Zelador

Minha foto
...de repente, o que está aqui lhe apetece.

Seguidores

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

CATA LIXO


Veio um ventinho esquisito no fim de uma tarde de verão. Resolvi por uma blusa de manga comprida, mas mantive a bermuda. Partiu supermercado!

O lixeiro não havia passado. Os sacos estavam revirados; rasgados pelos cachorros e meticulosamente abertos pelos seres humanos. Em frente a uma das escolas de minha vizinhança um tipo de lixo, infelizmente comum, que poderia reciclar mentes: livros. Junto de armários e estantes quebradas ou velhas, livros.

Uma rápida olhada, uma titubeada, uma olhadela nos títulos. Mansfield Park, Jane Austen; um sobre Emily Dickinson, dois de autores que não os conhecia, um da Pearl S. Buck em inglês. Encartes e capas da enciclopédia Conhecer e dois atlas também em encartes. Foi o que vi por alto até afastar um e outro volume e achar A História da Filosofia, de Will Durant.

Este exemplar, junto com O Mundo de Sofia e a República, de Platão, me levaram a gostar de Filosofia e a salvar-me da decepção que tive no primeiro período da faculdade quando meu então professor, uma lástima, não me fez saber do deleite que era a Filosofia. Uma reprovação em sua matéria (por não ter respondido corretamente o “Dasein” de Heidegger) foi fundamental para que, no semestre seguinte de 1996 pudesse gostar de Filosofia por causa dessas indicações.

E ali, no chão, na calçada, entre uma moita de coroa-de-cristo, (Euphorbia milii), um livro que foi importante para mim e haveria de ser para outrem. Peguei-o e o levei comigo para as compras pensando em quem poderei presentear com ele. E, se algum curioso ficasse mirando o livro em minhas mãos, este seria o escolhido para levá-lo, com a seguinte dedicatória: “Caro(a) desconhecido(a) (nome dele ou dela), aqui vai um presente do acaso. Feliz 2014.” Data e meu nome.
Esta  a edição achada


Somente um mendigo da praça me olhou e pediu o cigarro que portava. Entreguei-lho.

Fiz as compras e esperava que a moça da caixa registradora tivesse alguma curiosidade sobre o livro, ainda que pensasse se tratar de um produto do estabelecimento. Se ela fizesse isso levaria o livro. Não o fez. Guardei-o junto com o saco de pães e voltei para a casa. Talvez pegasse mais um livro daquela fonte. A alguns metros via um homem, aparentemente com seus 45 anos, agachado, com uma camisa que simulava um time de futebol americano, número 89. Aproximei-me e falei:

- Que triste maravilha, não?
Ele virou o pescoço e disse:
- Cara, olha só. Não pude deixar de pagar alguns. Veja, um em francês. Minha sogra lê francês.
- Eu peguei este aqui. Embora já o tenha lido não poso deixar esta edição aqui.
- Este também li, há muito tempo. Olha esse aqui, cara. Um livro do Museu Imperial, altas fotos. – Levantou-se. Seguíamos para mesma direção.

Paramos e folheamos o do livro de fotos do museu. Depois, andando, ele começou a comentar:
- No último edifício que morei, no Jardim Botânico, aumentei minha biblioteca com muitas raridades.
- Cara, isso é comum, sempre havia centenas de livros incríveis na lixeira do prédio onde minha avó morava, em Copa.
- Ih, lá é um paraíso. E de discos também. Uma vez achei uma coleção inteira de Monteiro Lobato. Leio para minha filha de 6 anos.
- E minha tia que tem toda a Comédia Humana de Balzac adquirida num “desmanche” desses. Sempre estes “velhos” livros são bons, inclusive os científicos.
- Pois é. Eu sou biólogo, e uma vez achei muitos livros do início do século passado. Aí meu filho de 21 anos disse “para que isso pai, as coisas já mudaram”. Mas justamente por isso, falei para ele, é importante vermos a evolução das coisas, das ideias, das experiências e tal. Além de percebemos que usamos algumas coisas ainda do século XVIII.

Depois de alguns segundos e metros, ele falou, com uma voz lamentosa.
- Livros no lixo...
- É constrangedor. – Complementei.
- E quais argumentos poderemos utilizar para defender um país que ainda joga livro no lixo.
- Moro aqui. - Cheguei ao portão de minha casa. Apresentamos nossos nomes e ele mostrou onde mora. Logo ali.
- Abração.
Petrópolis, 18 de dezembro de 2013.





sábado, 7 de dezembro de 2013

VIAGEM À TERRA


Esta é clássica e vale um relato:


Uma homenagem a Ray Bradbury e a Jaime Guimarães.


Eles iam para o Novo México - EUA, terra conhecida deles nos últimos anos terrestres. Mas começou a ratear o motor da aeronave Grainat, acharam que era o atrito com a atmosfera, mas na verdade pode ter sido logo na entrada da atmosfera.

- Te falei, Plinx, para entrar na atmosfera da Terra tem que ter as manhas.

- Pô, Comandante Letzon, eu entrei certinho, mas é que pegamos um som do Pink Floyd, A Saucerful of Secrets, numa estação de rádio, aí me desconcentrei. Já ouviu?

- Cara, não se pode errar em uma viagem como esta! Vamos para Rosewell, lá a gente vê o que se pode fazer.

- Já passamos de lá, - disse Plinx, temeroso - nos resta Cuzco, caminho antigo. Eu sei que devia ter virado à esquerda em Albuquerque. E estamos longe de Teresópolis... e do Novo México!

- Você está maluco, Plinx?  Vamos para a Sibéria então, lá é menos quente.

- Passamos de lá também, quando derrapamos na escrotosfera. Peraí, xô dá uma quebra de asa aqui e... opa, vamos ter que parar. Vou deixar na banguela e ir suave.

Letzon espalma a mão em sua testa com violência e se lamenta em voz audível para Plinx:

- É Estratosfera, Plinx! Que mal fiz a Hunx (Deus)? Já dizem que não somos um planeta... Meu Hunx, o que será de Plutão agora? Estes terráqueos jamais entenderão nossa magnitude no sistema solar. Era para ser uma missão simples, Plinx!

- Calma Let (íntimo do capitão), aqui nessa área há bons mecânicos, vamos consertar isso tudo, deixa comigo. Eu tardo mas não falho.

O céu brilhou por 4 centésimos no tempo terrestre. Plinx se exaltou num misto de alívio e alegria:

- Olha lá, comandante Letzon, uma oficina!

- Onde?
- Ali ó: "Consertamos Disco Voador"...
- Seu filho da mãe, hehe, eu sabia que aqueles seus estudos de línguas terráqueas valeriam de alguma coisa. Vamos, pouse lá.

E pousaram em frente à humilde oficina. Era domingo. " Vai lá, Plinx, vc que sabe a língua deles". Plinx teve que ir. Começou com o discurso tradicional de que vinham em paz, mas queriam só consertar a Grainat. Saiu da oficina um senhor, que saía de seu sono. Apresentaram-se. "Prazer, esse aqui é o comandande Letzon, sou Plinx. "

- Taaarde... cumpádi. Magela, Geraldo Magela. Diz o problema, seu Plinquis.

Plinx sentiu alguma dificuldade no linguajar, porém anunciou o problema enquanto se encaminhavam para a Grainat e abria o compartimento do motor.

- É que quando a gente transpunha a atmosfera começou a ratear, não engatava as velocidades terrenas, você sabe como é. A gente ia para Rosewell, mas...

- Tô sabendo, vocês entraram pela Sibéria, né? Ali é difícil, é quente.

- É.

- Já sei o que é. - Magela, sobre a porta do compartimento do motor, observava com olhos sidero-mecatrônicos aquele caos. 

Cofiou a barba mal feita, expirou forte e pediu para um deles ir à cabine. Letzon assumiu essa tarefa.

- Então, quando eu disser "vai" você liga a nave, tá bom?
Plinx traduziu para o comandante e ele teve que aceitar a mudança de função.
- Então... péra um bocadinho... isso... agora. Vai!

A Grainat foi ligada, mugiu um pouquinho, tossiu, emitiu sons metálicos, os cachorros a redondeza latiram. Magela puxava um fio, apertava um e outro botão, raspava o dedo em um sensor desconhecido para a humanidade. Sai de repente e alertou:

- Continua, continua!
E a barulheira deu lugar a um som aveludado da Grainat. Era o som perfeito da aeronave. Agora podiam viajar o universo inteiro.

- Quanto é, Geraldo Magela?
- Nada não, isso é coisa simples. Mas ocês vão para onde mesmo?
- Rosewell.
- Ah, sim, Olha, pode ir tranquilo. O tempo está bom para lá.
- Mas Magela, aceite então um agrado - disse Plinx. Tome esse "trem" aqui.
- Nem precisava, seu Plinquis. Vão em paz, é a missão de vocês né? Sempre paz. Mas aqui entre nós não tem muito disso não, bem raro. 
Adeus seu Letição!
Plinx entrou na nave e Letzon acelerou para cima, sumindo no céu.