Zelador

Minha foto
...de repente, o que está aqui lhe apetece.

Seguidores

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANTIGAMENTE E OUTRAS MEDIDAS DE TEMPO



Sabemos que falar do tempo requer enormes teses de estudo, textos, conversas e discussões. Entretanto, falarei sobre alguns pontos de termos e expressões relacionados ao tempo em nosso discurso.

“Mas antigamente, meu filho, as coisas não eram assim, eram muito melhores... muito melhores. Você veja bem, qual sua idade mesmo? Nossa, muito jovem ainda, mas veja bem, outro dia mesmo, conversava com a Dona Conceição sobre isso, acho que foi ainda esta semana, ou no início do fim da outra, não sei bem. Isso aqui tudo, quando a gente, eu e o falecido Magela, que Deus o tenha, comprou esta casinha aqui, isso aqui tudo não tinha nada. Era só aquela casinha laranja ali, a de chaminé, o resto tudo verde, floresta. De uns dez anos para cá está assim, cheio de casas. Ai, ai... ô, acho que o cafezinho está pronto.”

Percebemos três noções de tempo muito comuns em nossa linguagem. Duas bem evasivas: “antigamente” e “outro dia mesmo” (algumas variantes, como “agora-pouco”, “agora faz pouco”, “não faz tanto tempo assim” etc.) e outra que apresenta uma precisão científica: há dez anos ou, dez anos atrás.

Outro dia mesmo é possível nos dar leve noção do tempo, não chega a um mês.

Dez anos passados é o tempo exato que uma cidade ou um bairro evoluiu bastante, inclusive dando características de cidade ao que era uma vila, de bairro ao que era apenas uma estrada que ligava dois bairros importantes, de comunidade vertical ao que era uma singela colina, de bairro comercial-popular ao que era somente residencial-elitista-sofisticado.

O uso do antigamente, via de regra, não vem acompanhado do contexto histórico. Isso pode prejudicar a comunicação. O antigamente possui duas constantes, menos matemática do que emocional, abstrata:

ERA BEM MELHOR: Sempre o antigamente era bem melhor; independe da pessoa e de sua história. Uma vez, no balcão do bar Tic-Tac, em Petrópolis, recebia uma aula de Altemar Dutra ou Ataulfo Alves, motivada pela revolta do som que vinha do videokê no segundo andar.

- Agora é só essas músicas aí, funk, pagode, Lulu Santos. Antigamente era bem melhor, tinha seresta, a gente conquistava as meninas com violão, com a poesia.

Aí citou os grandes intérpretes e compositores dos bons tempos. Nesse caso, temos vaga ideia do antigamente do qual ele se refere; é, certamente, o tempo de sua juventude. Mas há casos que o antigamente, dentro de um discurso, varia entre as primeiras aglomerações familiares de australopithecus até, digamos, esses dias mesmo, faz nem um mês. Agora, imaginemos uma narrativa qualquer em que a pessoa diz:

- Antigamente não era assim, as pessoas tinham mais respeito pelas outras, para com o próximo.

Antigamente quando? Que época da história da humanidade vivíamos nesse Falanstério de Charles Fourier, ou na Pasárgada de Manuel Bandeira ou, mais antigamente, a dos persas, clamada por Estrabão? Quando existiu esse paraíso de respeito mútuo? Isso é outro assunto. Passemos para a segunda constante:

JUVENTUDE: Millôr Fernandes já se questionou: “Quando é que a mocidade começou a ficar tão chata e imoral? Não foi quando você completou quarenta anos?”
E em outra oportunidade, já faz um tempo, eu recebi um e-mail com frases do período da Antiguidade Clássica e Oriental, do Alto e do Baixo Medievo, da Renascença Moderna, do Iluminismo, do longo século XIX, da transição o XIX para o XX, do entre Guerras, do pós- Guerra, da contemporaneidade atual ou pós-modernismo, do fim da História, de Fukuyama. Em todas as épocas a juventude foi a bola da vez, conforme uma antiga crônica no Canis Familiares, de 2004, creio. Resumindo todas as frases:

- Essa juventude atual não quer nada com nada.

Um toque de preconceito, rancor e extremo saudosismo. Porque parece que por mais que a vida na juventude de uma pessoa tenha sido sofrida e que em sua idade avançada, 40, 50, 60 anos em diante esteja mais tranqüila, compensando os esforços do antigamente, os bons tempos do antigamente prevalecem de alguma forma.

O homem, o tempo; o estudo do tempo e a sua relação com ele, tempo inventado, tempo natural... é algo fascinante, de infindáveis questões e temas.

Que saudade de alguns pontos do antigamente!

Que no ano-novo, mais uma vez, marco inventado por nosso recente calendário cristão (padrão mundial), possamos nos divertir e nos emocionar com as boas lembranças e com os projetos para o futuro, esse tempo também não sabido.

Itaipava, 27 de dezembro de 2010.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

POUCAS E BOAS 1

1) “Al-Suavited, a equipe tunisiana de vôlei, da cidade de Sfax, faz sua estreia no mundial de clubes, o campeão africano. Vamos à formação inicial: número 12, o grandalhão Oande; o 7, Reternud, atacante de ponta; o outro ponta, 6 Pangst, o polonês; o oposto Subed, com a número 11; Brolium, com a 16, outro gigante e o levantador Ebils, com 2; aí o líbero, Bumshe, com a 15. O técnico Hobions.”

Sabe quando temos que digitar algumas letras para validar nossos comentários em alguns blogs? Então, todos os nomes em destaque foram colhidos desses aplicativos. Pode-se inventar bastante coisa com eles.

2) Meia-noite e meia, por aí, a gente estava lá em casa esperando passar Two and a Half Men, no SBT. De repente, surge um programa de joguinhos onde você, telespectador, participa pelo telefone (preço de uma ligação de celular para São José do Rio Preto).

- Pô, será que vai ficar nessa?
- Não pode ser, deve ser rapidinho, e daqui a pouco passa o seriado.

Atrás da bela moça, que não parava de falar um segundo, havia um painel com cheio de círculos e neles estavam escritos valores que variavam de R$ 100,00 a R$ 1.000,00. A mocinha anunciou que ficaria na nossa companhia a madrugada inteira.

- E o tema de hoje é: animais com a letra C.

Embasbacados com a dificuldade do desafio, em menos de 10 segundos conseguimos dizer uns 15 animais começados com a letra C. Quem acertasse o animal que estivesse no painel ganhava a quantia discriminada E começaram os telefonemas: cavalo, 100 Reais; coelho, 300; cachorro, 200. Percebemos que quanto mais comum o bicho menos o seu valor, é lei da Zooeconomia. O de mil Reais poderia ser o quê? Caranguejo, coala, catatua, castor... Capivara, talvez, o mais nacional e o menos lembrado!

Depois dos três animais vieram as dificuldades da galera que ligava. Uma campainha de telefone de repartição estourava a cada chamada. Camelo, 400 pratas. Aí, a coisa ficou difícil para a população. Uns ligavam e nem sabiam do que se tratava o joguinho, mas a bela e palradora modelo, pacientemente, explicava tudo de novo. Apostavam em coiote, curió, nos animais já escolhidos. Canguru, estranhamente, não constava na lista. Eu juro, pensei em ligar para lá quando dobraram os valores no painel.

- Vamos ligar para essa parada. – eu sugeri. Dois barão nisso já paga os alugueres de janeiro e fevereiro, e o Seu Jorge vai ficar felizão.

- E podemos até comprar outro bujão de gás, um porta galão de água, duas garrafas de Jack Daniels e demais cervejas.

- Podes crer.

Mas...

- Alou quem está na linha?
- Gilberrrto.
- Então, qual o seu palpite?
- Palpite de quê, meu?
- Um animal com a letra C, dê uma olhada no nosso painel...
- Letra C?
- Isso...
- É.. Porrrrco.
- Porco? (buzininha explodindo, errado!) Não, não tem aqui (a modelo não segurou muito bem a gargalhada, mas conseguiu manter a linha). Porco começa com a letra P. Próximo participante!

Nós não conseguíamos ficar nas cadeiras. É difícil rir tanto no mesmo lugar, paradão. O outro participante já estava na linha, mas a mulher também não se agüentava e soltava umas gargalhadas fingindo que ria somente pela simpatia que sua profissão lhe obriga.

Em fim, perdemos o dinheiro e o seriado. O sono chegava, fui para o meu quarto.

Petrópolis, 15 de dezembro de 2010.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O ENTREVISTADO DA VEZ

A página cultural Castelo do Poeta me convidou para uma entrevista e eu a concedi. É uma honra participar de lá. Agradeço a João Lenjob, poeta, pela grata experiência.

domingo, 5 de dezembro de 2010

MAIS UMA DE "ROCK"




COMBATE

Eu já sabia da polêmica. Um não gostava da opinião do outro sobre Guns ‘n’ Roses (doravante, Guns) ser uma banda rock-farofa. Eles se encontraram com a galera no Bar Arco-Íris, Lapa-RJ. Parte do pessoal iria para a Rio Scenarium, outra iria para o Teatro Odisseia para assistir a uma sequência de bandas de rock. Minha tendência era ir para este último evento, mas alguns me sugeriram ir à Casa Hombu, pois um DJ alternativo seria a atração do local. O preço “accessível”, a cerveja de garrafa e a curiosidade intensa em saber do que se tratava um DJ Alternativo levaram-me para seguir a Terceira Via.

Entrementes, os dois da discussão antiga voltaram a se enfrentar e eu ali, latão na mão, tentando entender deveras o ponto-chave do debate:

- É farofa sim! Todo mundo sabe, todos conhecem até quem não gosta e rock gosta de Sweet Child O’ Mine!
- Não é farofa nada! Algumas músicas podem ser, mas isso não quer dizer que a banda é ruim. Guns é muito bom!
- Tem razão, – eu disse – a banda pode ser farofa, mas pode ter qualidade. Smoke on the Water, Come As You Are, Cocaine e... – interrompido.
- Tudo isso farofa! É farofa!
- A música ou a banda?
- A música... e a banda também! Ah, não sei. Só sei que é farofa!
- Então, - tentei intervir de novo – há um certo reducionismo em definir uma banda ou música de farofa somente e tão-somente por causa de sua popularidade, digamos assim.

Nenhum dos dois me ouviu. Iniciaram uma disputa de quem sabia mais de bandas não-farofas:

- Conhece Boston?
- Claro, e conhece Cinderella?
- Não.
- Tá vendo? E aí, conhece Misfits?
- Também não, conhece Kansas?
- Óbvio que eu conheço! Doghouselords? Fairport Convention?
- Aí não, quem conhece banda é ele aqui – eu, no caso. E Poison? Conhece.

E ainda no caso eu ficava olhado para os dois alternadamente a cada desafio lançado. Só Kid Vinil seria o melhor árbitro de tal peleja. Continuavam:

- Putz, claro, é meio farofa mas é legal...
- Ah! Viu só! E Skid Row?

Aí mandei a questão, na minha vez de interrompê-los. Simulei um acorde de guitarra bem heavy metal:
- E Tchaikovsky? – pléunnn – Conhecem?
- Não...
- Essa não...
- Mas, peraí, já ouvi falar sim... Ah! Bobo.
- Pô, brother, não confunde a gente!
- Pô digo eu, a discussão não iria a lugar nenhum. É a vez de quem pegar a cerveja?
- Sua mesmo.
- Podes crer.

Quando voltei, outros tinham se juntado à roda e a celeuma anterior ameaçava voltar, mas com outros participantes. Entreguei as latinhas para os que me pediram e sugeri:

- Então, procure na Internet a Marcha Eslava, de Tchaikovsky. É meio farofa, muita gente conhece ou já a regeu, até na China, mas tem qualidade. É estilo hardcore melódico. Mas já a música 1812 é heavy metal!

Opa, esquecia-me do DJ Alternativo, que na verdade eram dois. Não só as músicas como o visual de ambos eram alternativos, mas isso será descrito em outra ocasião.

Petrópolis, 5 de dezembro de 2010.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ORNITOLOGIA DE CAMPO E AR



Aos que não sabem, a rodovia Philúvio Cerqueira Rodrigues está em obras e, por vezes, a viagem é interrompida para, a fim de que, ponham concreto na estrada com o intuito objetivado de, pelo amor de Deus - e todos os outros - consertem e concertem e concretizem a BR-495, de uma vez por todas.

Quando para (verbo parar) para (contração das preposições e artigo) que o concreto exerça sua função, são 40 minutos de "descanso". O ônibus chegou no regressivo 39 minutos e 46 segundos. Aos 38 regressivo, em ponto, estava eu com os pés na estrada fumando um cigarro na companhia do motorista "sobrenome no crachá", como de praxe.

- Ah, mas daqui a pouco vem a chuva, olha como tá quente... abafado.
- Me empresta o isqueiro? Obrigado. Sim, típico desta época, esse mundo tá mudando.

Mormaço. Aquele mesmo, o perigoso: sai desse mormaço menino, quedequê mormaço queima!
E daí, nós, eu e o motorista mais o cara da guarita e outro da coordenação da guarita, sob aquele branco prata do céu... aí a ave... A AVE, ousa voar. O coordenador da guarita se manifesta primeiro:

-Ó o gavião...
E o motorista:
- Ah né não, é urubu, conheço urubu de longe.
E olham para mim, ao qual, automaticamente, olha (olho) para cima:
- Sei não.

Chega um detrás do ônibus, oriundo de um caminhão:
- Ó o gavião... gaviãozinho.

Revolta. Confundem-se as hipóteses, travestidas de teses:

- É não, isso é urubu.
- É nada. Conheço aerobu (sic). O bicho não voa sozinho. E cadê o cheiro de carniça? Nem sinto inhaca. É gavião, dos pequenininhos, olha como ele voa!
- Mas gaviãozinho parece cumurubu, aqui não tem esses não.

Chega outro elemento:
- Ó, espia, o gavião...
- Né não, espera passar aqui por cima... Ualá, viu?
- Vi, é gavião. Urubu quando voa, fica com as asinhas parecidas assim ó, com as mão.
- Alá ("olha lá", e não o Deus do Islã), tá decendo, para encontrar com o bando, é iorubu. Que cê acha que é?
- Eu? - eu mesmo - bom, pelo rasante, é gavião, mas pela cor é urubu.

Tendia para que fosse o gavião, mas surgiram vários urubus nos entrementes. E aquele brilho do mormaço não resolvia nossa ciência. Os que ficam na guarita falaram:

- Tem muito pássaro esquisito aqui, mas esse é gavião. - Disse um.
- Ó, vendo daqui, está mais para urubu.
- E tu, gordinho? - Questão direcionada a mim - é o quê?
- Eu? É o Carcará!
- O quê?

A viagem teve que seguir.

Teresópolis, 23 de novembro de 2010.

sábado, 6 de novembro de 2010

SABE O QUE QUE É, DOUTOR?



SEGREGAÇÃO DO CAPRICORNIANO
Relato de caso

G., 38 anos, cearense do Crato, divorciado, médico, residente nesta cidade (Rio de Janeiro). Trajes em alinho, denotando cuidados com a higiene e aparência, porém, transpirava pela fronte e pelas axilas; leve ansiedade e tensão, apesar de bem humorado. Fala normalmente cadenciada, com breves momentos de excitação nas palavras.

- Sabe o que é, doutor? De repente, de uns tempos para cá, a maioria das pessoas que convivem comigo, meus amigos, colegas de trabalho e até as pessoas que conheço em alguns eventos, congressos, reuniões, todas, doutor, até meus familiares em Fortaleza e no Crato, começaram a falar de astrologia com muita frequência. Não que isso seja problema, sempre falei disso, eu sei o meu signo, tanto no zodíaco quanto no chinês: Capricórnio e Rato, respectivamente; essas curiosidades, sabe como é? Mas veja bem, o assunto de astrologia que chegava no atualmente, não era levado na ingenuidade, na simplicidade; não como uma diversão, nem mesmo como uma coisa séria, mas respeitosa. As pessoas começaram a levar a sério o que pregava esse signo, todos os signos, diziam, previam, sei lá! Elas, essas pessoas antes minhas amigas, já tinham a consciência de todo meu comportamento, de meu caráter, quem sabe até de minha vida, doutor, assim que falava que era de capricórnio. Doutor, o senhor carece de me perdoar, mas esse tema nunca me deixou tão avexado quanto nos últimos dias.

- Como assim? Dê-me algum exemplo.

- Pois não, é aí que ia chegar. Depois do carnaval, uma paciente me perguntou e eu, embora tenha estranhado a pergunta, lhe respondi, “Capricórnio”. Ela se afastou num sobressalto jamais visto por mim em todos esses anos de dedicação à dermatologia. Disse não acreditar que eu, sendo eu como sou, na visão dela fosse capaz de ser capricorniano. Teve um outro caso semelhante a esse no consultório, mas dessa vez com um jovem, acho que com 28 anos, que se disse decepcionado comigo. Aí, eu lhe perguntei: por quê, cabra? Claro que não foram com essas palavras, e ele me disse que ser de elemento terra, e regente saturno, eu era um soberbo, arrogante. Mas até ali, não liguei tanto, pois logo lhe indiquei um colega de especialidade igual a do senhor, doutor, pois antes não conhecia seu respaldo e sua competência.

- Obrigado, mas continue.

- Claro, doutor. Agora vem a parte interessante. O tempo passou e comecei a ver só essas coisas de astrologia, conforme já lhe disse. Com essas duas ocasiões, passei a me informar mais sobre os signos, coisa que jamais fizera. Li muita coisa sobre o zodíaco e o meu signo, tudo que ele representa, proporciona, ajuda ou atrapalha, e a sua conexão ou repulsa com que outro signo que ele se dá bem ou se dá mal e só me fez confirmar aquilo que sabia: que poucos são astrólogos decentes, e que metade das coisas que dizem que sou são coincidentes e as outras nem passo perto de ser. Tudo isso bem embasado em todos meus simbolismos, não levei nada ao pé da letra, como fizeram meus então novos inimigos. Mas a coisa começou a ficar incômoda quando em um evento da sociedade, evento nacional, as pessoas me evitavam após saberem de minha, digamos, predestinação. Outro dia, marquei um encontro com uma mulher linda, que conhecia da enfermagem, para tomar um chopinho, ali no Catete; e a conversa ia numa toada maravilhosa, a mulher estava caidinha por mim, acreditava eu. Veio esse assunto de novo e falei à senhorita: você tem certeza que quer entrar nessa prosa? Por quê, algum problema? Vai me dizer que você é ariano? Sou não, não totalmente, sou descendente de negros também, além de índios. Aí ela disse, doutor, que não era desse assunto preconceituoso de que falava, essa coisa de Hitler, era sobre astrologia, todo mundo se liga um pouco no zodíaco, em astrologia, palavras dela. Ela quis dizer arietino, de Áries, como eu já sabia. Falei que não, ela relaxou, aspirou forte, aí falei que era de capricórnio, e ela voltou a se retesar, fechou o semblante, ficou até feia, coitada. Tá rindo, doutor? é sério que digo, ficou feia e bem mais velha.

- E depois...

- Depois, você dificilmente vai acreditar. Ela simulou chamada no celular, foi ao banheiro, ficou lá um tempo, acabei meu chope confabulando de que quando ela voltasse era para pedir a conta. Ela veio do banheiro se ajeitando, pondo a bolsa à tiracolo, esvoaçando o cabelo, era a dica para eu pedir a conta, e assim o fiz, doutor. Ela se sentou e disse, bom, olha ocorreu um imprevisto, me desculpe, vamos pedir a conta? Eu falei, já pedi, mas pode deixar que eu pago. Ela tremeu e me olhou com uns olhos que não quero ver de novo em minha vida. Falou ela: eu sabia...

- Sabia de quê?

- Vai ouvindo, doutor. Ela disse que sabia que eu era assim, pessimista, fatalista... frívolo. Mas nem minhas qualidades, que todos os signos têm, ela falou. Talvez ela falasse de minha liderança, minha confiabilidade, pé-no-chão...

- Humm...

- Sabe, doutor, acho que a partir de agora vou falar que sou peixes, sou pisciano. Vamos ver no que vai dar! Às vezes até acho que é coisa de religião, doutor. Sabe, você sendo peixe, virgem, essas coisas mais puras, posso ter mais aceitação. Mas bode, mas veja, bode, doutor? não pode ter aceitação mesmo. É um símbolo do capeta, de Baco! Cabra d’água. É ou não é esquisito, doutor?

- Absolutamente normal, mas, seu tempo acabou e ainda temos muito que conversar. Fique tranquilo. E continue dizendo seu signo. Astrologia não é um grande problema.

Petrópolis, 6 de novembro de 2010.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

JULIO, JÁ QUERIA FALAR SOBRE TI HÁ UM TEMPO


Mas tu te antecipas e me dás de presente de aniversário em 1981, sem eu saber, este conto. Ah, meus três anos de idade.

"Do livro "Papéis Inesperados" (Editora Civilização Brasileira - 2010, 487 páginas, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht) que estou lendo no momento e consiste de uma seleção de textos inéditos e dispersos escritos por Julio Cortázar (1914 - 1984) ao longo da vida, encontrados, em sua maioria, numa velha cômoda. Compilação de Aurora Bernárdez, viúva do escritor, e Carles Álvarez Garriga. O "conto-poema" abaixo, tão inserido no lirismo fantástico de Cortázar foi publicado somente no jornal mexicano "Unomásuno" em 11 de abril de 1981."

PERIPÉRICAS DA ÁGUA
(Julio Cortázar)

Basta conhecê-la um pouquinho para entender que a água está cansada de ser líquido. Prova disso é que na primeira oportunidade se transforma em gelo ou vapor, o que tampouco a satisfaz; o vapor se perde em absurdas divagações e o gelo é tosco e desajeitado, fica quieto onde pode e de modo geral só serve para dar vivacidade aos pinguins e aos gin and tonic. Por isso a água delicadamente escolhe a neve, que anima a sua mais secreta esperança, a de fixar para si mesma as formas de tudo o que não é água, as casas, os prados, as montanhas, as árvores.
Acho que deveríamos ajudar a neve em sua reiterada mas efêmera batalha, e que para isso seria necessário escolher uma árvore nevada, um esqueleto negro sobre cujos incontáveis braços vem se estabelecer a branca réplica perfeita. Não é fácil, mas se ao prever a nevada serrássemos o tronco de forma que a árvore se mantivesse em pé sem saber que já está morta, como o mandarim memoravelmente decapitado por um verdugo sutil, bastaria esperar que a neve repetisse a árvore em todos os seus detalhes e então retirá-la para um lado sem a menor sacudida, num leve e perfeito deslocamento.
Não creio que a gravidade desmanchasse o alvo castelo de cartas, tudo aconteceria como numa suspensão do vulgar e do rotineiro; em um tempo indefinível, uma árvore de neve sustentaria o sonho realizado da água. Talvez fosse destruída por um pássaro, ou o primeiro sol da manhã a empurraria para o nada com um dedo morno. São experiências que deveríamos tentar para que a água fique contente e volte a encher as jarras e copos com a alegria borbulhante que por ora reserva para as crianças e os pardais.


Graças a eles: Alexandre Kovacs e Ana Letícia, que me enviaram o texto.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ESTRANHO NUMA TERRA ESTRANHA


O título acima pode se encaixar em diversos ocorridos dos quais fui turista em minha terra natal. Vítima, pois, do estereótipo, do padrão engessado pelo cientificismo novecentista europeu e espalhado pelo mundo com o aval estadunidense.

Tais experiências revelam não somente o quanto esses padrões étnicos são esdrúxulos no Brasil, como também, paradoxalmente, estão incrustados em nosso pensar e perceber. Em breve posso recuperar algumas crônicas do Canis Familiares – antigo blog onde contribuía – e expor algumas dessas experiências.

Peguei o título “Estranho numa terra estranha”, de um livro que minha saudosa tia e madrinha me sugeriu quando eu andava pelos 14-15 anos. Passava uma das férias no sítio de Areal-RJ, que era de minha avó materna.

Ao passar pelo corredor e sempre me deparar e vislumbrar com os livros, ela, que também passava por lá, resolveu pegar uns dois ou três para minha diversão. Um deles era “Strange in a Strange Land”, Estranho numa terra estranha. O problema é que havia a MTV, coisa que não tinha em minha casa em Petrópolis; e, apesar de à época já estar no intermediário de inglês, não tinha “raça e moral” (ou seja, vontade) para ler um romance na língua de F. Scott Fitzgerald.

Lembro-me da capa daquele romance, em estilo livro de bolso. Sobre um fundo vermelho, com planícies e montanhas beges, surgia um corpo antropóide azul, mais parecendo um espectro. Ela me explicou que a trama se passava em Marte. Hoje, com o “Advento do Internet”, sei que o autor é o norte-americano Robert A. Heinlein, que lançou o livro em 1961. Fazia parte do movimento da Contracultura, do movimento hippie. E seu título é também inspirado no livro Êxodo, da famosa Bíblia.

Pois então.

Em setembro de 2008 participava do Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental, que foi em Niterói. Fui acolhido na casa de um grande amigo em Copacabana. Havia chegado do primeiro dia de congresso, sexta-feira, às oito horas e em tal dia resolvi rever alguns pontos de minha palestra, que seria no domingo de manhã, e beber alguma coisa ali pela Rua Inhangá – local de minha primeira residência – ou no máximo chegar a um boteco onde pudesse escrever alguma coisa, até quando a cerveja me permitisse. Meu amigo e sua esposa tinham outro compromisso, digamos, mais punk rock.

Fiquei mesmo no balcão do bar do Ceará, bebendo minha cerveja, conversando com o pessoal que encararia a coleta de lixo a partir da meia-noite, e falei também com demais campeões sobre assuntos relacionados a viagens, geografia humana e características regionais do Brasil. As cervejas me impeliram para fazer um pequeno circuito por alguns bares ao longo daquela parte da Barata Ribeiro. Entre um e outro, passaria por um grupo de seis ou sete pessoas, que rumavam, possivelmente, para uma boate, devido às suas vestimentas. Conversavam em uma língua indecifrável e, enquanto tentava pegar uma palavra que me indicasse pelo menos a origem linguística, uma das moças do grupo vem ter comigo:

- Oi, tu moras aqui?
(Era português que falavam)
- Não, mas posso te dar alguma informação. – E outra menina me pergunta:
- Sabes onde há um casa de ........... (não entendi).
- Casa de quê?
Elas me explicaram, continuei não entendendo, e, assim sendo, deduzi que seria uma boate. Indiquei a “Mariozinho”, não sabia se ainda funcionava, mas eles já haviam ido para lá e falaram que não gostaram porque tinha que ter um convite (filipeta), mesmo que eles quisessem pagar. Indiquei, pois, um bar-boate chamado “Clandestino”, pouco mais para frente de onde estávamos, e me ofereci para ir com eles até lá.

Quando perguntei de onde eram, acertei. Angola. Só um casal era de Cabo Verde e outra menina, carioca, não sei por que não foi ela que me perguntou. Aí veio toda aquela minha conversa:

- “É uma honra tê-los aqui em meu país, sejam bem vindos, irmãos de Atlântico, irmãos de história. São de Luanda? Ah, Melange. Não, nunca visitei Angola, infelizmente. Nem Cabo Verde, vocês são de Praia? Ah, não, Mindalo, é a capital cultural, digamos assim. Manuel Lopes, grande escritor das ilhas.”

Falei também de onde era, onde tinha nascido, onde morava, onde morei, até que chegamos à porta do local. Despedi-me deles sem sucesso. Acabei entrando no Clandestino, que, na verdade, sempre tem boas bandas ou bons DJs. Havia um razoável fila. Nela me falaram do que faziam. Duas estudavam na UFRJ, assim como a carioca, o casal era turista, e os outros, com os quais não falei muito, pareciam ser imigrantes somente, mas um deles falou que era engenheiro.

Ah! Ia me esquecendo da questão etnológica, todos eram negros ou mulatos, assim como o segurança que nos pedia os documentos. Devia ser novo no ambiente, pois estranhava os documentos vermelhos, carteira de estrangeiro residente. Conferia-os minuciosamente. Na minha vez, embora estivesse com a carteira de identidade, verdinha, à mão, ele me pediu, num sotaque de Mumbai.
- Passport!
- Ih, mermão, está vencido desde 2006. Tenho só a carteira de identidade mesmo.

Petrópolis, 18 de outubro de 2010.

domingo, 10 de outubro de 2010

REPIQUE


Aqui nos – aindabem – trópicos: solstícios e equinócios mudam muito o clima, que já é, coitado, maluco hoje-em-dia desde de uns tempos atrás. Complicam nosso vestir quando a chuva sem aviso substitui o sol que antes um pouco se fazia imponente. E eu, que não me agrado de guarda-chuva(s)? E que dirão os alérgicos dessas viradas de tempo?

Era a chuva que ameaçava voltar. Peguei um café em copo de plástico na Taberna Guaíra, que está em frente à porta de entrada do meu trabalho, e para essa porta voltei. Acendi um cigarro. Observei, estava ali para isso. Muitos celulares apressados, as pessoas pouco os ouviam devido as músicas dos carros eleitorais; funk melodies, sambas-enredo, chamadas de rádio anunciado o pretenso representante. Na esquina oposta apontou um homem que se destacou pelo tamanho, ou pela falta de tamanho.

O diminuto trajava casaco de moletom cinza, cobrindo a cabeça com o capuz que o casaco lhe oferecia. A mochila vermelha e a bermuda bege. Começa a futucar a lixeira de plástico laranja que estava atada ao poste. Concentrei-me ali.

Acha uma latinha de alumínio. Joga-a no chão a amassando com o pé; deixa-a ali retomando a busca. Um guarda-chuva é capturado por ele. Abre-o e percebe – ou percebo eu? – que o tecido preto está em boas condições, mas em sua maioria desprendido dos arames. Verifica as pontas e a flexibilidade das hastes. “Daria para consertar?”, penso eu por ele.

Não sei, pois ele começa a dobrar e redobrar incessantemente as hastes afim de, creio eu, no momento, arrancá-las. Será que, pergunto-me, ele faria uma adaptação no guarda-chuva, diminuindo o comprimento das hastes e, assim sendo, chegando ao diâmetro que protegesse seu reduzido corpo das vindouras chuvas? Viesse a chuva que ele não se umidecia.

As hastes, uma a uma, foram arrancadas e enfileiradas e dispostas do meio-fio ao asfalto. Descansavam ao lado da latinha. Avalia o guarda-chuva semi-desossado enquanto um jovem Justin Biba (não sei o sobrenome dele ainda) passa por ele tentando jogar um papel na lixeira. Permissão concedida. Abre o murcho guarda-chuva e o devolve à lixeira.

Na melhor atitude “serviço completo”, junta o feixe de hastes na mão, pega a latinha e, como se portasse tamborim e baqueta, percussionou três ou quatro repiques no alumínio e rumou para lá, zaticatá; para cá de volta, zaticatau , pá pá... Compunha sua batida. Foi batendo.

Teresópolis, 28 de setembro de 2010.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

DEMOCRACIA BRASILEIRA

Ouvi diversas opiniões demonstrando insatisfações iradas quanto ao processo eleitoral democrático em nosso país.

Excetuando as raivas e rancores personalíssimos contra candidatos e quanto à própria vida do opinante, o que, infelizmente, mudava um pouco o foco da discussão, mas não deixava de ser avaliado, muitas das conversas pessoais começavam pelo estarrecimento do interlocutor em descobrir que não seguia a linha de pensamento que ele imaginava que eu seguisse. Viva o estereótipo.

Foram de fontes muito variadas, chegando até a questionarem a democracia por excelência. As opiniões vieram, majoritariamente, de eleitores que viram Serra e Alckmin perderem as eleições para Lula, respectivamente, nas eleições de 2002 e 2006.Daqueles que têm uma série de medos. E muito embora o próprio Fernando Henrique Cardoso, recém ex-presidente de então, dissesse que a eleição de Lula fosse uma vitória da democracia, pipocavam o desejo declarado do retorno à ditadura militar.

Desnecessário explicar o que é democracia para os que aqui vêm. Desde de sua etimologia até as versões de democracia apresentadas à humanidade ao longo de nossa história, mediante os discursos ideológicos que camuflam autoritarismos e oligarquias, parece que cada um tem seu próprio conceito de democracia.

A emoção, o sentimento e o inconsciente, não têm muito lugar no discurso político, ou, melhor dizendo, quando se trata de política conforme é reportada pela imprensa, como uma seção e não como ciência ou arte. Falar de política ainda traz a ética, a moral, a missão pétrea e tenaz, o “tudo ou nada”, “ bem e mal”, como norteadores do discurso.

Uma análise de conjuntura, uma olhada no processo histórico, social e político do Brasil (e também da Iberoamerica) e uma reflexão sobre o sentimento de classe – ainda que a luta de classes seja desconsiderada em muitos discursos políticos atuais – não são ponto tomados como devida parte de uma dialética, para uma discussão. E embora fosse dialética, ainda faltariam ponderações sobre uma terceira ou quarta visão.

O interregno de 1985-89 foi capaz de nos dar uma constituição e uma eleição direta. Forma e matéria para uma democracia, ou seja, Constituição cidadã e eleições diretas baseadas na isonomia (todos podem votar, sendo o voto secreto, e são obrigados a comparecer às urnas [ponto para discussão]) e na isegoria, cada voto vale um. Neste espaço vejo que não caberá, porém, as discussões e as considerações sobre a cidadania da Constituição de 1988 e a transparência das Eleições de 89.

Eleito Collor, dois anos foram suficientes para que houvesse o impeachment, que pelo termo em inglês tem a aprovação da democracia estadunidense (o que ainda é bom lá parece ser para nós cá); assume o vice, Itamar Franco. Foi muito importante um vice assumir e terminar seu mandato.

Novas eleições e, pelo voto direto, democrático, FHC, na nova linha Social-Democrata (uns chamam de neoliberalismo) assume a presidência. Luta pela reeleição, emenda-se a Constituição, é reeleito. Emenda Constitucional no. 16 do Capítulo IV, art. 14, §5º.:
Art. 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:(...)

§ 5º - O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.
(redação da E.C. nº 16, de 04.06.97).

(texto anterior)§ 5º - São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito."

Nenhum golpe visível.

Continuando o processo democrático, Lula é eleito e reeleito nos pleitos sequentes. E no fim do mês de outubro deste ano, de novo, poderemos escolher o presidente, ou Dilma Roussef, ou José Serra; apesar do STF, apesar da imprensa que toma parte no processo eleitoral, apesar das alianças, apesar da... política.

Portanto, onde é que cabe a revolta sobre a democracia eleitoral brasileira? Será que a democracia só é válida se for o seu candidato o eleito?

Não gostar do que representam Lula, FHC, Dilma, Serra e qualquer candidato a nos representar é normalíssimo e há de ser divulgado sempre... numa democracia.

Petrópolis, 4 de outubro de 2010.

domingo, 26 de setembro de 2010

AÍ CONFUNDE O PESSOAL V

Cinismo pouco é bobagem. Seminários pelo mundo e pela história.

1) CLUBE MILITAR, RIO DE JANEIRO, 2010:
"A Democracia ameaçada: Restrições à Liberdade de Expressão"

2) PALÁCIO DE VERSALHES, FRANÇA, 1785:
“L’Etat est Nous: Êtes-Vous Connecté?” (O Estado é nóis, tá ligado?).

3) KREMLIN, MOSCOU, 1962:
“Desconstruindo as Barreiras Artificiais: A Valorização da Ambição e da Vontade do Ser Humano Enquanto Pessoa de Desejo pelo Mundo.

4) PENTÁGONO, SÉCULO XX (vinte), ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA :
“Mais vale a Liberdade de um Continente do que uma América Latina na mão dos outros - Cuba inclusa. Assuntos vários”.

domingo, 12 de setembro de 2010

FÓSSEIS RECENTES




Miraculosamente o ônibus Itaipava-Teresópolis conseguiu fazer seu trajeto no tempo médio. A BR-495, rodovia Philúvio Cerqueira Rodrigues, passa e passará por obras até 2012 e nela há vários pontos de “siga e pare”, nos quais se espera de 30 a 50 minutos. Naquela terça-feira, no entanto, coincidiu três placas SIGA surgirem assim que o ônibus chegou a elas; e apenas um passageiro entrou no meio da viagem, à altura da curva da ferradura.

Assim sendo, cheguei uma hora antes de meu compromisso, aula particular para meu primo. Ainda que a casa seja de família e que não haveria problema algum chegar bem adiantado, achei melhor aguardar na praça atrás da prefeitura, perto do local. Bebia água tônica, fumava e tentava escrever pontos para a aula de conversação em português para Signor Rinaldo, meu aluno italiano. Eis, pois, que passa minha prima, irmã da dona da casa e após meia dúzia de frases seguimos para a casa.

Lá chegando, estava meu aluno cavoucando, com afinco e com pá, as terras ao redor de um arbusto no jardim. Parei para falar com ele enquanto minha prima se dirigia para a casa.

- E aí, primo, beleza?

Ele se levantou, cumprimentou-me à moda hip hop ou gangsta’s stlye, e voltou ao seu labor. Ato contínuo, perguntei-lhe o que fazia.

- Tô procurando um peixe...

Tendo certeza da sanidade do garoto de 13 anos, sabia que faltavam ainda algumas informações a respeito daquela atividade. Todavia, resolvi fazer uma observação jocosa:

- Pô, cumpádi, aí não é o melhor lugar para se achar um peixe. Quem sabe num laguinho, ou até num aquário.

Seguramente ele havia feito uma experiência e colheria algum resultado naquele instante, mas quis levar a brincadeira adiante enquanto ele repunha a terra extraída.

- Continua aí, ainda não está na hora da aula. Mas preste atenção para o peixe não sair voando por aí.
(Uma comedinha ridícula não faz mal nessas horas)

Após alguns risos, perguntei o que realmente ele fazia.

- É que enterrei um peixe numa caixa de fósforo grande, primo. Aí quero ver os ossos dele.

- Boa, garoto. É para aula de Ciências?

- Não, é para mim mesmo, quero ver só. Vamos para aula logo.

- É claro, assim terminamos cedo.

Orgulho-me de pessoas que têm este espírito científico. O cara vai longe. E, terminada a aula, lá foi ele de novo, pazinha em punho, acocorado sob o arbusto, curtindo seu momento de arqueólogo.

- Há tempo ele está aí, primo?

- Ah, quase um ano!

- Semana que vem você mostra, ta?

- Tá bom.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

ENTREVISTA RADIOFÔNICA


ZYL QUATRO MEIA SETE, Rádio-ó-Pá FM, noventa e oito vírgula sete megahertz, a rádio que além de música passa a ti, caro ouvinte, um pouco da literatura mundial. Agora faremos as seis perguntas relativas ao gosto literário do ouvinte. Veremos quem está na linha. Está lá?
- Alou.
- Está lá?
- Tô aqui, mas pode falar.
- Falas tu, de onde falas pá?
- Do Brasil, estado do Rio de Janeiro.
- Ah ié, temos um brazuca na linha, honramo-nos por ter um ouvinte d’álem mar.
- A honra é toda minha.
- Então, tu já sabes do proceder de nosso programa? Temos seis perguntas relativas à literatura e esperamos que respondas sucintamente.
- Com certeza.
- Vá lá, pois, vamos à primeira pergunta: Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
- Fare quem?
- Fahrenheit 45. Não saindo dali, que livro querias ser?
- Eu, sendo um livro... bom... fico com Crime e Castigo, de Dostoievski. Raskholnikov tem um pouco de todos os seres humanos... Dom Quixote, por que não? São tantos... há o do Saramago...
- Excelente! Vemos que gostas de literatura universal. Contudo, vamos à segunda pergunta: Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem de ficção?
- Ficar como?
- Apanhadinho, apaixonado por alguma personagem de ficção?
- Apaixonado? Claro, né? Por várias. Capitu, ela é o que imaginamos de beleza. Mas fico, mesmo, com Marie Claire, do romance Dança Imóvel, do peruano Manuel Scorza, não só pela beleza, mas por suas questões em francês. Tem a Senhora de Renal..., Helena, como não? Depois de toda a guerra por causa dela; e aquela do El Túnel, de Ernesto Sábato, que...
- Muito bom, ora, temos um típico indeciso pelas paixões das divas literárias. Vamos, no entanto, à próxima pergunta: Qual foi o último livro que compraste?
-Ih... xô me lembrar... acho que foi o Nuestra América , do cubano José Martí. Um livro de poesias.
- Qual o último livro que leste?
- Édipo e o Excesso, mais uma vez, do insigne professor Gisálio Cerqueira Filho, meu eterno orientador e mentor.
- E que livros estás a ler?
- Os da mesa de cabeceira, ou os...
- O que estás a ler, ponto.
- Bom, leio dramas de Henrik Ibsen, acabei O Pato Selvagem e agora leio Romersholm.
- Que livros levarias para uma ilha deserta? Dê-nos cinco.
- Cinco, hum... xô vê: “A Servidão Humana”, de Somerset Maugham; “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann; “Escritos Filosóficos”, do Fernando Pessoa; "Memórias Póstumas de Brás Cubas", do Machado e "Jogo de Amarelinha", do Cortázar. É o que me vem à mente agora.
- Agradecemos vossa participação. Registramos todos suas respostas cá, aguardai na linha para que nossa equipe vos comunique as regras sobre como ganhar nossos prémios. Desde já, sabeis que podes vestir uma camisola da Rádio-ó-Pá FM noventa e oito vírgula sete megahertz, a rádio que além de música passa a ti, caro ouvinte, um pouco da literatura mundial... Em Lisboa, agora, faz 13 graus...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

AÍ CONFUNDE O PESSOAL IV



Caso 4
Bairro Valparaíso, Petrópolis-RJ, 1985 ou 86.

- Roseli, vai lá no açougue para mim e compra um quilo de lagarto redondo, por favor.

Mais uma vez a mãe pede para comprar esse bicho que provavelmente seria o almoço. O filho mais velho, com seus sete ou oito anos, pediu, tímido, autorização para acompanhar a empregada até o açougue e desvendar o mistério: Por que esse lagarto sempre chega embrulhado em um papel cinza ou pardo, sem as patas e o rabo? Nada a ver com os lagartos que conhecia até então e com gosto semelhante às carnes que, graças!, faziam parte das refeições da família. Graças também ao outro privilégio da família, o investimento no estudo. O estudo impediu o garoto de ir com a empregada doméstica.

- Posso ir também, mãe?
- Claro que não! Você já viu os desenhos na televisão e agora tem que acabar o dever de casa.

Ainda se tinha que fazer dever de casa na mesa da sala ou do quarto naquela época. Dever não feito, nada diferente seria feito senão ele, até a mãe tomar a lição. Roseli vai, Roseli volta, com um prêmio para os filhos: Uma garrafa de coca-cola de um litro. Os outros irmãos, mais novos, ainda não tinham deveres de casa para fazer a não ser algumas atividades lúdico-pedagógicas. A sorte do mais velho é que o dever era de Estudos Sociais, sua matéria predileta. A cidade Imperial e o estado do Rio sendo estudados.

A ida estratégica à cozinha, pela desculpa-necessidade de beber água, confirmou a mesma estrutura ordinária do lagarto redondo. Nada de escamas rajadas em verde e marrom, nada de línguas bipartidas nas pontas. Era um toco de carne vermelha, àquela altura sendo desembrulhada do plástico, que de coerência conotação/denotação, significado/significante, só mesmo o “redondo”.

Resignado, concentrou-se em findar o dever: Petrópolis fundada em 16 de março de 1843 por Júlio Frederico Köler, localizada na Serra da Estrela, principal rio o Piabanha, cidade residência de verão da Corte da capital do Império, colonização predominantemente alemã... Quase na hora do programa Manchete Esportiva, a mãe passa do corredor para a cozinha e avisa:

- Roseli, já assou a carne?
- Já, sim senhora.
- Então pode deixar na panela do molho, deixa em fogo branco, viu?
- Sim senhora.

Fogo branco não! De novo fogo branco era mencionado em matéria culinária. Um mistério adjacente ao do lagarto. Jamais viu um fogo branco, experiências próprias nas quais não houvera relação causa e efeito com o xixi na cama, pois, durante dias não fazia nenhuma faísca, mas a cama se molhava. Fogo azul, amarelo, vermelho, laranja. Branco, nunca.

Novamente na cozinha. Reparou nas panelas borbulhantes, bom aroma de temperos e condimentos diversos. Roseli foi à pia e o garoto aproveitou o fogão desocupado para dar uma inclinada no corpo, averiguar e sair vitorioso: o fogo era o azul de sempre que saía das bocas dos fogões. Realmente sua mãe não sabia diferenciar algumas tonalidades, logo ela, que lhe ensinara tanta coisa.

- Vou tomar a matéria, vem.

Saiu-se relativamente bem nas arguições iniciais de sua vida. Ironicamente, o lagarto redondo, fruto de suas inquietações, foi para a mesa e lhe salvara de demais perguntas. Em Matemática ou Português, suas piores matérias, não havia essa fortuna. Assistiu o esporte na TV e almoçou, concomitantemente. Hora de ir para o colégio.

Tempos depois, dúvida quanto ao réptil ainda latente, foi ao supermercado com o pai e o avô. Destravou-se de sua timidez e perguntou:

- Pai, por que o lagarto é vendido assim? Eles cortam e limpam antes para ficar mais bonito?

O pai deve ter rido, e se questionado "assim como?", embora o garoto não tenha percebido. Explicou-lhe que era uma parte do boizinho, que tem nomes diferentes do que pareciam ser.

- Patinho também não é pato, né?

- Isso mesmo, filho.

O avô também estava com eles. Enquanto o pai foi até o avô conversar algo, o garoto ficou na fila do açougue, lendo curioso os nomes das partes das carnes que não querem dizer aquilo que gostariam de dizer.

Pai e avô chegaram à fila e o garoto ainda tinha uma pergunta na manga:

- Mas a costela se parece muito com costela mesmo!

OBS: quanto ao fogo branco, descobriu sozinho, mais tarde, que era brando. E daí foi ao dicionário.

16 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

AÍ CONFUNDE O PESSOAL III

Caso 3





Botafogo, Rio de Janeiro - RJ. Dez para as oito da noite. Verão.

O filho, 36 anos, recebe em seu apartamento a visita do pai, 63. Conversam à mesa da sala. Descascam amendoins cozidos - com casca - bebem caipirinha e cerveja.

Depois do chacoalhar das chaves e do estrondo da porta se abrindo, percebeu-se um vulto em preto e branco listrado. Passou da cozinha para o corredor. E também da cozinha se ouve a porta fechar e a empregada empurrando a bicicleta para a área de serviço.

- Selene, tá tudo bem com o Gustavinho? – Pergunta o filho à empregada.
- Está sim Dr. Leandro. Boa noite, Sr. Ivair. Tá sim, ele estava discutindo co’s amigo depois que de andar uma volta de bicicleta. Todo mundo saiu rindo da cara dele, Aí, Dr. Leandro, eu perguntei o que aconteceu mas ele só panhô a bicicleta e saiu correndo co’ela nas mão. Tive que correr pra acompanhar o menino. Não entendi nada do que lê me explicou. E depois...

Selene ainda dava algumas informações, tratando o idioma do melhor modo que podia, quando pai e filho se entreolhavam. O consenso foi ver o que Gustavinho fazia.

No quarto, avô e pai dos respectivo neto se assomaram à porta. O garoto, suado, havia jogado a camisa do Botafogo na cama e correra para o computador. O pai se aproximou ao garoto, agora mais sereno.

- O que houve, Gustavo?
- Quero provar para aqueles babacas que o Garrincha também foi um grande correndo de bicicleta – e continuou em concentrada pesquisa, teclando e olhando o monitor – qual era o nome dele vô, Mané?
- Sim, Gu, é o apelido de Manuel. O nome dele é Manuel Francisco dos Santos.
- Não, ora, Gustavinho...
- Shh! - O avô pediu silêncio ao filho e com a palma da mão e o semblante sugeriu que deixasse o garoto se aprofundar na pesquisa.
- O Garrincha não foi campeão de bicicleta também, vô? Não foi, pai?
- Não sei filho, acho que não. Até agora só sei que foi campeão de futebol pelo Botafogo e pelo Brasil, um dos maiores jogadores que tivemos.
- Pesquisa aí, garoto. Depois você fala para a gente o que achou. - Completou o avô.

Voltando à sala:
- Mas, pai, por que não falamos logo que Mané foi jogador de futebol?
- Deixa ele pesquisar, vai ser bom para ele perceber que nem sempre o nome de alguma coisa homenageia quem contribuiu para tal coisa.
- Só que ele tem só 9 anos...

A mulher chegou do trabalho, deixou a empregada ir para casa, falou com marido e sogro, tomou banhou, mandou o filho sair “desse” computador e fazer alguma coisa que prestasse.
- Não achei nada do que eu queria e ainda me confundi mais. É só o nome da Ciclovia, mas por quê?

Risos, saudáveis risos acolhedores. A explicações vieram, elucidaram-se algumas questões, piadas. Entretanto:

- Tá bom, pai, tá bom vô? Mas em que times jogaram Marechal Rondon e João Saldanha? Eles também são nome de ciclovia.

27 de julho de 2010.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

AÍ CONFUNDE O PESSOAL II


Caso 2

São Paulo-Capital, mano. Qualquer hora, qualquer dia, porque a cidade não pa(á)ra, tá ligado?

- Não, meu, desacredito! Vamos para lá agora, o Dezão vai ficar louco quando souber disso!

Expliquemos que isso tudo foi verdade verdadeira. Thalita bateu na porta do apê de seu primo, Patrick, para dizer que, finalmente, sim. Sim, ela faria uma tatuagem. O Dezão é o tatuador, artista, mais firmeza da Galeria do Rock, no Centro, perto do Anhangabaú, para quem não conhece. Para lá foram. Patrick ainda está incrédulo:

- Que isso Thá?, tipo, tudo que eu queria, prima! E vai ser daquele lôko lá que você falou, o que escrevia benzão e que o pessoal achava que ele era várias personalidades?
- Ele mesmo. Mas, tipo, não era bem assim que Fernando Pessoa era conhecido. Lembra que eu te falei dos heterônimos?
- Heterônimos... só! Achei que era de hormônio, você é farmacêutica, né, aí fiz a ligação, tá ligado?
- Depois te explico, o elevador chegou, vamos, já chamei o táxi.
- Tem o modelo aí, Thalita?
- Claro, está na bolsa. Do Pessoa e dos heterônimos.

A tatuagem seria de uma famosa caricatura d’O Poeta

Durante o percurso, Patrick cintilava a felicidade no semblante. Brilhava mais que tinta fluorescente de sua última tatuagem, até então a décima-oitava. Thalita jamais negara a possibilidade de ter uma tatuagem, só não sabia o por quê. Patrick não sabia se falava da tatuagem ou de Fernando Pessoa.

- Curti muito aquele churras que a gente conversou sobre altas coisas, inclusive sobre o Pessoa. Não entendi muito bem, mas foi super maneiro aquele poema dele sobre tomar porrada.
- Poema em linha reta. Quem nunca tomou porrada, né?
- Isso, muito da hora! Todo mundo já levou a sua.

Terminavam a Avenida do Estado; era só pegar a Senador Queiroz e já seguir pela 24 de maio. “Não eu pago”, “Imagina”, “Sem essa, vai”. Alguém pagou a corrida e seguiram para o estúdio do Dezão.

Dezão tem dois e dois de altura, 30 anos de tatuagem, e luta caratê e boxe tailandês: e é gente boa. Nada mais se sabe sobre ele; nem Patrick, seu amigo e freguês. Com a chegada de Patrick ele parou o serviço. Estava fazendo um grou no deltóide de um japonês, pediu-lhe para esperar e atendeu ao amigo. Thalita foi apresentada, ela mostrou o desenho e Dezão falou... para o japonês:

-Aí japa, espera lá fora que tenho um serviço de emergência.

Thalita mostrou a panturrilha - ali seria a tatuagem - e, depois de perguntar se ia doer, falou que queria, depois, mais outras tatuagens, mas que ela faria o desenho para ele.

- Calminha, Thalita, uma coisa de cada vez.

Dezão pegou nova pistola nova agulha, tinta preta. Olhou o desenho, olhou a cara de Thalita, olhou a panturrilha, passou os produtos químicos de asseio no local, pousou a caricatura de Fernando Pessoa no cavalete apropriado e começou. Patrick esfregava as mãos, falava pouco.

- É fácil o desenho, né Dezão?
- Filha, - semblante mais sério que Thalita já viu - toda a arte, é fácil quando se tem sentimento e amor. O amor pela arte que vai determinar se é fácil ou não.

Refletiram. Desenhava. Thalita falou um pouco com o primo.

- Então, Patrick, aí as outras figuras quero fazer aqui e aqui também.
- Só, três é um bom número.

Dezão olhou meio assim para aquele papo. Terminou o esboço. Melhor até que o original. Marcou outro dia para reforçar os contornos, o pagamento seria com a obra terminada. Pensava em chamar o japonês de volta.

Thalita, na despedida, começou a falar das futuras tatuagens. Seria assim, seria daquele jeito, poderia ser assim. Dezão, porém, achava se tratar do mesmo desenho. Não fez mal em perguntar:

- Ô moça, me desculpe, mas você gosta mesmo do Santos Dumont, hein! Tanta tatuagem de um cara só!

29 de julho de 2010.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

AÍ CONFUNDE O PESSOAL

Caso 1
Teresópolis-RJ, quase sete da noite, estrelas no céu. Sexta-feira.


A Praça Olímpica Luís de Camões, em Teresópolis, é ladeada pelas duas principais avenidas da cidade, a José Joaquim de Araújo Regadas e a Lúcio Meira. Entretanto, uma é chamada de Parque a outra de Reta. Na região serrana fluminense, avenida mesmo só a Rua do Imperador, em Petrópolis.

Em um bar da Avenida-Parque Regadas, as sabedorias pairavam entre o som do DVD de uma dupla sertaneja. Mesas na calçada, balcão lotado de garrafas, pratos, fregueses e cervejas; cachaças e traçados também. Um dos fregueses lança uma pergunta aos demais amigos e a quem quisesse ouvir:

- Ô, aê! Esse Luís de Camões, o da Praça, quantas medalhas ele ganhou para o Brasil?
- Ih, agora você me pegou. Qual era o esporte dele? – divaga, o primeiro.
- Acho que era natação, da época do Djan Madruga - busca na memória, o segundo.
- Rômulo Arantes, disso eu lembro - auxilia, o terceiro.

Um “isso!” uníssono de concordância. Mas a dúvida estava apenas no início de seu processo de esclarecimento, se é que se esclareceria.

- E o Guga (hic) também, ganhou medalha...

Desconsideraram essa afirmativa porque ela veio de um “eternamente bebum”, conhecido pela incoerente e desrespeitosa alcunha de Mumu.

- Ele não foi do judô? - Continuou um - Carregou até a bandeira do Brasil na abertura das Olimpíadas.
- Não, isso não tem nada a ver. Foi do atletismo, do revezamento, se estou bem lembrado.
- Agora vocês estão de brincadeira! Não vamos nos confundir.
- É, daqui a pouco o Feijó chega, da Previdência, e acaba com a dúvida. Aquele sabe das coisas. Tá quase na hora dele chegar.
- Tudo bem, mas se me permitem tenho uma dúvida maior ainda: Luis de Camões não era português, não?
- E para quê que a prefeitura iria homenagear um atleta português?
- Deixa de ser burro! Aqui tem a Casa de Portugal, que tem quadra de tênis, poliesportivo...

Silêncio.

- E... vai, continua.
- Ué! Vocês não sabem que o esporte...
- Olha o Feijó aí!
- Fala Feijó!

Feijó é daqueles que não precisa fazer seu pedido quando chega ao bar, a este, especificamente. Abriram-lhe espaço no balcão e já chegava meia dose de Catuaba, meia de Contini e meia da Mineira do barril. Tudo calculado, bem dosado matematicamente do jeito que se calcula os tributos dos contribuintes. Outro copo para a cerveja. O semblante do sábio.

- Feijó, é o seguinte, dois pontos - fez o sinal das aspas no ar - Luís de Camões ganhou alguma medalha para o Brasil nas Olimpíadas?
- E o Guga também!
- Cala a boca Mumu! - Outro uníssono.


Cuspiu o primeiro gole de seu rabo-de-galo. Gargalhada seguida de uma balançada negativa da cabeça. Olhou misericordioso para seus adoráveis amigos ignorantes, os quais, diante da cena, já se arrependiam de ter começado tal assunto, não perdoando a burrice deles próprios.

- Vocês beberam o quê? Estão alucinógenos? É por causa do nome da praça, né? Tudo bem. Isso foi um erro da prefeitura.
- Por quê? Explica pra gente!
- Veja bem, primeiro: Luís de Camões não era brasileiro.
- Não falei?
- Não falei? É português!
- Isso mesmo! Ele era português, alguma coisa vocês sabem. E, segundo, vírgula, não tem nada a ver com Olimpíadas. Ele foi da brilhante seleção portuguesa da Copa de 66, junto com Eusébio, o... Manuel, o... bom, vocês não vão saber.
- E o Guga também!

Veio um meio silêncio, alguns “Ahn, ah, agora sim”.

- Foi campeão?
- Não, só pelo Lusíadas Futebol Clube, o time que ele jogava na década de 60 e 70, do grande técnico Sebastiãozinho. Ganhou a liga nacional não me lembro bem em que ano...
- Já ouvi falar nesse Lusíadas! Tem até livro!
- Livro?
- É sim, tem até livro sobre esse time. Quando eu trabalhava na Casa de Portugal, o pessoal ficava lendo lá no salão, monte de gente reunida.
- Viu só, como não estou errado!
- Sempre certo, Feijó! Esse pessoal do futebol, quando termina a carreira vai logo lançando livro de escritos.
- Mas, Feijó, ele ainda está vivo?
- Claro que não, - respondeu o outro - onde já se viu praça, rua avenida com nome de vivo?
- Ah, eu conheço uma, não é bem rua, mas...

A discussão descambou para outro tema. Só Mumu que não mudou o assunto.

- E o Guga também!

28 de julho de 2010.

Nota do Zelador: Pesquisar sobre o grande escritor Luís de Camões.

terça-feira, 27 de julho de 2010

CRIANDO POSTAGEM

Foi o que me pediram aqui, neste novo espaço: “Você ainda não criou nenhuma postagem. Crie uma agora!” Não sei fazer isso, então, escreverei e publicarei.

Topei com Sebastião Sintra, semblante preocupado. Entrava em sua casa.

- Ei Tião!
- Ê, menino! Indo ou vindo?
- Vindo de lá e indo para casa, mas cá estou para um cumprimento.
- Lecionou aula boa hoje?
- Assim, assim, Sr. Sintra. Me falaram muito mal do Park, irmão do Kim.
- Ih... é coisa antiga.

Senhor Sebastião Sintra, douto dos livros, das folhas e da vida, até onde ele sabe; com toda a humildade. Sabe que a coisa de Park e Kim não é boa faz tempo. Pediu-me para esperar um pouco, uma vez que demonstrei tempo para sua prosa, costume meu. Foi para dentro da casa, voltou, já sem seu paletó. Garrafa térmica, duas xícaras de louça esmaltada; café feito por Professora Ondina, de piano e canto, sua esposa.

- Vamos sentar aqui mesmo, não é todo dia que se tem uma lua bonita dessa.

Só assim percebi a lua. Deitei minha pasta em cima do muro e nos sentamos nos degraus; ele no mais de cima, eu no mais debaixo.

- Suba mais. Aí onde está fica longe para eu lhe servir o café e você para escutar com atenção. É caso, menino, é caso antigo, dos tempos que a família era unida. A família Minguk. Mas falaram do Park o quê?

Ritualmente puxou seu cigarro ativando sua atenção.

- Falaram que Park só não está morto porque sua arma de ataque é muito potente. Ele faz ouvido mouco para os vizinhos e para todos os outros; e ainda implica seriamente com o irmão, o Kim. Este já avisou que da próxima...
- Arma de ataque de um, ameaça de outro. Provocações.

Ele continuou centrado no café e no cigarro, sinal que queria o desenvolvimento da minha narrativa.

- Disseram que Park anda com más companhias, é do contra, sempre foi o garoto problema. Eu falei, calma com o pensar!, olha o lado dele. Mas insistiam, com raiva, que tinham logo que dar um jeito nele. E com isso o coitado é o Kim, homem de boa índole, dizem, aquele que sabe o que é decente para o ser humano, para a vida em comunidade; está chegando ao seu limite e já vai agir, reagir, pedindo ajuda dos vizinhos e de outros.
- É, menino, a coisa só podia dar nisso. Fiquei sabendo do que falaram desses dois e também dessas gentes com quem os dois andam; com quem, de certa forma todos nós andamos. O ódio, no entanto, está maior.
- Me falaram com tanta convicção que quase acreditei em tudo?
- Pior, isso é só ideia falada sem reflexão, nem ideia é, é opinião dos outros que entram na mente de gente que nem sabe o que aconteceu antes. E quem é que pergunta, quem é que duvida? Foi trauma forte. E agora, para tentarem curar, fica difícil... se é que “curar” é a palavra.
- Conte então, Tião!
- Bom pois, deixe-me ver se resumo: Kim e Park tinham pai e mãe e eram muito unidos, tanto os pais como os irmãos. Seus pais eram invejados e os vizinhos cresceram o olho e as espadas para a casa e as terrinhas deles. Por quê?, você me pergunta. Por ganância, que mais? A ganância faz tudo ser invejável. Dois de seus vizinhos - Seu Zungó do lado esquerdo e Seu Nirrom do lado direito, decidiram que o cantinho da família dos Minguk tinha que ser de um deles. Foi quando seus pais foram mortos. E Kim e Park, muito pequenos, perderam a referência. Ficaram os dois, sozinhos mas unidos, tentando resistência àquela primeira violação. Prevaleceu a força de Seu Nirrom; e Seu Zungó foi procurar polêmica e outras bandas. Tiveram que usar até a camisa que o vizinho invasor lhe obrigava, além de outras atrocidades; submissão econômica, física e emocional. Entende bem as atrocidades, não?
- Sim.
- Então, pois. A pobre-rica casa deles, já no suposto da dominação, não era mais tão interessante para Seu Nirrom. Os dois irmãos ali abandonados, vulneráveis, sofridos e humilhados, não tinham como oferecer qualquer revide. Seu Nirrom, incontrolável, quis mais do que lhe pudesse ser bastante. Foram além-mar para conquistar as ilhas e praias arrabaldes. Entrou em celeuma com Seu Ivan, vizinho de cima. Mais tempo de atitudes assim e Seu Nirrom começou a querer ir bem para o outro lado, mexer em terreno de Mr. Ussam.
- Quanto problema!
- Ainda tem mais, pode escutar: aí Park e Kim não eram mais meninos. E quando se cresce num ambiente desses, as ideias se divergem apesar do foco ser o mesmo: a volta da casa aos seus próprios domínios. Liberdade. Contudo, voltar ao que era, depois de tanto trauma, fica quase impossível. Com Seu Nirrom longe ficaria, na teoria, mas fácil deles recuperarem o que era seu.

Sebastião Sintra respirou forte. Pediu mais um café para ajudar no resto do assunto.

- O que era coisa de vizinhos tomou proporção larga, lá para outros cantos. O conflito era geral, pode até se dizer uma guerra. Seu Nirrom, para derrotar Mr. Ussam, foi receber apoio moral de Herr Hans e de Seu Giovanni. Mr. Ussam, por sua vez, também entrou nessa apoiado e apoiando Sir Jack e Messiê Jean, que também se ajuntaram ao Seu Ivan. Nesse quiprocó até Seu Zé Feb participou, ele mesmo! Depois a gente fala das razões disso tudo, vamos ficar com o problema dos Minguk, coitados.
- Pois é, minha cabeça demora para juntar as coisas.
- Moral da História, que é quase começo de outra: essa arma potente que Park tem hoje é filha mais forte da que Mr. Ussam usou contra Seu Nirrom. E no então decretou o fim daqueles combates, perdendo também Herr Hans e Seu Giovanni, por outras causas mais. Messiê Jean e Sir Jack estavam com suas casas destruídas, mas por empréstimo de Mr. Ussam, conseguiram um processo de reconstrução. E Seu Ivan, que ninguém dava muita trela, mas que estava também nesse time, desejou dominar outras localidades, como recompensa de seu esforço. Bom pois, em encontro na casa de Herr Hans, o grande perdedor, os derrotadores resolveram dividir os terrenos entre eles. Prevaleceram Ussam e Ivan, dois de ideologias contrárias, mas que dominavam as armas mais fortes. Foi aí que lembraram da casa dos Minguk, que não tinha mais o domínio do devastado Seu Nirrom, e traçaram uma divisão na casa dos irmãos Park e Kim.
- Outro trauma, outra separação!
- E eles ainda estavam sobre o impacto anterior. Só que a casa deles foi dividida entre Seu Ivan, a parte de cima para onde foi levado Park, e Mr. Ussam, a parte debaixo, tendo Kim como seu súdito. Separados, foram forçados a reinventar seus comportamentos. Depois ainda volta Seu Zangó para uma espécie de adoção de Park.

A lua ficou mais alta, Professora Ondina gritou lá de dentro, foi até a porta e me cumprimentou.

- Estamos terminando, meu bem, já vou entrar.

E Sebastião Sintra pôs-se a uma conclusão:

- Então, menino, Kim e Park começaram a se comportar à maneira de seus novos dominadores. Maneiras igualmente destruidoras. Como o sintoma, Park herdou a arma e ela está em suas mãos; Kim, que tem a possibilidade de usar essa arma por meio de Mr. Ussam. Alguns têm essa arma por aí, mas uns parecem que podem ter e outros parecem que não podem. Logo, você vê se o Park usará arma de ataque ou de defesa. E pensa sobre Kim, coitado, que nem se pode dizer que tem opinião própria. Isso tudo tende a explicar alguma coisa, porém não justifica. Brigam agora por culpa de quem? E eu já os vi por aí juntos, sem animosidade nenhuma, mas com semblantes tristes em risos frouxos.

Armazenei a conversa, terminei a xícara, peguei a pasta e subi a ladeira para casa.

- Muito obrigado Tião. O café estava ótimo!

27 de julho de 2010.