gustavo?
- Quero provar para aqueles babacas que o Garrincha também foi um grande correndo de bicicleta – e continuou em concentrada pesquisa, teclando e olhando o monitor – qual era o nome dele vô, Mané?
- Sim, Gu, é o apelido de Manuel. O nome dele é Manuel Francisco dos Santos.
- Não, ora, Gustavinho...
- Shh! - O avô pediu silêncio ao filho e com a palma da mão e o semblante sugeriu que deixasse o garoto se aprofundar na pesquisa.
- O Garrincha não foi campeão de bicicleta também, vô? Não foi, pai?
- Não sei filho, acho que não. Até agora só sei que foi campeão de futebol pelo Botafogo e pelo Brasil, um dos maiores jogadores que tivemos.
- Pesquisa aí, garoto. Depois você fala para a gente o que achou. - Completou o avô.
Voltando à sala:
- Mas, pai, por que não falamos logo que Mané foi jogador de futebol?
- Deixa ele pesquisar, vai ser bom para ele perceber que nem sempre o nome de alguma coisa homenageia quem contribuiu para tal coisa.
- Só que ele tem só 9 anos...
A mulher chegou do trabalho, deixou a empregada ir para casa, falou com marido e sogro, tomou banhou, mandou o filho sair “desse” computador e fazer alguma coisa que prestasse.
- Não achei nada do que eu queria e ainda me confundi mais. É só o nome da Ciclovia, mas por quê?
Risos, saudáveis risos acolhedores. A explicações vieram, elucidaram-se algumas questões, piadas. Entretanto:
- Tá bom, pai, tá bom vô? Mas em que times jogaram Marechal Rondon e João Saldanha? Eles também são nome de ciclovia.
27 de julho de 2010.
Tem gente de todas as gentes, caras e expressões. Assuntos pertinentes, pretendentes aos nossos bilhões; momentos de reflexões das salas de aula a uma mesa de bar, feitas ontem ou anteontem, há mais de década; desde as realidades insignificantes, às fantasias dos nossos semblantes.
As "cenas" estão ficando cada vez melhores. Já vejo até a série "AÍ CONFUDE O PESSOAL", em livro, em site, em redes sociais... risos!!!
ResponderExcluirMuito bom o conto. Consegui visualizar cada cena e me divertir com todas elas.
ResponderExcluirE eu, como bom carioca (ainda que ausente), entendo bem essa atmosfera...
Pô, Thiago, que bom que seu comentário ao post do poema do Augusto dos Anjos chegou justo quando eu estava conversado com a Anga pelo google talk. Só então fiquei sabendo que nem ela nem a Elza nem o Teopha o estavam seguindo. Eu achava que sim, de tanto que já vi você lá pelo blog.
ResponderExcluirEnfim, assim pude vir aqui, e constatar e corrigir essa (espero que perdoável) falha.
Deixo o comentário neste post porque ele me emocionou bastante. Mas não fique muito lisonjeado, pois Garrincha sempre me emociona. Foi pelo meu encantamento por ele que me tornei Botafogo.
E não sei se você sabe, mas o Mané tinha, além da bola, dois brinquedos prediletos: a atiradeira e a bicicleta. Mesmo já adulto e jogando pelo Botafogo, era de bicicleta, com a atiradeira enfiada no calção, que ele saía para rondar as matas e matagais de Pau Grande à caça de passarinhos. Não livrava a cara nem das inocentes e pequeninas avezinhas que lhe doaram o nome com que se tornaria famoso: as cambaxirras, também conhecidas como garrinchas.
Abraços