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domingo, 30 de janeiro de 2011

CADÊNCIA PIRILAMPA




Tanta coisa preocupante acontecendo; tudo se resolvendo. Mas fica a tensão. Fechei o Luigi Pirandello que re-começava a ler, na busca de personagens, ao passo que os personagens buscavam facilmente o Luigi (com escritores famosos é bem mais fácil). “Vou abrir ‘A Palavra’, o Word, no caso; vai que escrevo algo”. Pensei até em beber uma Coca-Cola (Marca registrada) e comer duas torradas.

Uma passada rápida pelos poucos e-mails; não me aventurei nas leituras de sites e blogs. Comentei uma ou outra coisa no Facebook e nele mandei algumas frases de efeito. Falei com o pessoal, frivolidades, nada mais. Já estava meio-que desistindo, do quê, não sei; mas quase estava desistindo quando me veio a luz: “devo beber a Coca-Cola com gelo limão e cachaça?”

Jordan Dualibe, proprietário Café Cultural e Charutos, era o único presente na linha que poderia me ajudar. Expliquei-lhe a situação e ele consentiu: “Aguardente tem o seu valor”. Logo, estava autorizado.

Havia meio limão e dele fiz não a limonada, mas a cangibrina, bença-bençôe, meu filho. Preparado o goró, era questão de tempo para a coisa fluir... o texto. Bebi a primeira dose, fiz a segunda. Rabisquei três-quatro apontamentos, conectei-os com algumas ideias, veio o título, salvei e a luz acabou.

Uma luz viera e a outra se fora. Laptop/notebook acesso ainda, claro. Apagado. O vizinho ligou o gerador, coisa corriqueira, pois lá não ficam sem novela. Duas, três caneladas nas poltronas, peguei a lanterna ao lado da porta da sala, achei as velas e as acendi. Fui ao “lá fora”, breu geral. Por um segundo pensei em fazer as torradas na torradeira, ó pá.

Voltei para o “lá fora”, na companhia dos cachorros, que saíram de seus sofás, e da caneca de cangibrina. “Devia ter comido aquela torrada antes, e o queijo que comprei com tanto sacrifício lá no mercadinho...” Mas o céu era do Sertão, conforme esta crônica do Groo. Muita estrela. Muitas estrelas. Era um céu para se curtir.

Passou uma estrela cadente, fiz o pedido e não sei se ele foi com ela; acho que foi realizado, ou está sendo. Levei a espreguiçadeira para um lugar onde pudesse ver o máximo de firmamento. Passou outra, bem perto, meio verde. “Que estranho...”. Antes de me espreguiçar afastei os cachorros. Repousei a caneca de cangibrina, afastei os cachorros; cruzei os braços atrás da cabeça, à guisa de travesseiro, e afastei os cachorros de minha barriga. Um deles, apesar de refugado, voltou e ali ficou. Mais outra estrela.

Olhando para o rastro lácteo de estrelas, elas se duplicavam. São tantas e ainda se duplicam? Girando ainda mais do que a Terra. Outra estrela cadente, verde, rasante, pertinho. Não deu tempo de fazer o pedido. Ih! Outra! Quantas!

As estrelas cadentes estavam tão perto... e ainda faziam zigue-zagues no espaço. Até que uma foi parar no alpendre, ao lado da janela. Vagavam... pareciam me dizer: “Esta é sua última caneca, volta para o computador que a luz já vai voltar.”
Voltou a luz, apagou, voltou de novo. Já dentro de casa, tirei umas fotos do momento cachaça. Fiz as torradas, derreti queijos e me pus a escrever. Os cachorros voltaram para os sofás e poltronas da sala depois que perceberem que não haveria mais migalhas de comida.

Itaipava, 27 de janeiro de 2011.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AÍ CONFUNDE O PESSOAL VII


PRESENÇA “DE DOORS”

Estava aqui pensando: “Brother (eu), você ainda não escreveu algo sobre sua experiência na Rádio Imperial...”. Fui jurado de uma gincana cultural entre as escolas de Petrópolis. Como fui para lá? Explico, mas não será o assunto principal destas linhas.

Se “assucedeu” em 2001, pouco antes do farsídico 11 de setembro, e 28 anos depois do fatídico 11 de setembro. Trabalhava como instrutor de espanhol básico, ou básico instrutor de espanhol, ou espanhol básico de instrução; com direito a lições de cidadania, democracia e mais alguma coisa. Tanto que convidei um amigo meu, estudante de medicina, para dar uma aula sobre DST etc. Era um projeto da Secretaria do Trabalho do RJ e da Mitra Diocesana de Petrópolis, sob a coordenação de padre Jac. As aulas eram na escolinha anexa à Catedral de São Pedro de Alcântara.

Depois da 18 horas, mandei os estudantes para casa, apaguei o quadro, bati as mãos, peguei a pasta e partiria para casa quando apareceu um jovem. Jamais o havia visto. Trajava uma camiseta do The Doors, com o Jim Morrison atravessando uma parede: Break on Through.

- Professor (sic) Thiago, o padre Jac quer falar com você.

Acompanhei-o até o refeitório. Pô, o cara já sabia meu nome, que fazer? Estava de consciência limpa pois não havia falado nada de mal contra o dogma nas aulas. Se me perguntassem algo do Santo Ofício eu aceitaria, tranquilamente, mas depois eu mandava um "Ma che si muove, si muove". Contudo, Ele me convidou para ser o jurado e aceitei. Sentamo-nos à mesa, aceitei um café com leite, tasquei requeijão numa torrada.

Padre Jac foi me passando o esquema da gincana radiofônica. Às dezenove horas lá estaria, com a maior cara-de-pau que esculpi até então. O carinha da camiseta do The Doors ia e vinha da cozinha, trazendo as mais diversas provisões. Duas moças da limpeza apareceram na sala do refeitório, pegaram manteiga e dois pães e foram para a cozinha, naturalmente.

Resolvidas as questões, o padre se retirou dizendo que avisaria aos organizadores que já encontrara o terceiro jurado. Deixou-me à vontade para terminar meu lanche, bem como liberou o jovem morrisoniano para o mesmo (lanche). Depois de alguns silêncios e mastigações eu quis iniciar um assunto:

- E aí, qual música você mais curte do Doors?
- Quem?
- The Doors, a banda, da sua camiseta.
- Ah, nem sabia, só achei a camisa bonita.

This is The End of the post. Mas o início de uma reflexão sobre a expressão estética.

Itaipava, 26 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CONSCIÊNCIA, MISSÃO E LEI

Filme Polícia,Adjetivo , Romênia,2009.

Foi por causa da resenha do Professor Carlos Magalhães que logo me motivei a ver o filme "Politist adjectiv" que também poderia ser traduzido ou recebido a versão de Policial, adjetivo. Horas depois de ler a resenha poderia assisti-lo pelo Telecine Cult, reprise, 2:15, logo depois do jogo Brasil x Colômbia do Pré-olímpico de futebol.

Recomendo-o a todos, e mais ainda aos que gostam de arte e ciências humanas. Mas sugiro, com veemência, que professores, pesquisadores e alunos das Ciências Sociais, Filosofia, Direito utilizem a película como material didático.

"Mas sugiro, com veemência"? o que eu quis dizer com isso? Como se pode sugerir algo com veemência? Se usasse a expressão "recomendo muito" o sentido ficaria mais brando e, logo, menos repressivo?

O protagonista Cristi, casado, trinta e tantos anos, talvez, é um policial lotado numa delegacia de Bucareste. Digno homem da lei (Moral? Material?, da Constituição? Da Lei em si, se ela existir? Da Consciência?. Ele recebera a missão de investigar, perseguir e flagrar um usuário de haxixe e, naturalmente, prendê-lo; depois ou ao mesmo tempo, procuraria o traficante. Simples. Simples como suas razões no diálogo que tem com seu colega de departamento.
- Salut Cristi.
- Tem um lugar para mim lá onde vocês jogam Futitênis? Quero perder a barriga.
- Não. É melhor você dar umas corridas. Você não joga bem.
- Mas você nunca me viu jogar!
- Nem precisa, você joga mal futebol. Vai nos atrapalhar.
- Nem uma chance?
- Não, é melhor não. Corra, você perderá a barriga mais rapidamente.
- ... tudo bem. Salut.
- Salut.
(Traduzido diretamente do romeno, menos o "salut")

Todavia, os relatórios de Cristi sobre o caso não mostravam um discurso semelhante ao diálogo, bem como, possivelmente, seu sentimento era ainda... vacilante.

"Em vez de prender este garoto, que nada tem de anormal dentro da sociedade que se procura ser ideal, poderia haver uma solução. Quem sabe ir direto ao traficante? Sete anos de prisão para aquele estudante? Até porque, a Europa toda está fumando, em Praga mesmo, e Amsterdã, então?"

A direção de Corneliu Porumboiu , coincidentemente de minha geração, espelhou-se em Michelangelo Antonionni na intensidade das cenas, dando uma impressão de filme "muito parado" dentro do padrão frenético dos filmes policiais e de ação. Entretanto, por isso mesmo que podemos reparar nos detalhes, como se as cenas tivessem saído das folhas de "Memórias do Subsolo", de Doistoiévski ou das descrições de Albert Camus, em "A Queda". É intenso, e muito movimentado para nossas mentes.

Pode parecer parado também porque não há aquela trilha sonora especial para a audiência. A música vem do que as personagens estão ouvindo. Mirabela Dauer, famosa cantora e letrista da Romênia antes e depois do regime comunista, é ouvida por Anca, a mulher de Cristi.

Dá-se a impressão que o casal passa por uma séria crise, mas quando parece que vai se degringolar uma discussão, há troca de gentilezas, aquiescências de opiniões, aceitação de críticas. E nessas conversas entram questões gramáticas e semânticas; filosóficas e literárias sobre a letra da música da, agora para mim famosa - perdoem-me os romenos - Mirabela Dauer. Razão x emoção, concreto x abstrato. Tomismo. Linguística...

O trailer está nos links. Prestem atenção nos diálogos e na música. Língua (limba) latina e sotaque eslavo. Muito interessante. Ah! E a cerveja que ele toma é a Skol europeia!

Multimesc, salut


Reparem no muro atrás. Há uma pichação de Forta Steaua (Força Steaua [Bucureşti]), time de futebol mais popular da Romênia. Mas há também, vocês verão, o símbolo do Chicago Bulls pichado. Achei interessante

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

VOLTEMOS

Está difícil, mas vamos lá.

Moro em Teresópolis e passo as férias em Itaipava onde eu estava na noite do dia 11 de janeiro para o 12. Consegui uma cena maravilhosa para escrever e relatar aqui, dentro do estilo literário que procuro dispor para meus leitores e amigos. Como já havia publicado umas besteirinhas no dia anterior, 10, resolvi esperar mais uns dias, embora tivesse começado a escrever a crônica.

Era sobre a ridícula cena de como consegui ficar preso no banheiro. Pouco antes eu vi um filme na companhia de meu pai, comentamos algumas coisas e nos despedimos, boa noite. Antes de jogar as latinhas no lixo, deixei-as em cima da mesa e fui ao banheiro; encostei a porta porque a lingueta apresentava problemas. Ela faz parte do miolo ou máquina,(coisa que soube depois e ainda não sei o nome daquilo) na estrutura de uma fechadura (perdoe-me pelos cacófatos em forma de rima) e quebrou no momento em que eu, em atitude normal, encostei a porta.

Todas as tentativas de abrir e nada. O barulho naturalmente despertaria meus familiares; felizmente, nenhum deles havia dormido. A presença deles me deixou muito calmo e não me deixasse traumatizado por tal vexatória situação.

Steve McQueen seria minha inspiração. Nesse caso, não sua vida, mas suas personagens em Fugindo do Inferno,Papillon e Inferno na Torre. E não era o caso de se aludir ao Edmond Dantès, de O Conde de Monte Cristo, de Dumas, pois não havia nenhuma vingança em vista.

Recebi, do basculante, as ferramentas para poder desmontar as dobradiças: a única solução encontrada. Martelo e chave de fenda sem a parte do apoio, que faria as vezes de alavanca. As dobradiças estavam bem presas, obrigando-me a me inspirar em McGyver, durante todo o meu processo de liberdade. A falta de jeito não mandou lembranças, ela esta ali, comigo, me atrapalhando. Chovia muito.

Livre, percebendo a chuva, desconectei as tomadas dos aparelhos eletrônicos mais sensíveis, apesar de não haver raios e trovões. Escrevi, fiz palavras cruzadas, ameacei religar a televisão, mas impedido pela nova remessa de chuva, agora com raios-trovões. Dormi no sofá.

Pouco antes das seis, meu irmão acorda e vai se arrumar para ir ao trabalho. “ A que horas passa o ônibus mesmo?”. “ Vinte pra hora, creio”. Às sete ele voltou: “Enchente, a estrada está interditada, ninguém entra ninguém sai. Vou esperar dar umas oito horas e ligar para o trabalho para comunicar a situação.

Todos acordados. Vimos algumas reportagens, mas a energia acabou logo. Nossa primeira notícia foi dada pela moça que trabalha conosco, ligando para o telefone fixo (funcionava). Pensamos se tratar de mais uma enchente, infelizmente comum, na qual os mortos seriam “só” uns desditosos 16, 17; algumas casas invadidas pela água.

O pessoal que limpa a piscina conseguiu chegar aqui em casa, soubemos do trânsito e da situação. A coisa era muito mais séria.
Meus pais e meus irmãos saíram para os respectivos trabalhos. Voltaram no fim da tarde, “Thiago, você não imagina!”. A energia voltou, pudemos ver as imagens, imaginar. No dia seguinte, justamente para consertar a maçaneta da porta, eu vi as imagens. Assustadoras. Lá estive e agi, conforme o que poderia fazer.

A sorte, a boaventura, sei lá o quê, anda comigo. Recebemos milhares de telefonemas. Eu agradeço a todos, sem saber ainda como, a preocupação comigo e conosco.

Sem pieguice, apesar de meu lado racional sempre emperrar meu emotivo, fiquei abalado. O horror ao lado e eu, nós, bem.

Itaipava, 19 de janeiro de 2011.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AÍ CONFUNDE O PESSOAL VI

Confusões da Infância

Cazuza e Lauro Corona: além da semelhança física, posso ter despertado tal confusão por causa do filme “Bete Balanço”, de 1984, onde apareciam os dois. Isso se estendeu até à novela Direito de Amar, quando soube o nome de Lauro Corona.

Dina Sfat e Fernanda Montenegro: é mais confuso saber o porquê dessa confusão. Eu acho que tem a ver com o Paulo José, marido da Dina, e o Paulo Autran, nas duplas com Fernanda Montenegro, principalmente em “Guerra dos Sexos”.

Felipe Carone e Gianfrancesco Guarnieri: o bigode, talvez.

Carlos Drummond de Andrade e Mário Lago: suas caricaturas e algumas fotos

Jovelina Pérola Negra e Dona Ivone Lara: talvez por causa do Império Serrano. Lembro-me de um documentário sobre Jovelina depois de sua morte, em 1989.

David Bowie e Mick Jagger eram dos Rolling Stones, por causa do clipe “Dancing in the Street” que passava na TV RIO, de madrugada até as primeiras horas da manhã, antes da Kombi do seu Roberto passar e me levar para o colégio.

Mário Gomes, Evandro Mesquita e Kadu Moliterno: talvez por afinidades intelectuais.

Paula Toller e Marie Fredriksson (Roxette): loiras e de cabelos curtos.

Billy Idol e Supla: clássica e proposital e também loiros de cabelos curtos, espetados.

Eu gostava muito da música do Roupa Nova, porque cantavam a música “Amante Porfissional”, que é na verdade, da banda Herva Doce. Descobri isso já adulto, num videokê no sempre aludido, Bar Tic-Tac.

Eu era apaixonado pela Lidia Brondi, mas era para ser a Myriam Rios. Mayara Magri, correndo por fora.

(Lembrado por Jordan Dualibe): Ricardo Montalban, o eterno Sr. Roarke da "Ilha da Fantasia" e Adriano Reys, o também eterno médico das novelas, destaque para "Ciranda de Pedra" e "Barriga de Aluguel".

(Freudiana) Na novela “Gabriela”, quando reprisada: Armando Bogus, como Nacib, era meu pai; Sônia Braga, como Gabriela, minha mãe.

E paramos por aí.

Itaipava, 10 de janeiro de 2011.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

CUIDADO VANGELIS


Sua mãe, com aquele mesmo sorriso, braços abertos para lhe acolher. Ele estava estranhamente menor, com 11 ou 12 anos, mas com a cabeça, a mente, os pensamentos de sua idade adulta, 26. Sua mãe vinha e ele ia à ela. Mais atrás, porém, uma figura crescia, tomava moldes de uma velha, tão apavorante quanto pequena, vinha crescendo uma silhueta macabra. À medida que a velha superava o tamanho de sua mãe, ultrapassava-a. Começava a ganhar as formas, os semblantes, a voz de seu senhorio, a quem devia dois meses de aluguel e o ameaçava de despejo. Ele olhou para os lados, via o oráculo; e depois, seu pai aparecia com uma foice, sério, forte. Ele berrava e nada saía. Era em grego, era em inglês. Ouvia sua mãe lhe chamar pelo carinhoso apelido: “Vangas”; seu pai, ocultado por uma fumaça, severo e carinhoso: “Vangelis”. E a foice virava machadinha apontada para a figura do senhorio. A velha figura do senhorio lhe falava: “Hey, Sr. Kapatos, é para hoje, e a responsabilidade é sua”. Ele tentava berrar, se explicar, se desculpar de não sei o quê, tentava se destravar, chegar até sua mãe... a machadinha disparou para uma direção qualquer e...

- Ahhhhhh! Matras!

Soltou o grito, curto, algo como “Mãe”, em grego. Recuperou a respiração e se aliviou um pouco, não sabe de quê? Ainda estava sob os cobertores, apesar do aquecimento central de seu apartamento em Old Astoria, Queens, NY. Havia forte luz pelas frinchas de sua janela. Devia ser quase dez da manhã, ou talvez cinco p.m. Esticou-se na cama, saindo da posição fetal, suava. Despertou, afinal, ao sentir o odor dos cigarros que estavam no cinzeiro da cabeceira. Sentou-se na cama. Há um mês, pouco mais, pouco menos, não sonhava daquela maneira. Tentou tatear o interruptor do abajur, desistiu e somente pegou um dos maços que estavam à mesa. Um George Karelias, o cigarro de seu pai, Dimitrios, causa da luta dele contra o câncer; por isso deixou os maços... com ele. Procurou acendê-lo, mas não achou o isqueiro. Levantou-se para ir até à cozinha, um fósforo ou numa das bocas do fogão poderia resolver o problema. Ainda grogue, tropeçou em algo, xingou em grego. Era uma edição em capa dura, bem elaborada e comentada, de Crime e Castigo, em inglês. Livro sugerido por Irina, presente dela, sua namorada russa. Ela chegou aos Estados Unidos pouco depois que ele, três ou quatro anos depois. Mas se conheceram em 2009.

Pegou o livro e o pôs na cabeceira, agora acendendo o abajur, achou o isqueiro, que estava dentro do maço de Camel, seu cigarro. Viu os remédios, a tarja preta aclarada pelo amarelo da lâmpada. Desejou beber algo, mas se lembrou os remédios tinham horários. Sua tia lhe traria mais caixas de Rivotril? Pai e mãe em Larissa, mas seus tios ainda em Nova Iorque, além da comunidade grega, forte. Sua tia compraria mais uma caixa para ele. Seria a hora do remédio? Dr. Kaczinsky, que disse ele mesmo? Não repetiria a tolice de engolir uma caixa inteira e beber Bourbon. Ou foi com vinho? Chega desta besteira:“encare-se, Vangelis”. Que horas seriam?

Ligou o celular, mensagens. Foi ao telefone fixo, a secretária-eletrônica lhe informava onze mensagens. Deixou-as se pronunciar sem as ouvir. Lia o capítulo em que Raskolnikhov estava em vias de assassinar as irmãs Ivanóvna: a cena primorosa do romance de Dostoievski. Justo este, como assim, como não? Foi à geladeira e pegou uma garrafa d’água; queria vodca. Lembrou-se do horário dos remédios e também de sua vida. Será que Irina gostaria do filme Zorba, O Grego, presente que ele guardava para ela para o dia 6 de janeiro? O dia que os cristãos ortodoxos se presenteiam, dia dos reis.

Aproveitou o pensamento, largou o livro foi colocar a trilha do filme Zorba, O Grego, obra musical de Mikis Theodorakis. Abriu a janela, para que todos ouvissem sua Grécia. Sentou-se na cama novamente, apagou o cigarro, olhou a capa do CD e também a do DVD. É impressionante como Anthony Quinn se parece com seu pai, mas ele não tinha nada a ver com Alan Bates. Seria melhor Irina ler o livro em vez de ver o filme? Que tal os dois? Ela veria pelos olhos do diretor cipriota Cacoyannis, e leria as belezas descritas por Nikos Kazantizakis, o autor.

- Onde estão vocês? Odeio a neve! Hellas!!!

Gritou em grego. Acendeu um Camel, depois o apagou e pegou mais um Karalis. Aumentou o som, começou a dançar como Zorba e Basil no filme, como dançavam todos seu familiares e conterrâneos nas festas no Queens. Bateram na porta, o celular tocava. Atendeu o celular, era Gürcan, seu colega turco, na Saint John’s University. Desligou. Começou a dançar. Dançava como nunca. Pararam de bater na porta. Desligou o som. Foi dançando até a porta. Olhou pelo olho-mágico, ninguém. Sentia um frio, uma saudade. Parou, bebeu mais água, largou a garrafa no chão, jogou o cigarro no cinzeiro. Tudo se apagou. Sem mais lembranças. Uma mistura de tudo e nada. De lixo e frio.

Saltou pela janela, tomando distância desde a cama. Um mergulho de profissional, nono andar, 30 metros. Seu corpo fez a curva perfeita no ar. Era o primeiro domingo do ano de 2011.

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Petrópolis, 3 de janeiro de 2011.