
Sabemos que falar do tempo requer enormes teses de estudo, textos, conversas e discussões. Entretanto, falarei sobre alguns pontos de termos e expressões relacionados ao tempo em nosso discurso.
“Mas antigamente, meu filho, as coisas não eram assim, eram muito melhores... muito melhores. Você veja bem, qual sua idade mesmo? Nossa, muito jovem ainda, mas veja bem, outro dia mesmo, conversava com a Dona Conceição sobre isso, acho que foi ainda esta semana, ou no início do fim da outra, não sei bem. Isso aqui tudo, quando a gente, eu e o falecido Magela, que Deus o tenha, comprou esta casinha aqui, isso aqui tudo não tinha nada. Era só aquela casinha laranja ali, a de chaminé, o resto tudo verde, floresta. De uns dez anos para cá está assim, cheio de casas. Ai, ai... ô, acho que o cafezinho está pronto.”
Percebemos três noções de tempo muito comuns em nossa linguagem. Duas bem evasivas: “antigamente” e “outro dia mesmo” (algumas variantes, como “agora-pouco”, “agora faz pouco”, “não faz tanto tempo assim” etc.) e outra que apresenta uma precisão científica: há dez anos ou, dez anos atrás.
Outro dia mesmo é possível nos dar leve noção do tempo, não chega a um mês.
Dez anos passados é o tempo exato que uma cidade ou um bairro evoluiu bastante, inclusive dando características de cidade ao que era uma vila, de bairro ao que era apenas uma estrada que ligava dois bairros importantes, de comunidade vertical ao que era uma singela colina, de bairro comercial-popular ao que era somente residencial-elitista-sofisticado.
O uso do antigamente, via de regra, não vem acompanhado do contexto histórico. Isso pode prejudicar a comunicação. O antigamente possui duas constantes, menos matemática do que emocional, abstrata:
ERA BEM MELHOR: Sempre o antigamente era bem melhor; independe da pessoa e de sua história. Uma vez, no balcão do bar Tic-Tac, em Petrópolis, recebia uma aula de Altemar Dutra ou Ataulfo Alves, motivada pela revolta do som que vinha do videokê no segundo andar.
- Agora é só essas músicas aí, funk, pagode, Lulu Santos. Antigamente era bem melhor, tinha seresta, a gente conquistava as meninas com violão, com a poesia.
Aí citou os grandes intérpretes e compositores dos bons tempos. Nesse caso, temos vaga ideia do antigamente do qual ele se refere; é, certamente, o tempo de sua juventude. Mas há casos que o antigamente, dentro de um discurso, varia entre as primeiras aglomerações familiares de australopithecus até, digamos, esses dias mesmo, faz nem um mês. Agora, imaginemos uma narrativa qualquer em que a pessoa diz:
- Antigamente não era assim, as pessoas tinham mais respeito pelas outras, para com o próximo.
Antigamente quando? Que época da história da humanidade vivíamos nesse Falanstério de Charles Fourier, ou na Pasárgada de Manuel Bandeira ou, mais antigamente, a dos persas, clamada por Estrabão? Quando existiu esse paraíso de respeito mútuo? Isso é outro assunto. Passemos para a segunda constante:
JUVENTUDE: Millôr Fernandes já se questionou: “Quando é que a mocidade começou a ficar tão chata e imoral? Não foi quando você completou quarenta anos?”
E em outra oportunidade, já faz um tempo, eu recebi um e-mail com frases do período da Antiguidade Clássica e Oriental, do Alto e do Baixo Medievo, da Renascença Moderna, do Iluminismo, do longo século XIX, da transição o XIX para o XX, do entre Guerras, do pós- Guerra, da contemporaneidade atual ou pós-modernismo, do fim da História, de Fukuyama. Em todas as épocas a juventude foi a bola da vez, conforme uma antiga crônica no Canis Familiares, de 2004, creio. Resumindo todas as frases:
- Essa juventude atual não quer nada com nada.
Um toque de preconceito, rancor e extremo saudosismo. Porque parece que por mais que a vida na juventude de uma pessoa tenha sido sofrida e que em sua idade avançada, 40, 50, 60 anos em diante esteja mais tranqüila, compensando os esforços do antigamente, os bons tempos do antigamente prevalecem de alguma forma.
O homem, o tempo; o estudo do tempo e a sua relação com ele, tempo inventado, tempo natural... é algo fascinante, de infindáveis questões e temas.
Que saudade de alguns pontos do antigamente!
Que no ano-novo, mais uma vez, marco inventado por nosso recente calendário cristão (padrão mundial), possamos nos divertir e nos emocionar com as boas lembranças e com os projetos para o futuro, esse tempo também não sabido.
Itaipava, 27 de dezembro de 2010.