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domingo, 25 de agosto de 2013

POESIA

VÃO (EM) POESIA
Por alguma beleza estavam juntos, não sabem se forçados, se por experiência, por aventura, por idiotice... mas por beleza sim. Por amor, não, quem sabe em um deles, por átimos esparsos durante sei lá quanto tempo. E por quanto tempo estavam naquele quarto? Um dia e meio, quase dois?

Ele a desabraçou cuidadosamente quando acordou, queria ir ao banheiro. No silêncio possível, levantou-se da cama, desistiu dos chinelos, apesar do chão frio; foi até à porta do quarto e a abriu numa lentidão de sorrateira, do mesmo modo a fechou. No banheiro, acendeu a luz; evitou que o jato atingisse a água da privada. Lavou as mãos, bochechou com um produto especial, bebeu água da torneira, rapidamente. Tossiu. Os pés ficaram mais gelados e sujos apesar do carpete marrom e demasiado empoeirado. Pensou em pegar um copo d’água para ela. Na cozinha, pegou uma garrafa, levou um copo. Ainda tinha meia garrafa de vinho. Não aguentou nem olhar. O vizinho ouvia um rock progressivo.

Retornando ao quarto, no mesmo processo silencioso, ele a viu dormindo, na mesma posição que a deixara. Fechou a porta e foi por instinto, no breu, até à beira da cama. Deixou a garrafa no chão, o copo ao lado da luminária. Pensou em se deitar, mas apenas se sentou à beira da cama. O breu se enfraquecia com a fraca luz azul clara que vinha das frinchas das venezianas; um azul que deflagrava um fim de tarde nublado e mais frio que o dia anterior, ou o mesmo dia só que manhã. Ele gostou daquele cenário, daria um bom curta-metragem, baseado em algum conto de Cortázar, sacado do “Jogo de Amarelinha”. Ou de uma poesia de, de... Droga, ele não sabia bem dos bons poetas apesar de amar alguns poemas de Drummond, Rimbaud, etc. Em um lapso de comédia, originado por suas incertezas mais absurdas ou incoerentes, poderia pensar que aquilo ali tudo seria de Dante ou Edgar Allan Poe. Pensou nos textos que tinha que escrever para a semana seguinte. Tateou cigarro e isqueiro na mesa de cabeceira, sujou suas mãos no cinzeiro que havia levado para lá e não se lembrara. Bateu seus dedos na perna, pegou um cigarro e acendeu. O maço estava em cima de uma edição de “A Servidão Humana”, de Somerset Maugham. Curvou encostando os cotovelos próximos aos joelhos. Luzes e estalos da brasa e cheiro da fumaça pode tê-la acordado.

Ela se vira com um delicioso e ingênuo gemido. Ainda com muito sono, sussurra que quer um trago. Ele a espera se sentar na cama, com as costas apoiadas na parede. Também queria água e pediu para que ele buscasse.
- Já peguei, está aqui.
- Ah, que bonitinho.

Deu uma tragada. Ele lhe entregou o copo e pegou o cigarro de volta. Ela bebeu quase todo o conteúdo e lhe ofereceu:
- Quer?
- Não, já bebi.
- Você não bebe quase nada de água. Bebe, garoto!
- Já bebi... tá bom.
E bebeu o resto. Perguntou-lhe.
- Quer mais?
E respondeu, em negação, só com dois secos sons guturais. Pediu mais um trago com as mãos. Um minuto de silêncio.
- Que horas são? - Ela pergunta esperando uma hora inacreditável.
Ele pega o celular:
- Cinco e meia.
- Da manhã?
- Da tarde, acho que de sexta-feira já.
- Caramba, tenho que me encontrar com minha mãe. – Devolve o cigarro e volta a cochilar.

Bateu nele um receio de falar o que pensava. Passara de uns tempos até ali com estes receios. Falou que aquela cena seria um bom curta-metragem, ou um conto. Um riso seco e sonolento foi a resposta. Decidiu que não escreveria sobre aquilo senão no estilo de Charles Bukowski. “Não, melhor não”, refletiu. “Sim, claro que posso escrever sobre isso! Um escritor há de correr seus riscos com a exposição de todo seu pensar no papel, linha sobre linha. Escrevo sobre o que eu quiser e este é o risco de nossa arte!”. Refletiu novamente, não sabe se pior ou melhor. O cigarro acabou e amassou-o no cinzeiro.

Deitou-se, cobriu-se. Pôs o braço sobre a nuca dela. Ela se aproximou, pediu cafuné para lhe ajudar a dormir. “A dormir?”, ele pensou em revolta. O sabiá cantava forte não muito distante. Isso a irritava e, não obstante, ele a amava.


Itaipava, 25 de agosto de 2013.