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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ESTRANHO NUMA TERRA ESTRANHA


O título acima pode se encaixar em diversos ocorridos dos quais fui turista em minha terra natal. Vítima, pois, do estereótipo, do padrão engessado pelo cientificismo novecentista europeu e espalhado pelo mundo com o aval estadunidense.

Tais experiências revelam não somente o quanto esses padrões étnicos são esdrúxulos no Brasil, como também, paradoxalmente, estão incrustados em nosso pensar e perceber. Em breve posso recuperar algumas crônicas do Canis Familiares – antigo blog onde contribuía – e expor algumas dessas experiências.

Peguei o título “Estranho numa terra estranha”, de um livro que minha saudosa tia e madrinha me sugeriu quando eu andava pelos 14-15 anos. Passava uma das férias no sítio de Areal-RJ, que era de minha avó materna.

Ao passar pelo corredor e sempre me deparar e vislumbrar com os livros, ela, que também passava por lá, resolveu pegar uns dois ou três para minha diversão. Um deles era “Strange in a Strange Land”, Estranho numa terra estranha. O problema é que havia a MTV, coisa que não tinha em minha casa em Petrópolis; e, apesar de à época já estar no intermediário de inglês, não tinha “raça e moral” (ou seja, vontade) para ler um romance na língua de F. Scott Fitzgerald.

Lembro-me da capa daquele romance, em estilo livro de bolso. Sobre um fundo vermelho, com planícies e montanhas beges, surgia um corpo antropóide azul, mais parecendo um espectro. Ela me explicou que a trama se passava em Marte. Hoje, com o “Advento do Internet”, sei que o autor é o norte-americano Robert A. Heinlein, que lançou o livro em 1961. Fazia parte do movimento da Contracultura, do movimento hippie. E seu título é também inspirado no livro Êxodo, da famosa Bíblia.

Pois então.

Em setembro de 2008 participava do Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental, que foi em Niterói. Fui acolhido na casa de um grande amigo em Copacabana. Havia chegado do primeiro dia de congresso, sexta-feira, às oito horas e em tal dia resolvi rever alguns pontos de minha palestra, que seria no domingo de manhã, e beber alguma coisa ali pela Rua Inhangá – local de minha primeira residência – ou no máximo chegar a um boteco onde pudesse escrever alguma coisa, até quando a cerveja me permitisse. Meu amigo e sua esposa tinham outro compromisso, digamos, mais punk rock.

Fiquei mesmo no balcão do bar do Ceará, bebendo minha cerveja, conversando com o pessoal que encararia a coleta de lixo a partir da meia-noite, e falei também com demais campeões sobre assuntos relacionados a viagens, geografia humana e características regionais do Brasil. As cervejas me impeliram para fazer um pequeno circuito por alguns bares ao longo daquela parte da Barata Ribeiro. Entre um e outro, passaria por um grupo de seis ou sete pessoas, que rumavam, possivelmente, para uma boate, devido às suas vestimentas. Conversavam em uma língua indecifrável e, enquanto tentava pegar uma palavra que me indicasse pelo menos a origem linguística, uma das moças do grupo vem ter comigo:

- Oi, tu moras aqui?
(Era português que falavam)
- Não, mas posso te dar alguma informação. – E outra menina me pergunta:
- Sabes onde há um casa de ........... (não entendi).
- Casa de quê?
Elas me explicaram, continuei não entendendo, e, assim sendo, deduzi que seria uma boate. Indiquei a “Mariozinho”, não sabia se ainda funcionava, mas eles já haviam ido para lá e falaram que não gostaram porque tinha que ter um convite (filipeta), mesmo que eles quisessem pagar. Indiquei, pois, um bar-boate chamado “Clandestino”, pouco mais para frente de onde estávamos, e me ofereci para ir com eles até lá.

Quando perguntei de onde eram, acertei. Angola. Só um casal era de Cabo Verde e outra menina, carioca, não sei por que não foi ela que me perguntou. Aí veio toda aquela minha conversa:

- “É uma honra tê-los aqui em meu país, sejam bem vindos, irmãos de Atlântico, irmãos de história. São de Luanda? Ah, Melange. Não, nunca visitei Angola, infelizmente. Nem Cabo Verde, vocês são de Praia? Ah, não, Mindalo, é a capital cultural, digamos assim. Manuel Lopes, grande escritor das ilhas.”

Falei também de onde era, onde tinha nascido, onde morava, onde morei, até que chegamos à porta do local. Despedi-me deles sem sucesso. Acabei entrando no Clandestino, que, na verdade, sempre tem boas bandas ou bons DJs. Havia um razoável fila. Nela me falaram do que faziam. Duas estudavam na UFRJ, assim como a carioca, o casal era turista, e os outros, com os quais não falei muito, pareciam ser imigrantes somente, mas um deles falou que era engenheiro.

Ah! Ia me esquecendo da questão etnológica, todos eram negros ou mulatos, assim como o segurança que nos pedia os documentos. Devia ser novo no ambiente, pois estranhava os documentos vermelhos, carteira de estrangeiro residente. Conferia-os minuciosamente. Na minha vez, embora estivesse com a carteira de identidade, verdinha, à mão, ele me pediu, num sotaque de Mumbai.
- Passport!
- Ih, mermão, está vencido desde 2006. Tenho só a carteira de identidade mesmo.

Petrópolis, 18 de outubro de 2010.

11 comentários:

  1. Isso me fez relembrar Tim Maia; "Tudo é tudo e nada é nada". Gostei. Sou grato.

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  2. Esse post-causos-da-vida-real me fez lembrar de quando comecei a te ler, lá no Canis.
    E dando sequência ao momento "Tim Maia" do comentário anterior:
    "Mas eu insisto
    Porque existo
    Quero respeito, não abro mão"
    [Tim Maia em África Mãe]

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  3. Pois é, da mesma forma que eu era tratada como gringa em Porto Seguro e a minha amiga (koreana) era chamada de japonesa ou paulista... Enfim... rs
    Adoro seus casos!
    Bjs
    Ana
    www.mineirasuai.wordpress.com

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  4. Adorei! Quando eu fui ao Maracanã, na portaria o cara tentou arranhar um inglês, depois um espanhol, até que eu disse "só entendo português mesmo".

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  5. Ainda circula pela área da Inhangá, Aluisio?
    De vez em quando paro por lá, geralmente no Rio-Brasília, aquele do toldo amarelo, que fica na Barata bem em frente à Inhangá. Quem faz ponto permanente alí é o Prof. Edson Rocha Braga, colaborador eventual do DS.

    Abraço

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  6. Tuca, Sei colé do Rio-Brasília, mas eu não ia lá por falta de grana e pelo mesmo fator de cismarem que eu era do velho continente - ainda mais quando fui para lá com a camisa da CCCP. Atualmente não ando por lá, só na época que morava lá, a época do mestrado e nas esporádicas visitas ao meu grande amigo. Mas, agora, sabendo da frequencia de vcs baixo toldo amarelo, é mais um ótimo motivo para um (ou mais) chope(s).

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  7. Hahahaha! Adorei o final!
    Pois é, aqui na França é foda, ninguém fala que eu sou brasileira. Eu ja fui alemã, norueguesa, tcheca, belga, italiana, tudo depende da nacionalidade da pessoa que estiver do meu lado. E contigo foi parecido: um branco do lado de negros estrangeiros, é claro que tu era estrangeiro tb, né! Não tem jeito, andamos todos com um pacote de estereotipo na cara e outros na mente.

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  8. Gostei do seu cantinho!
    Vou segui-lo e voltar, me segue também?
    Ah, tenho um fotoblog: http://fleshspriscillamarfori.blogspot.com/
    Seja meu amigo lá também...
    B-Jos.

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  9. Oi, Thiago, estou aqui (incansavelmente) pela terceira ou quarta vez tentando comentar, já que o blogger não colabora muito com o meu comentário no teu blog. estava tentando te dizer que aqui tbm chegam muitas pessoas de cabo verde para estudar, eles falam este português corretíssimo, com um sotaque parecido mesmo com o de Portugal. Falando em sotaque, sempre me perguntam de onde vem o meu, onde eu nasci, etc e tal, pq tenho um sotaque q é, pode-se dizer no mínimo, diferente. Esse portugues corretamente pronunciado eu aprendi com a minha avó que é descendente de portugueses e hj está com 92 anos (a longevidade tbm me é ancestral, devo chegar até os 130 anos de idade! rsrsr) e então sempre tento disfarçar o sotaque de origem desconhecida com um portugues que merece ser bem utilizado. Às vezes eu faço algumas brincadeiras com as palavras, como nas poesias que tem cara de samba ou coisa assim, mas acho que esta é só uma das muitas formas que temos de usarmos nosso idioma tão lindo.

    Agradeço tua visita ao meu blog, volta sempre ;)

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  10. Estranho numa terra estranha me soma também a ideia da música do Doors..."Pessoas são estranhas quando você é um estranho
    Rostos olham feio quando você está sozinho
    Mulheres parecem cruéis quando você é indesejado
    Ruas são irregulares quando você está pra baixo"E logo me percebo você andante pela Barata Ribeiro,nem tive mais sequenciais de dúvidas;estou mais pra isso também um 'andarilho solitário'procurando comportamentos diferentes,conversações interessantes,ampolas enfileiradas sobre a mesa,findando trocadilhos etnológicos com meus irmãos...Na Barata Ribeiro tem um sebo bacana que eu sempre comprava livros,chama-se: 'Baratos da Ribeiro'muito bom...O mais chato pra mim talvez seria tentar ganhar um visto pro passaporte,porque com minha cara de árabe e sobrenome,não chegaria nem na porta do Clandestino,eu seria o próprio,rs.Quanto ao Canis,tente pegar alguns alfarrábios seus por lá Quintella;tem muita coisa interessante pra revisitarmos...

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  11. - Paisspór, mermão!
    - O meu sem gelo, véio!

    Graças a uma mistura étnica bem brasileira envolvendo portugueses, índios, mulatos e até turcos (!), eu passo numa boa aqui em Salvador, lugar onde qualquer branquelo é "gringo". Mas isso até o momento em que eu abro a boca:

    - Cerrrrrto, turrrrrrma, vamos corrigirrrrr este exerrrrrrício!
    - Oxe, fessô, tu não é daqui não, é?

    Quando eu comecei a ler seu (maravilhoso) texto, me lembrei imediatamente do Jim Morrison - já citado pelo Jordan aí em cima. Talvez o menino Morrison tenha lido algo de Heinlein e desenvolvido umas minhocas na cachola, ele que se deixou levar por Blake, Rimbaud, Huxley e Artaud, só doido de pedra. Mas você foi além: foi pra Marte!

    Tenho a impressão de que os marcianos ( se eles exisitirem lá nos subterrâneos do planeta vermelho) sentiriam-se em casa por aqui, já que estamos devastando tudo. E acho que gostariam do Clandestino e do armário logo na porta:

    - Paisspór, plise!
    - Sai da frente, mané, ou te desintegro!

    Um abraço, meu nobre estrangeiro (Camus?)
    `
    PS: O anônimo não retornou mais, creio...você tá espantando meus 3 ou 4 leitores! uhauhauhaha! =D

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