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...de repente, o que está aqui lhe apetece.

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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ERROS DE DIGITAÇÃO E SUAS POSSIBILIDADES SEMÂNTICAS




Seuquência em vez de sequência

- Ê Seu Quência! Tudo bom?
- Bom dia, meu fío, tudo jóia contigo, né?
- Tudo... E aí? Vai lá hoje?
- Que posso fazer? É o jeito... hoje teremos coisa nova lá, um samba que fiz para minha primeira namorada.
- Ih, Seu Quência, então é coisa boa!
- E muito velha, meu fío! Muito velha...
- Xô ir lá que já tô atrasado, Seu Quência, fica bem.
- Vai com Deus, vai lá pros seus estudos...

Compedia em vez de comédia

Como é de nosso conhecimento, a região da Compedia, atual interseção da Romênia, Hungria e Sérvia, foi um dos grandes centros comercias e culturais da Antiguidade, solenemente esquecido pelos historiadores gregos e também preterida pelos romanos. Entretanto, com as descobertas atuais do Departamento de Arqueologia da Universidade Hartsford Halerover, da Inglaterra, em convênio com a Universidade Nacional de Timisoara, da Romênia, emergiu-se uma série de recintos semelhantes, porém mais antigos, às grandes termas e piscinas que faziam parte do dia-a-dia da nobreza romana. E, veja bem, Timisoara é a terra natal do grande medalhista olímpico da era moderna (1924, Paris/1928, Amsterdã), Johnny Weissemuller, o Tarzan dos cinemas. Donde, assim, podemos ter indícios de que os ditos “incivilizados” já sabiam nadar bem e conviver com símios...

A~e em vez de aê (interjeição evocativa)

Sendo, pois A~e, C pode significar tanto o log de 18, em si, quando a potência de (4y.x) dentro de sua própria dicotomia concreta, for, aproximadamente a sua noção de posição no Real. A=e não implica a negação da equação supracitada; todavia, não deve ser entendida como uma razão real-abstrata de tudo aquilo que nós, professor e alunos (sem esquecer das alunas) conversamos no Bar do Lopes, antes da apresentação do samba do Seu Quência, nosso velho conhecido. Vocês lembram?

Itaipava, 27 de dezembro 2011.

domingo, 13 de novembro de 2011

PASSOS TRANSEUNTES




Em uma rua central de uma cidade periférica, um homem de bigodes caminha para sua casa: um apartamento no segundo andar de um edifício simples e antigo, controlando os passos como se o ar fosse rarefeito, ainda que ao nível do mar. Acabara de vir de uma consulta médica a qual muito resistia e que seu plano de saúde, precário mas caro, podia arcar. Descobriu ter o pulmão direito avariado pelo fumo. - Por que só o direito e por que não mostrara o defeito, digo, a doença, através das tosses ou das respirações forçadas? - tão forçadas e meticulosas como as de agora. No pequeno átrio do edifício, causa estranheza ao porteiro por ter sido cumprimentado celeremente pelo morador, incomum atitude de vezes anteriores.

O porteiro cumprira seu expediente e recebera parte de seu salário, a parte que o completava. Desce os dois degraus da entrada em apenas um salto e desmesuradamente trota pela calçada ocupando-se de separar as notas. Parte da féria vai ao bolso para as compras da casa e para a conta de luz, sempre um mês atrasada. A outra parte caberia à sua cachaça que, no bar mais próximo, pede-a junto com um refresco de maracujá. Durante o apoio no balcão, passaria algumas horas tentando gastar somente o reservado para seu luxo distraindo-se com as opiniões sobre seu time – tanto o da cidade de adoção quanto da cidade natal – que muitas vezes discordavam das visões do senhor de chapéu e camisa listrada. Visões estas que não as veria.

Este estava para findar suas doses de conhaque barato e uma garrafa de água tônica. Enquanto estava no balcão, não desgrudava os olhos de seu telefone celular, respeitosamente pousado à sua direita, alternando com a rápida averiguada nas notícias de um jornal popular que o bar gentilmente deixava à disposição dos fregueses mais assíduos. Estava calado e preocupado. As notícias, antes comentadas com exaustão, não passavam de confirmações de suas opiniões. Tentou se divertir com os quadrinhos e as manchetes frívolas da vida artística alheia, mas até essas não lhe despertaram nada. Um gole do conhaque, o último, seu celular toca e recebe as informações. Deixa o consumido para ser pago depois e corre para um orelhão porque nem quem o telefonara pode gastar muitos minutos do celular dele e nem o do senhor de chapéu e camisa listrada pode fazer ligações por causa dos créditos acabados. Apressado, arrastando os pés em passos curtos, chega ao orelhão e espera a moça estudante terminar sua chamada.

Antes de deixar livre o aparelho público – de maneira rápida – a moça estudante prende seus lisos cabelos em forma de coque firmando-os com uma caneta esferográfica, pega sua pasta do apoio do telefone, joga o cartão para dentro da pasta e, em seguida, a segura contra o peito. Espécie de proteção. Recusa o agradecimento-elogio do senhor de camisa listrada e chapéu. Anda olhando para baixo em marcha acelerada, parecia ir até à esquina. Raramente levanta os olhos senão para evitar um esbarrão. Durante o percurso, recebe galanteios oriundos do bar e de umas janelas, bem como é vítima de olhares de transeuntes criminosos. De uma dupla desatenta e pedestres, que ocupava toda a calçada, um pouco mais a frente, houve de desviar-se fazendo careta; destruindo sua beleza e deflagrando seu estado emocional. Desacelera e levanta a cabeça para a direita a fim de ver as roupas à mostra refletida em uma vitrine ordinária de uma loja antiga. Detém-se uns segundos com as pernas em entrepasso, os cabelos se soltam acidentalmente ocupando-a de outro dever e, logo, torna a seu percurso. Antes da esquina há um ponto de ônibus e ali se estanca. Ela refuga um vale-transporte que lhe é oferecido por um jovem de camiseta azul, alegando que não pegará ônibus algum. Decerto não, pois enquanto o jovem ainda oferecia o mesmo aos outros, ela entra no carro que acabara de parar em frente ao ponto, este guiado por alguém não identificado.

O jovem de camiseta azul continua a oferecer vale-transporte em troca de seu valor em dinheiro a cada um que chega ao ponto de ônibus. Parte de seu salário é composto por estes vales que vêm em quantidade maior que sua necessidade de se locomover pela cidade. Até porque estava em vias de conseguir um carro, bem usado, é verdade, mas seria dele em uma oportunidade de ouro, um ouro que ainda lhe faltava. Conseguiu “vender” um bom número, talvez. Foram-lhe solidários e, mais uma vez, verdade seja dita, não custa nada comprar vales-transportes e não necessita deles. Mantém-se na espreita à espera de novos compradores em potencial. Em quase meia hora, de tanto andar para lá e para cá no pequeno espaço do ponto, poderia ter percorrido uns três quilômetros. Parecia um tanto ansioso, talvez não tivesse chegado à sua cota desejada. Viu-se isso quando quis vender um vale a uma velhinha que saíra pela porta da frente do ônibus. Ademais, ela é isenta de pagar tarifa de passagem, ou seja, tem passe livre.

Ela toma a rua carregando toda a dificuldade que a avançada idade lhe atribui, além de um pequeno embrulho. Vai no passo que lhe convém, nenhuma variação aparente. Apesar de inclinada para baixo, levanta astutamente seus olhos para evitar esbarrões. Uma lentidão que pode incomodar os apressados. Somente uma vez verificou se o embrulho estava bem fechado. Vai que ele se abre de repente!, esses papéis de hoje em dia não valem nada. Da última vez foi cebola para tudo quanto é lado, sorte que acontecera na frente do edifício, o mesmo edifício simples e velho, onde ela agora chegou. Não vê porteiro algum que lhe auxilie. Vai por si mesma à porta do elevador. Pesada, abre-a com dificuldade e aperta o 2. No embrulho, está um nebulizador que pedira emprestado a uma amiga coetânea, pois percebera que seu filho tossia muito nas últimas semanas e, teimosa, torcia muito para que ele tivesse ido ao médico. Pode ser que o nebulizador lhe a ajude a se curar. Quem atende a porta, depois de tosses, é um senhor de bigodes.

Petrópolis 2004 - revisado em 13 de novembro de 2011.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

SE




Do Novum Organum, de Francis Bacon, a Teoria dos Ídolos foi a que mais me apeteceu. Não só na obra do grande pensador, como em todo o Empirismo.

Destaco que, no Idola Tribus, o ídolo só é ídolo se for o seu. Ou seja, se aquele é seu ídolo, ele só o é se se corresponder com aquilo que você o acha que é. Fora disso, nada ou ninguém (ídolo) é.

Num banheiro do aeroporto Santos Dumont, aliviava minha bexiga quando vi um cara que chegava rapidamente a se aliviar em um dos mictórios. Ruivo, meio calvo. Ninguém mais, ninguém menos que Nando Reis. Eu gosto muito do trabalho dele, tanto nos Titãs quanto no trabalho dele mesmo. Isso era por volta de 2002. Urinávamos. Ao fim de nossa função fisiológica, cumprimentei-o com um gesto de cabeça. Do tipo: Fala mermão. (Eu me achando também um “ídolo). Ele retribuiu. Agreguei: “Gosto muito de seu trabalho, tanto nos Titãs como na carreira solo”. Muito obrigado, ele respondeu. Cada um lavou as suas mãos (em trabalho solo) e nos despedimos.

(Mas por que tô falando isso mesmo? Ah! Por causa dos ídolos. Pois bem)


Eu e um grande amigo, no pacato bairro de Nogueira, em Petrópolis, decidimos variar um pouco a nossa vida e... beber cerveja. Não sei se o dia era especial, mas queríamos beber cerveja. Discutimos quanto ao número das caixas de cerveja. E, depois de bebermos certa qualtidade, tivemos que comprar mais (caixas de cerveja). Fomos a uma padaria-delicatesem (= a muito dinheiro). Ainda não anoitecia.

Naquela contagem de dinheiro – já dentro do estabelecimento, para ver o quanto poderíamos gastar e continuar ouvindo nosso rock, reggae e punk – um barulho de carro antigo dominou o bairro. E logo parou. Não ligamos tanto para isso. Entretanto, no meio dos cálculos, surge um baixinho, negro, cabelos dreadlock; afoito e simpático. Conversando com todos os 3 ou 4 (fora os donos), que lá estavam. O novo freguês chegou ao balcão, comprou umas empadas. Partiu, assim como chegara.

Eu e meu amigo nos entreolhamos. Meu amigo quase a gargalhar e eu a não entender o porquê das iminentes gargalhadas. Até que percebi.

Djavan, O ídolo

Depois de nos cumprimentar, se foi. E nós, enquanto levávamos as cervejas para o carro, lamentamos pela humanidade.

“Quantos gostariam de estar em nosso lugar agora...”

Petrópolis, algum dia da década de 2000.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

FINDO O LABIRINTO



Agora é simples...

Mas é atividade que ainda há de se pensar, de se concentrar; de não poder dar bobeira.

Esquina da Alberto Torres com a Judith de Paula alguma coisa ou de alguma coisa de Paula. A rua não importa em certas localidades porque aquela é a rua do Hospital. Que hospital?, podem perguntar. “Do São José”, respondem, porque o outro, ora bolas!? é o HCT. Virou ali, atravessou o sinal, já está lá, basta esperar e ver a entrada. Entrada de pedestres; Pedestrian Entry (para quem, porventura, quiser falar ou já falar a língua de lá).

Sobe o caminho, em forma de ladeira em pedregulhos, sem escadaria, a fim de facilitar a vida dos que não conseguem dar os passos. Vê-se os resquícios das obras que ainda modernizam a instituição da Saúde, e logo se está na cantina. “Café com leite... isso média, na xícara. Pão de queijo já saiu? Então, um misto. Como é misto em inglês? Ih, não sei, mas se falar ham and cheese acho que entendem. Sanduíche é sanduíche mesmo, basta falar diferente.”

Vira-se para as entradas principais, sendo que, ignora-se as duas primeiras à direita – não confudir! Parecem uma, mas são duas. RECEPÇÃO 2. Mais para lá é a Emergência, não necessária no então. Assim, entra-se à direita, pronto: cadeiras para a espera dos visitantes. À direita se dispõem as cabines das operadoras de telefonia, à esquerda o balcão dos que controlam o ir e vir dos que ali visitam, a não ser o “Ah! É você, professor?”
- Oooopa, tudo bom? Ó, o meu crachá, hein? Cadê? Se não o pessoal me barra.

Coisa que não aconteceu e nem acontecerá mais, espera-se.

Pouco mais adiante, a porta de entrada – que do lado de dentro, ao abri-la, está escrito SAÍDA. Sobe-se o primeiro e único lance de escadas que se descobre e se chega a um patamar. Direita? Não! Para lá é a capela e outras coisas. Segue-se, pois, para a esquerda, passa dois corrimões que medeiam dois pequenos lances de degraus para se estancar em um mero hall. Aquele elevador, à direita e que não mais está em manutenção, é a referência. Olha para ele e depois mais para a direita (não se iluda com as placas que informam PEDIATRIA B, ADMINISTRAÇÃO e outros), percebe-se a mudança de arquitetura (uma arquitetura ainda idealizada por Dédalo). Avança-se.

As rampas à esquerda podem iludir. Contudo, direito e reto para a direita, ainda que não se creia que se encontre uma rampa em declive ali. Cheiro de higienização e refeitório, é por ali mesmo. Haverá outra bifurcação. Na soleira, acima, está escrito, sobre um fundo amarelo fluorescente: TETO BAIXO. É suficiente, depois de ler esse aviso, virar a direita, depois à esquerda. E lá se chega ao auditório. Dali para dar a aula aos queridos alunos é questão de minutos. E também outra narrativa, deliciosa narrativa.

Simples agora, mas antes...

Teresópolis, 22 de agosto de 2011.

sábado, 6 de agosto de 2011

IRA




Acho que faltou o artigo definido ali no título. Falarei da ira, do pecado capital. Seria melhor A Ira, para não confundirmos com o Exército Republicano Irlandês ou com a banda IRA!, que também renderiam bons temas.

Desfiaram a ira contra mim. Não muitas vezes, mas em número considerável para que eu notasse o semblante de ódio, rancor e até de iminente vingança do ou da atendente de lanchonete quando eu recuso o refresco ou qualquer bebida que supostamente acompanharia meu salgado ou sanduíche. Lançam-me um tsc aspirado, de enfado e revolta contra as idiossincrasias da humanidade do hoje-em-dia atual.

Uma vez, não faz tanto tempo assim, após recusar o líquido, recebi uma chance de mudar minha ideia, de reconsiderar as coisas, pois a moça estava com o predicado da tolerância ativo.
- Não vai beber nada? Tá na promoção...

Recusei de maneira simpática, como não seria diferente, com sorriso; e ela, devolvendo o copo ao escorredor da pia, catapultava-me ares de deboche e lamento misericordioso.

Entretanto, a ocasião na qual me senti mais ameaçado foi numa movimentada padaria na Mariz e Barros, na Tijuca, não sei se na esquina com a Ibituruna ou Campos Sales. Muitos concursandos para o Instituto Rio Branco escolheram aquele estabelecimento.

Assomei-me ao balcão, olhei a vitrine e, antes de escolher, Maximilian Schell, saiu do Dossiê Odessa para me servir na Tijuca. Se não era ele não sei mais quem poderia ser. Esperava ele meu pedido:
- De que é este pastel de forno?
- Frango.
- Me vê um, por favor?
- Vai beber o quê?
- Nada.

Por trás daqueles óculos, entre aquelas rugas, atirou-se-me vetores munidos de uma ira jamais presenciada por mim. Durou alguns átimos até ele mudar a face: amarelou o sorriso surgido, buscou algumas gotas de pachorra, fingiu que não me ouviu e sugeriu:

- Laranja com acerola... abacaxi com hortelã... guaraná natural? Hein?
- Nada não, amigo, muito obrigado. Só o salgado mesmo.
- Um e cinquenta. Tem que pagá no caixa antes.

Quando recebi minha provisão, jogada em uma liteira de guardanapo ordinário e untoso, a cara do Maximilian Schell era de um sôfrego consentimento. Demonstrou a decepção diante da estupidez e ignorância, que ainda se abatem sobre a maioria dos seres humanos.

Teresópolis, 3 de agosto de 2011.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

MEA CULPA MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA




Adoráveis e pacientes leitores, devo explicações para este mais-de-mês sem publicações. É que... não, não há desculpas. Apesar dos trabalhos e das poucas vezes que estive diante de um computador, eu poderia ter publicado algo, decente ou não, e visitado os outros blogs que tanto gosto.

Peço perdão, inclusive aos leitores acidentais, que procuram no Google coisas sobre máquinas de cortar grama, Tchaikovisky, Djs, Vangelis, se Lauro Corona era primo de Cazuza etc. Mas nada encontram senão alguns textos sobre o nada a ver com nada. São eles russos, estadunidenses, portugueses... perdão.

Contudo, não me privei das criações, que estão muito bem registradas nos meus Moleskines e até nos status "feicebuquianos". Preparo algumas histórias sobre a curiosidade científica das crianças e sua relação com a política, no sentido de ver até onde vai o limite de poder dos pais ou de suas referências familiares. É claro que essas pesquisas me levaram ao meu próprio passado.

Um caso posso até por aqui, agora:

Na calçada, durante o intervalo, vejo duas mulheres e um carrinho de bebê (com uma criança de dois anos nele) querendo atravessar a rua fora da faixa. Eu me preocupei, pois elas atravessaram sem preocupações a única preocupação veio da mulher que parecia ser a mãe. Ao chegarem perto do meio-fio, a mãe inclina o carrinho para subir na calçada, bem perto de mim. Olhava para as duas e para a criança. Uma delas alerta:

- Gustavo! Não joga essa bola, viu?

Quem viu fui eu, ela chegando no meu pé esquerdo, uma bola de plástico, imitando a utilizada na Copa de 1970. Tentei fazer uma embaixadinha, mas achei melhor pegá-la com a mão e devolver... devolver a quem? Ao Gustavo, ou à mãe?

- Obrigado moço. - ela me disse, já com o brinquedo do filho na mão. Entregou-a para a outra mulher. Ainda pude ouvir:

- Agora você só vai brincar lá em casa!

E não sei se o Gustavo ficou triste, revoltado ou indiferente. Essas (nós) crianças! Tsc tsc.

Belo Horizonte, 15 de julho de 2011.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

CONTO



TATUAGENS

Eu gosto de tatuagens. Há pessoas que ficam muito bem com elas. Coisa da humanidade, das antiqüíssimas da humanidade; coisa séria, religiosa. Um ritual. A tatuagem nos remete aos nossos indeléveis primórdios. Gosto disso.

Após um dia do congresso em Florianópolis, fui convidado a ir para a casa da amiga de uma garota que conheci na palestra de um grande diretor de teatro. A dona da casa foi se arrumar, pois sairíamos para um bar da antiga Desterro, acho que Boteco da Ilha.

Não sei como começou o assunto-título desta narrativa. Como não tenho intenção de fazer tatuagem, apenas ouvia a roda da conversa, observando seus oradores e, obviamente, bebendo minha cerveja em uma caneca, enquanto esperávamos a moça se arrumar.

Mantinha-me em meu tipo de timidez, pois não conhecia o pessoal direito. Ainda mais não sendo de Santa Catarina... vai que uma gíria minha mal interpretada criasse uma celeuma. O problema foi que, por ser uma espécie de árbitro neutro, vez por outra (me) pediam a opinião do “carioca”.

Uma das quatro louras (eu ia dizer “uma loura”, mas em Santa Catarina, devemos especificar), a que tinha dreadlocks, disse que faria Shiva, nas costas. Com as mãos tentou, mais ou menos, nos mostrar onde. Bem, tomando por referência a coluna, ela queria que Shiva fosse estampado da vértebra cervical 3 até a lombar 2, ou seja, para nós leigos, do cangote ao lombo, passando por todas as torácicas. Haja braços e pernas para a entidade hindu! Eu ia sugerir Ganesh, um elefante tinha mais a ver com ela, mas não estava para maldades.

O jovem que estava ao meu lado, gente boa toda a vida, mostrou a tatuagem dele, no bíceps direito, MUV. Movimento Uniformemente Variado? Não. As iniciais de seu nome. Nome que não soube porque ele só era chamado de Jacaré. Virou meu camarada.

— Brother, a letra (tipo) é maneiraça, mas você podia botar um jacaré também. Um calango, quem sabe.
— Já pensei, velho, mas o problema é que não tenho ideia de qual vai ser a terceira (tatuagem). Tem que ter três, né?
— Sei disso, em número ímpar.
— Só...
Uma loura, a loura menos loura, entrou no assunto mostrando duas: um anjo, ou anja, num dos tornozelos e, jogando os cabelos para frente, surgiu um duende.
— Duende não! Gnomo! — Corrigiu-nos, contrariada e com certa seriedade.
Pensei em perguntar sobre a terceira, se a houvesse, mas preferi não brincar. Jacaré, meu companheiro de copo, por ter mais intimidade com a loura menos loura, perguntou-lhe risonho:
— E a terceira? Não vai mostrar?
— Essa só o Adriano pode ver, seu tosco!

Usando minha brilhante sagacidade, antecipei-me ao pensar que só o Adriano, seu namorado, sabe o que está tatuado lá, na virilha, o local oculto. Tudo suposição.
Deixemos esta verdade para lá, até porque, a loura que estava em minha companhia nos mostrou a dela. Era um desenho tribal, circulando seu calcanhar. Não tinha visto aquilo durante o evento onde nos conhecemos.
— E você carioca? — Surge a pergunta.

Queria desconversar. Gaguejei um pouco, enrolei e fui salvo pela quarta e última loura, a que tinha o namorado a tiracolo.

No braço dela: Matheus, escrito em itálico. Uma estrelinha no calcanhar e uma bruxinha no cangote, que foi exibida rapidamente. Será que o Matheus gostaria daquela bruxinha ali? Matheus, porém, é o nome do filho e não do namorado dela. Ainda bem que não abri o bico. Muito menos o namorado a tiracolo, sempre soturno. Mais tímido que eu, mas conhecido do pessoal.

Em vão esperei o momento dele falar; era, também, um não-tatuado, como eu. Depois dessa, não teve jeito. Chegava a vez do intruso que lhes conta este encontro de congressistas. “Agora fala, carioca”.
— Pô, galera, não tenho nenhuma. Acho maneiro, curto quem gosta disso, mas não pretendo fazer nenhuma.
- Ah! Fala... tudo bem, mas se você fosse fazer uma qual faria? – perguntou-me minha amiga.
- Diz aê, "cumpádi" – insistiu Jacaré, arrastando a voz, zoando meu sotaque de maneira que fiquei mais confortável.
- Bom, nobres barrigas-verdes, eu nem queria falar, mas já que insistem...
Ouvi alguns rumores, "gente, olha como ele fala", "muito figura". Senti-me num palanque de comédia, ou num tribunal. Criavam uma expectativa besta; eu com certa vergonha.
— ... mas já que insistem. Eu poria no meu braço uma caneca de chope, parecida com esta aqui – dei um gole – só que cheia. E debaixo do sovaco, uma perereca pulando uma haste de um junco, assim, ela toda no ar e o junco se envergando após receber o impulso do anfíbio. O simbolismo pode ser evidente.

Das quatro louras, duas entenderam e riram: a que me levou para lá e a dos dreadlocks. As outras riram em respeito, os dois caras acharam muito doido.
— E a terceira? — Alguém perguntou.
— Aí é demais, nem pensei nisso, mas é a tradição, então, não vou traí-la. Acho que escreveria algo em grego, num dos antebraços...

Eles gostaram e começaram a pensar numa frase maneira, ou apenas uma palavra: Sófos? Muita pretensão: Dérma? Pô, tatuagem já é na pele, e ainda escrevo ali o nome do órgão! Demos? Também não, a Igreja pode confundir; Ah, Énos! O vinho, mas se já tinha uma cerveja...

— Que se dane, depois eu penso nisso! — Falei em tom amistoso, conforme o clima.
E Jacaré fecha o cenho, pensativo. Procura copos vazios para preenchê-los, acha o de uma loura, a minha caneca e as preenche de cerveja. Após o silêncio ele se manifesta:
— Velho, essa seria uma boa frase para tatuar em alfabeto grego. Um "que se dane", ou um palavrão qualquer.
— Pois é, disse a loura menos loura, ia ficar legal. O que será que os gregos diziam quando estavam brigando?
— Será que eles falavam palavrão? — A loura com namorado, que não é o Matheus, porque Matheus é o filho dela, enfatizava a dúvida.
— Claro! — Responde a que estava comigo. Eu complemento:
— Falavam, como todos os seres humanos. Só não escreviam... bem, não sei... Quem garante que Aristófanes não xingou Sócrates de sacripanta? Sacripanta parece muito com um xingamento vindo do grego clássico.
E Jacaré, ainda meditabundo, como se voltasse à Academia ou ao Liceu da Grécia Antiga, diz:
— Falavam sim! Imagina os espartanos, deviam soltar os palavrões... Mas outro xingamento bom seria energúmeno.
— Não, não! Isso é latim!

Foi a única vez que o namorado da loura mãe do Matheus se manifestou com veemência.

Depois do silêncio, o grupo de pensadores teve o assunto cortado. A dona da casa chegou, a amiga da loura que estava comigo, única morena, alheia às risadas que se seguiram após o silêncio.
Fomos ao bar e não toquei mais no assunto “tatuagem”, porque pode terminar em filosofia de calão.

Teresópolis, 18 de abril de 2008. Revisitado em junho de 2011.

terça-feira, 31 de maio de 2011

ESCRACHANDO GERAL




Pedi uma latinha e fechei a conta, pois não daria tempo de terminar outra garrafa. Mantive, desse modo, a tradição da saideira em número ímpar e permaneci em um balcão anexo. Executei uma panorâmica no ambiente: na outra ponta do balcão principal, quatro amigos tiravam zerinho-o-um para ver quem era o sacrificado que ficaria seco; quatro amigas lanchavam numa mesa, um casal bebia em outra.

Voltei, então, ao meu discurso. Sim, eu elaborava mentalmente alguma coisa de uma palestra vindoura e também a misturava com futuras aulas para o segundo semestre. Sem dúvida-com certeza, eu era o louco do bar. Inclusive com linguagem corporal e gestos, parecia uma grande apresentação para um selecionado e exigente público.

Duas meninas saem de uma mesa e vão ao dono do bar. Apesar de terem passado bem próximas a mim, não atrapalharam meu desempenho a não ser, segundos mais tarde, com a frase gritada por uma delas para o dono do bar:
— ... foi pulando a cerca.
E a amiga completou:
— Aí ela ficou assim. Viu? Foi fazer besteira, coisa que não sabe.

Isso mesmo que vocês leram e que eu ouvi: a moça declarando que pulou a cerca, para o dono do bar e para quem quisesse ou não ouvir.

Quem sou eu para julgar o relacionamento de alguém que jamais encontrei? Mas acho que essas declarações poderiam ficar no âmbito das confissões secretas. Ou também não, vai que ela precisasse disso para se libertar. Entretanto, se eu a vir de novo, de mão dada com o companheiro, ficarei na dúvida se é o corn..., o namorado oficial ou o objeto que habita o outro lado da cerca.

Não estão nem aí para as repercussões de seus relacionamentos e, ainda por cima (ou por baixo, de lado etc), arrumam comparsas.

Fiquei prestando atenção para ver até onde iriam as declarações públicas da moça. Até o dono do bar estava impressionado.
— Mostra aí. — Falou a comparsa.

O que ela mostraria? A foto do cara, ou do namorado?

A moça levanta parte de sua calça mostrando o tornozelo e a canela, tudo arranhado, bem como parte da mão direita e do antebraço. Como assim? Ainda foi algo bem selvagem, amaram-se como dois animais, já dizia Alceu Valença.

— Nunca mais faço isso! Pior que nem precisava, porque o portão era pertinho, mas eu não enxerguei. Era só andar mais um pouquinho e passava pelo portão.
— Uhahaha, muito sem jeito ela! Não sabe nem andar direito e vai pular cerca.

Bem, eu devo analisar melhor a literalidade de algumas expressões... ou não ouvir mais as conversas dos outros.

Petrópolis, 9 de julho de 2008.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

IN CONCERT


- Estou cá com aquela proposta que lhe falei lá no Congresso.

- Show.

- Você pode usar aquelas ideias que a gente discutiu no bar do Santana, onde chegamos a conclusão que não tínhamos bebido nada. É só usar as partes que destacamos naquele guardanapo escrito com Bic.

- Show.

- Foi muito interessante você citar Guy de Maupassant, quando o pessoal falava sobre Ópera do Malandro. Chico Buarque e literatura francesa; aquele papo que a gente teve lá na Praça XV daquela outra vez.

- Show.

- E, veja bem, pode incluir aí aquela questão do “Colar de Pérolas”, também do Maupassant. Lembra?

- Show.

- E aí começamos o debate – deixa que eu deixo a deixa – sobre "O Imaginário" e o Nó Burromeano, de Lacan...

- Show.

- E depois a gente chama a galera - com certeza vai ter gente lá - e engata na zoeira, tomar umas cervejas, naquele botequinho; sabe “colé”?

- Show.

- E então vai ter um show lá ou só vai rolar um Dji-Djêi.

- Aí num sei...

Itaipava, 19 de maio de 2011.

terça-feira, 3 de maio de 2011

UM DIA DE MALHAÇÃO




Conrada Jackie, fez meia hora de corrida e depois engatou numa aula de localizada, na Academia Spetacular. Convenceu, inclusive, a sua amiga, a Ju Barbosa a fazer uma aula também. As duas a-ma-ram-u!

Ubirajilson (com jota) já chegou aquecido, porque quis ir dando uma corridinha - de leve - até à Acadimia Maromba Cumpádi. Fez peitoral e deltóides. Conseguiu “zerar” a puxada invertida, o primeiro a fazê-lo. Disse que foi meio-sinistro.

Liane e Cauê, namorados, chegaram juntos à Gym Session, onde malham. Ela fez Spinning, ele ficou na ergométrica por uma hora e quinze, pois passava na TV o filme do Harry Potter. Depois de beberem um suco de acerola com laranja, relaxaram na aula de Street Dance, porque o professor de Boxe faltou... o professor de boxe da Liane.

Vander não foi à Academia Rocky Balboa porque teve que fazer “plantão perto de casa”, carregando os tijolos que chegaram para a obra da casa de sua tia. Entretanto, ele considerou aquilo um bom exercício.

Onofrinho, coitado, está muito temeroso em comprar aquelas "bombas" que alguns lhe oferecem na Academia Power Up. Mas seu coração bate mais rápido quando vê a garotinha do colan azul-marinho (viu na ficha dela que se chama Carolina) fazendo sertanejo-funk-aeróbica, e acha que as "bombas" podem lhe ajudar a conquistá-la. Vive neste impasse enquanto não aguenta levantar os mesmos pesos "da galera". Calma Onofrinho!

Thiago Quintella de Mattos, fez bíceps e tríceps (mais os direitos que os esquerdos) intensivo na Viação Autobus. Primeiro indo de Itaipava para o Centro em um ônibus lotado e, segundo, voltando do Centro para Itaipava em ônibus idem. Quase deslocou os ombros em uma freada repentina e, em uma curva feita em alta velocidade, cotovelou a nuca de um possível aluno da Acadimia Maromba Cumpádi ou da Rocky Balboa. Teve sorte do suposto aluno estar de boníssimo humor. Considerou tal dia o "dia de sorte".

Itaipava, 2 de maio de 2011.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O HOMEM DA JANELA




Observar os outros nas janelas dos apartamentos defronte: uma das mais eficazes fontes de textos. Enquanto estava no Rio, provavelmente para uma prova no dia seguinte, essa foi minha inspiração.

Haja vista, todo mundo que escreve vive uma situação dessa, entretanto, seria diferente. EU faria o papel de motivação para um escritor que estivesse de bobeira em uma das janelas da Barata Ribeiro, em Copacabana.

Tirei a camisa, o que já é um medonho espetáculo à parte; pus o descanso de copo para depositar a latinha de cerveja; joguei alguns livros na mesa para fingir que estudava. A cerveja foi para o copo e de lá para a goela; acendi um fedorento (cigarro indonésio de cravo) e empestei o quarto e os apartamentos vizinhos com aquela marola.

Fui à janela... hum... ninguém se manifestando para me ver até que, depois de dois minutos e duas tragadas, percebi tosses compulsivas na janela ao lado. Uma velhinha já passava mal com a fumaça. Achei melhor parar. Vai que a velha empacota, onde ficaria o meu remorso?

Escolhi um CD, Rolling Stones. Peguei a guitarra de minha prima e me empolguei com Keith Richards e Mick Jagger. Começaria uma bizarra apresentação. Jumpin’ Jack Flash.

Percebi que a guitarra conectada no amplificador atrapalhava a música (não sei porquê, poxa) e simulei os acordes de Richards como ele nunca-jamais se disporia a tocar; depois, descansei-a no seu devido local de repouso e comecei a dançar como Jagger. Start Me Up. Quase igual! Dei outra baforada e um gole, pois não ouvia mais as tosses da velhinha - deve ter ido descansar dentro do banheiro dela.

Ao me virar, num destes passos, vejo minha tia e meu primo, assoados à porta. Eles estavam na tentativa de conter as gargalhadas, com semblantes de incredulidade no que os olhos deles presenciavam. Finda a música, um clamor de “para com isso, menino!” de minha tia e a liberação do riso de meu primo. Desliguei o CD e pus na rádio Antena 1. Comecei a ler algo somente para distração, fingindo ser um intelectual.

- Pode deixar que vou parar com este barulho, tia.

Pronto. Quem gosta de escrever sobre coisas surreais teve a grande oportunidade. Quem ler ou ouvir história semelhante por aí, já sabe que tem é o protagonista.

PS: A velha ainda vive, não se preocupem.

Petrópolis, 2004. Revisado em 2011.

sábado, 2 de abril de 2011

SABE O QUE É, DOUTOR? II


ESQUIZOFRENIA LITERÁRIA

- Mas para ser verdadeiro quanto ao título disto que prestes contarei, digo-lhe, moço, que nem sei se é dessa tal de esquizofrenia que aclaro ao senhor, senhor sabe? Sabe - é coisa esquisita, esquizofrênica. Senhor, que é doutor, avalia, não avalia? Há-de se lembrar tão-bem quanto eu mesmo me alembro que isso começou com Dom Quixote, passou pelo coitado de Raskolnikov, até o dia que lhe cheguei aqui falando castelhano rioplatense, sem nunca jamais não tido lido uma linha sequer da língua de Cervantes e muito menos do jeito de escrever de Cortázar.

Sei que atravessaram tempos que cá não dava minha fuça à vista, mas não se recorda nem um pocadinho de meus problemas? Concordo... é praxe tratar de muitos dom-quixotes, lampiões, napoleões e napoleãs. Já teve alguma Emma Bovary aqui? Ah, desculpe, sei que sou eu que tenho que falar, não o senhor a me responder vãnilidades, sei muito bem eu! Viver é entrar em um moinho de margem do Guadalquivir ou de outra margem do São Francisco e ser cuspido para a bacia do Prata, esperando nau para Europa... na terceira margem - e Sertão, que é todo aqui e ali?

Pode fumar aqui, doutor? Melhor não? - ah pode? Então, se-me-dê licença... puuff, obrigado. Que o lhe digo que consegui sonhar que ouvia aulas e leituras de Guimarães Rosa; saltava, depois, pelas ruas a falar com todos que queriam ou não queriam me ouvir que ouvia Joãozito ler Grande Sertão: Veredas, de um pequeno palanque, acima de e para um grupo. Aquilo era coisa mais normal do mundo, que, ao cabo da palestra – que não era a primeira e nem a última porque me apresentaria no dia seguinte para seguir o seminário – despedi-me de Guimarães Rosa conforme sempre fizera em não sei que vida senão de minha idilice onírica, senhor doutor, que sabe, deve saber tal qual aquele do charuto ali, que está em sua estante. Acordei lamentuirioso, lassidão decepcionativa.

E no café, antes de tomar o dia de trabalho, imagine cara de Ana ao saber que comecei a falar desta decepção que lhe narro narrrativamente, até meu cachorro estranhou, sem nem em vir para mim quando lhe acoei o nome. Joguei um pãozinho e o Alcântara – meu cão – nem chegou perto, parecia ter panefobia. Pãozinho, pãezinhães, lançam as opiniães.

Sorte que me lancei sem alvorecer um inseto, tal o tcheco de escrita alemã. Não é coisa do Souza, do que-não-se-ri, do Some-aparece, do Mattos, do Quintella, do Thiago? Não é mesmo, é? E não deve haver de ser. Que olhar é esse doutor?, assim perco fiança de entender o que me passa se, o que me passou por causa destes que me meto a ler e entrunhar no nem-sei-quê que eles querem nos dizer. São obras que me marcam e marcam minha lingüística, insignificando os significados mais significantes. Coisa inútil,sei. Senhor sabe bem. Doutor, doutor.

Sei que o tempo acaba de começar a acabar, mas é que tenho aula de inglês, aula a lecionar, e meus alunos receberão um texto de Ernest Hemingway... e se gostam disso, ô, considere que gostam muito! Falei demais, falando em Hemingway, gosto de ouvir. - Somos todos aprendizes de uma arte que nunca ninguém se torna mestre, Ponha aspas no que falei porque é de Ernest, velho de mar. ... Joãozito, velho de açude e rio, Rio de Novembro triste e imortal, também me disse que, - ponha outras aspas – Professor é aquele que, de repente, aprende.

Doutor, doutor, fale alguma coisa... lhe devo quanto: senhor sabe?

Niterói, 31 de março de 2011.

quarta-feira, 23 de março de 2011

SEM O DESTINO ENTENDIDO




Se não foi a segunda, no máximo a terceira vez que visitava minha namorada em Belo Horizonte. Iríamos à Pampulha não para ver o jogo do Galo, pois no primeiro, único e possivelmente o último jogo do Galo que assisti no Mineirão, o Grêmio aplicou-lhe uma esquisita goleada de 4x0. Desse modo, num instinto de auto-proibição preventiva, por amor à minha pele, orientei-me a não mais ir ao Mineirão por tempo indeterminado; e meus cunhados agradecem. Fui, no entanto, para o aniversário da namorada do meu cunhado. Outubro de 2008.

Domingo de céu azul sem ser o azul do Cruzeiro – nada contra o time, tudo a favor de minha vida. Às 23h59 – como constava no bilhete - daquele dia eu embarcaria no ônibus ultra-parador para Petrópolis.

A peixada era o tema da festa: casquinha de siri e moqueca como atrações principais. O que destaco é que foi a primeira vez que brindei um copo de cerveja com meu sogro. Um pequeno episódio para a humanidade, um grande marco para mim.

Por consideração aos leitores que não estiveram lá, não descreverei a delícia do almoço. A cerveja estava a uma temperatura indecente e, de quebra, pudemos desfrutar de picolés de frutas exclusivamente nacionais.

Infelizmente, depois da natural gula, tive que dar um tempo na cerveja. Anunciava-se o crepúsculo em vermelho Vila Nova de Nova Lima. Os últimos raios esbarravam no verde América Mineiro de algumas folhas das árvores. A tardezinha de domingo que chama o sono. Eu lutava contra ele. Não dormiria e, muito menos, ficaria bodado (de bode) num canto. Meu cunhado abre uma cerveja, e nela fui! Celinha Braga, a mãe da aniversariante, pega o viola e chama mais duas ou três moças.

Abre-se um caderno de partituras e letras, surge outro instrumento, elas se juntam. E vem a música. Sabia, pelos quadros na casa e pelas histórias, da arte da anfitriã. Começaram a cantar, a tocar... com aquela humildade mineira de achar que o supremo é algo bem simples, sô! A música, as vozes, o cenário; abracei minha namorada – que inacreditavelmente deixou de lado a câmera fotográfica e veio se juntar a mim – e inadvertidamente saíram-me lágrimas. Que surpresa aquele som, ali, na minha frente, nos meus ouvidos. A boa música brasileira!

Acabada (por quê?) a demonstração, voltava ao mundo real, que, naquele momento era muito bom. Mesas e pessoas juntas, cervejas, conversas, risos, sons de CDs. Diminuía na cerveja porque não dava para ir tão rápido, culpa da peixada. Imperceptível, a noite chegou junto com a lembrança de ter que viajar naquele dia, saco! “Vamos embora, né? Tá na hora.” e despedidas.

Ainda com resquícios de êxtase, entrei no carro e relaxei, pensando no bom domingo que tive. Encostei a cabeça no espaldar e ouvi de meu sogro, ao som de Johnny Lee Hooker:

- Bom, ainda está um pouco cedo, vamos tomar uma cerveja no Easy Rider?

Uma injeção de adrenalina, de felicidade infinita! Caramba, será que não foi suficiente a tarde? Uau, isso mesmo mesmo sogrão, vamos lá... uma saideira no Easy Rider! “Demoro, já é!”, pensei.

Excelente nome para um bar. Olha, sinceridade, nem sabia que BH nos proporcionaria um bar rock, aos domingos, sendo indicado pelo meu sogro. Comemorei sozinho, com punhos cerrados como se acabasse de fazer um gol. Depois, esfreguei discretamente as mãos ao mesmo tempo que imaginava entrar no bar com minha sogra.

A decoração apresentando a frente de uma Harley Davidson. Quatro mesas de sinuca... poxa, será que rolaria uma partidinha? Eu e minha sogra contra minha namorada e o pai dela, sinucão tradicional. A long–neck na mesa ou na beirada da mesa de sinuca. Se não houvesse uma bandinha ao vivo, o som seria um Buddy Guy, Free, Deep Purple... Pearl Jam. Aí né?, a gente comentaria sobre o dia, sobre o aniversário da namorada do meu cunhado, ligaria para o próprio. Comentaríamos as músicas, faríamos piadas inventaríamos a história do bilhar, confundiríamos a banda ou a música; eu pagaria uma de Paul Newman em “A Cor do Dinheiro”. Deve ser demais tomar uma cervejinha no Easy Rider, ademais nessa conjuntura.

- Acho que aqui tá bom para estacionar, pai. – Disse minha namorada, quando diminuíamos a velocidade na Professor Morais.
- É sim, filha, vou por o carro mais para lá.
- Até que nem está tão lotado.
- Que bom tomar um SORVETE no EASY ICE. – Falei e pensei. Mudei o esquema, mas gostava mesmo assim. Que mal faria um sorvete, viajaria mais tranqüilo e daria aquela dose necessária de doce post mangatuim!

Na sorveteria Easy Ice, só escolhi três sabores, sem aquelas caldas todas, pois gosto de sentir o gosto dos pistache, do de banana caramelada e, acho que de tangerina. Alguma castanha ou amendoim, talvez.

Itaipava, 22 de março de 2011.

domingo, 20 de março de 2011

CURTAS SOBRE LONGAS




Celso Horikawa, o Chorik, proprietário desse blog, é um dos escritores que conheci recentemente. Seus escritos me marcaram tanto que começamos uma boa amizade literária, juntamente com outro grande poeta Akira Yamasaki, dono desse blog aqui Celso nos sugere a simples tarefa de elencar os 15 maiores filmes que um cidadão comum jamais esqueceria. À cada lida nesta lista abaixo percebo uma centena de filmes que esqueci, era parte, porém, da brincadeira.

Decidi me redesafiar. Comentar em pouquíssimas palavras as minhas escolhas. O que me agrava na situação é ter uma infinita coleção de filmes; um histórico ambiente familiar onde os grandes filmes e diretores entravam nas conversas desde que éramos moleques e, de quebra, ser filho poeta e letrista (meu pai), de bacharela em Letras e artista plástica (minha mãe): irmão de desenhista e artista e de um ator em potencial. Primo de uma cineasta e atriz, primo de ator, bisneto de maestro, neto de música. Essa galera toda que lida com a arte e que são meus próximos.

Chorik, aceitei mais este desafio. Vamos lá!

1 - Deus e o Diabo na Terra do Sol - Glauber Rocha – 1964
O sombrio necessário para entender nossa vida, que sofre coriscos frequentes.

2 - Encontrando Forrester - Gus Van Sant – 2000
“Para escrever alguma coisa, comece a escrever, isso vá, vá escrevendo.”

3 - Grito de Liberdade - Richard Attenborough – 1987
Vi esse filme recém lançado, em VHS, motivado pela música e clipe de Peter Gabriel, Steve Biko. Começava a entender a geopolítica do Caos aos 9 anos.

4 - Trilogia do Poderoso Chefão - Mario Puzo e Francis Ford Copolla - 1972, 1974, 1990
Se me dispus a falar, eu falo: falta um pouco de moral e respeito na vida como vemos na trilogia de Copolla e Puzo.

5 - Ran - Akira Kurosawa – 1985
Quer maior tapa na cara no estereótipo padrão ocidental do que Shakespeare revisitado e abrilhantado por um gênio do, dito, oriente extremo?

6 - Nascido para Matar - Stanley Kubrick – 1987
Demonstração da política de genocídio da terra da liberdade.

7 - Apocalipse Now - Francis Ford Coppola – 1979
Joseph Conrad já falou por mim: “o horror, o horror!” É o fim, bonito amigo.

8 - O Exército de Brancaleone - Mario Monicelli – 1966
Perche longo è lo camino, ma grande è la meta!

9 - Noites Brancas - Lucchino Visconti – 1957
Como assim? Um italiano dirigindo outro italiano e uma alemã que falava italiano sem saber bem a língua. Visconti adapta uma obra do Velho Dasta, de São Petersburgo para Veneza, e a gente chora, se angustia, torce para o mocinho e lamenta a realidade.

10 - O Sétimo Selo - Ingmar Bergman – 1956
Ludibriar e desafiar a coisa mais certa do mundo; e ainda fazê-la titubear. Não falo mais nada.

11 - Manhattan - Woody Allen – 1979
Nós podemos nos demitir de nosso trabalho, mas nunca de nosso amor.

12 - Amores BrutosAlejandro Gonzáles Iñárritu – 1999
Cada um tem sua vida, pendejo! Mas jamais pense que as outras vidas não sejam suas também, cabrón!

13 – 2001: Uma Odisséia no Espaço - Stanley Kubrick - 1968
“Hal... Hal... computadorzinho querido, amigo, por favor... abra essa porta. Eu toco Strauss de novo, você gosta de Strauss, né?” Por sorte a humanidade ainda podia desligar a sua criação mais moderna.

14 - Papillon - Franklin J. Schaffner – 1973
O verdadeiro valor à liberdade.

15 - O Segredo dos Seus Olhos - Juan José Campanella - 2009
É que eu ainda acho que o acusado e condenado não era quem foi. Mas até agora, meu pensamento não valeu 'una reverenda mierda!'

Itaipava, 20 de março de 2011.

segunda-feira, 14 de março de 2011

TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA




Voltando de Niterói, um amigo meu me deixou na Leopoldina, cruzei as passarelas da Francisco Bicalho correndo, olhando o relógio, suando, mirando a rodoviária Novo Rio e ofegando. Tudo isso para pegar o ônibus que sairia às 14h00 para Petrópolis, onde, em junho de 2006, morava. No guichê, o próximo “carro” era o das 15h00. Sai da rodoviária, comprei dos vendedores de rua a água que gela nos isopores que circundam o local; voltei e esperei nos bancos das plataformas.

Não me lembro o por quê de minha pressa, mas me recordo bem que lia “As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov, e fazia anotações. Na época, bolsista e com muita leitura para a dissertação do mestrado, analisava o teatro intimista dos escandinavos e de Tchekhov. Política, família e emoção. Poder e suas relações de força. Tinha uma hora para gastar lá.

Daquela parte da rodoviária do Rio partem os ônibus que vão para o sul flumimense, Santos, Petrópolis, Costa Verde (Paraty, Mangaratiba, Angra dos Reis) e Teresópolis. Logo mais à direita, em outra plataforma, saem os ônibus para o litoral baiano e Goiânia. Neste dia, como já disse, iria para Petrópolis.

A área em frente aos ônibus para a Costa Verde é abarrotada de turistas que querem se aventurar em Ilha Grande, muitos deles para ativarem o lado Crusoé que está latente em toda a humanidade. Eu lia os diálogos de Olga, Maria e Irina, as irmãs de Andrei Prosorov quando uma voz exaltada chamou a atenção de alguns:

- Não sabe ler, não? Vai ali na frente do ônibus e que você vai ver para onde o ônibus vai!

Com uma delicadeza Neanderthal, o estúpido que gritou expulsou um jovem louro, de chinelos, bermuda, mochila com garrafa d’água nas laterais e uma camiseta branca estampada com a figura de uma praia carioca. Perplexo e possivelmente envergonhado, ele veio em minha direção e, por gestos, mostrava-me o bilhete da passagem. Assim, larguei o livro e proferi meu inglês bobmarleyiano de Trenchtown, oferecendo ajuda.

O jovem era alemão. Só queria saber se o destino dele estava certo porque ele queria ir para Ilha Grande, mas ali estava escrito Angra dos Reis. Expliquei-lhe tudo que não lhe explicaram no guichê. Conversamos sobre a região, embora eu não tenha ido à Ilha Grande, mas Paraty onde já estive, também mereceria uma visita, coisa que ele faria também. Ele me ofereceu um cigarro, Malrboro, onde no verso estava o aviso: Rauchen tötet, fumar mata, ou algo que o valha. Ele fez algumas anotações no caderno, daquilo que lhe narrava.

Fiz um comentário sobre como a vida é injusta. Ele, da terra onde estava bombando a Copa do Mundo, onde, na minha cabeça, todos deveriam estar, principalmente os alemães que já estavam lá. Mas justamente por haver a Copa lá é que ele viajou porque a cidade onde ele mora ficava perto de uma das sedes, logo, ela estava insuportavelmente lotada. Acho que a cidade era Nuremberg.

Quando o ônibus dele se aprontava para partir, ele me perguntou o que o Neanderthal (talvez alguns Neanderthais fossem mais gentis) lhe dissera. Expus-lhe que ele alegara que você não sabia ler e que fosse para frente do ônibus ler o que nele estava escrito, mas com uma grosseria... (ia falar gótica, em alusão aos bárbaros, mas meu conceito de bárbaro era mais para os civilizados romanos do que para o povos ditos como tais) uma grosseria absurda.

Ele me falou que estava acostumado com aquilo, na Alemanha e em outros lugares a grosseria é pior e, infelizmente comum. Despedimo-nos:

- All right Pieter. Have a nice trip. (tenha uma boa viagem).
- Muito Obrigado (arrastou o agradecimento com simpatia).
- Auf wiedershen (atropelei a despedida em alemão).

No meu caderno, anotei a experiência, mas não sei onde este caderno está.

Itaipava, 14 de março de 2011.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

COSTUMES IMUTÁVEIS - 1



Mexendo no Canis Familiares, meu antigo blog, achei a saga "Costumes Imutáveis". Eu pegava uma passagem de um livro e o verificava na vida. Aí está o primeiro:

Nikolai Gogol, in Almas Mortas, Rússia, 1835.

"Sua chegada não causou na cidade nenhuma celeuma, nem foi acompanhada por nada especial; apenas dois mujiques (camponeses) russos, parados na porta do botequim defronte à estalagem, fizeram algumas observações, aliás referentes mais ao veículo do que o passageiro. - Espia aquela roda - disse um para o outro -, estás vendo que roda? Que te aprece, aquela roda chegaria a Moscou, se fosse o caso, ou não chegaria? - Chegaria - respondeu o outro - mas até Kazan eu acho que não chegaria. - Até Kazan não chegaria não, - disse o outro. E com isso terminou a conversa."

Eu, às portas do bar Tic-Tac em Petrópolis, 2005, tomando café pela manhã.

-Rapaz, olha só! Cabine dupla e tudo - Diz um amigo homem para o outro, encostados no balcão.
-Só pode ser a diesel. Isso roda o Brasil inteiro se deixar!
O outro fora até à caminhonete para ver a placa.
-RS é Rio Grande do Sul, né?
-É, é de lá que vai para serra gaúcha.
-Hum, esta caminhonete veio de lá! Deve estar indo pular carnaval em Cabo Frio.
-Que nada, com isso aí pode até Salvador!
-É... bebe mais uma?

Petrópolis, fevereiro de 2005

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PAISAGEM ACÚSTICA DO BAIRRO



Este ano, em Teresópolis, não haverá carnaval. Não ouvirei os batuques dos ensaios da bateria independente da Gaviões da Colina, justamente no ano que ela estrearia no Grupo Especial. A título de explicação, bateria independente é aquela em que cada componente é livre para exercer seu batuque, sendo a presença do mestre de bateria apenas simbólica e ilustrativa.

Lerei, escreverei, prepararei as aulas, arrumarei o quarto, cozinharei, beberei sem a tradicional trilha sonora que tanto ritmou meus estudos em 2010.

Todavia, novos aparatos, bem mais próximos, dentro do próprio bairro Jardim Cascata (Waterfall Garden) surgiram após a Associação de Moradores. Mantém-se, pois, aquele misterioso radinho engatado na Rádio Grobo, os latidos, as sirenes, as centenas de máquinas de cortar grama, as conversas de celulares nas janelas alheias e demais coisas que descreverei nas próximas linhas.

Antes, porém, não há surpresa alguma que a sigla da associação é AMAJC. Amamos também Jesus Cristo, mas não confundamos, por favor.

A empresa de segurança fornece um serviço que me fez pensar que antes dela eu estava em um local semelhante à Faixa de Gaza: câmeras espalhadas pelas esquinas. Nos dias de inverno, sinto-me em Londres, nos de verão, em Cingapura; rondas constantes de motocicletas, com lampadinha girando na traseira e tudo que convém para nossa segurança.

As motocicletas vão até o final da rua, retornam; e sempre penso que é a moto da quentinha ou da pizza, tentando me lembrar se alguém os chamara. Ato contínuo, vou à janela e os cachorros do vizinho em frente me saúdam. Dois pastores belgas, ou descendentes deles, ficam presos e sozinhos. Às vezes basta que eu assome à porta do meu quarto, acenda a luz e minha cabeça atinja o campo de faro para que eles ladrem. Seus donos, nós os conhecemos (redundância).

É um casal que divide um táxi. Amiúde, tomamos conhecimentos detalhados de um entrevero que possa ter começado no bar do Pires, no começo da rua, e se estendido até nossa janela. Os cachorros também querem participar, mas recebem ordens de cala a boca não acatadas. Bem, acho que as ordens de cala a boca são para os cães. Quando o varão volta, do bar, acompanhado somente pela aguardente, ele dá um assobio para nossa janela e profetiza um placar do próximo clássico carioca ou jogo do Flamengo ou Botafogo; profecia contrapartida por outra, a do meu conviva, que é botafoguense.

Ao lado da casa deles está uma pequena e escondida mansão. Até agora não sei quem é o proprietário e quem é o caseiro, mas durante o semestre passado uma equipe de operários dedicaram-se a subir e eletrificar as grades, instalar alarmes e eletronizar o portão. O problema estava no “instalar alarmes”, quanto ao nível de sensibilidade da massa corpórea invasora. Um amadorismo preocupante.

Não raro, dormindo ou lendo nas madrugadas, aquela p... explodia e dissipava todo meu sono ou concentração. Demorou muito para o indivíduo ajustar o nível de sensibilidade para Homo nem tanto Sapiens/ladrão/invasor (não necessariamente nessa ordem). Nas primeiras semanas estava no nível Libélula/Aedes aegypti; por mais de um mês permaneceu no nível Felix cactus vadio; passou para Cabeça de Equus caballus solto, Carro estacionado defronte até chegar ao nível que impedisse um sorrateiro ser humano invadir a casa.

Para o caseiro ou dono se lembrarem do alarme também levou tempo. Mais disparos vinham quando eles esqueciam o portão aberto e que eles eram massa corpórea ambulante. Hoje este problema está aparentemente sanado, mas como o objetivo é embelezar a paisagem acústica do Jardim Cascata, todos as noites, provavelmente depois do jornal, o caseiro liga o Renault 2008, cor grená-almiscarada, para que a bateria não arreie. E dá cada acelerada que leva todo combustível para a atmosfera sem que se ande um centímetro. A placa é 2026... ano cabalístico em que os arqueólogos extra-planetários vão achá-los depois do fim da terra. No mesmo lugar.

Por quase vinte minutos aquele motor zumbe. O carro, seguramente nasceu ali e jamais se locomoveu.

Já ameacei dispor as caixas de som na janela para compor, participar do movimento sonoro do bairro. Entretanto, o choro, o riso e os gritos do bebezinho do prédio ao lado da casa do casal taxista é cativante. Que criança palradora!

Teresópolis, 15 de fevereiro de 2011.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

COMPANHEIRO ACIDENTAL


Acredito que tudo o que a humanidade já conceituou sobre "um comportamento humano" pode-se projetar nos cachorros. Eles ainda possuem o benefício do instinto e, em menor escala(dependendo de nossa loucura),a racionalidade e a emoção. São maus quando têm que ser maus e bons quando lhes convém. É intrigante.

Havia ou há uma clínica veterinária em Petrópolis com o lema estampado no letreiro "um tratamento humano para o seu animal". Sei não... será que o nosso "Mundo Cão" é para eles, Canis familiaris, o Mundo Humano? Os veterinários poderiam estudar sociologia e antropologia também, caso quisessem entender mais sobre o cachorro, palavras dos próprios profissionais da área.

Muito a se pensar, conversar, debater, refletir, estudar em várias vertentes científicas e artísticas. Não é à toa que é tido como melhor amigo do homem, o nosso whisky engarrafado, como as sábias palavras de Vinícius.

O cachorro é engraçado por natureza. Uns mais do que os outros: O vira-lata, em primeiro lugar, seguido do Galgo e do Afghan Hound (também galgo). Já ouvi por aí que o Poodle adveio de uma experiência genética que o faz pensar ser humano. Os cães acompanham a todos os seres humanos e também a algumas outras espécies do reino animal ou artificial. É o animal universal e atemporal.

Eles estão sempre na companhia de quem lhes apetece urbi et orbi. Nas pirâmides de Gizé, sob o tórrido sol do norte da África; nas monções asiáticas e na umidade equatorial; na Groenlândia, ajudando os esquimós na caça e pesca sob e sobre o mar congelado; farejando água no Atacama e subindo as infindáveis alturas dos Andes. Tossem nas grandes e poluídas metrópoles, bem como nas empoeiradas roças do mundo.

Com a dona de casa, rica ou pobre, participando de seus costumes; auxiliando mendigos e patrões compreendendo-os em todas suas frustrações insanas (ou racionais); dentro do carro, pondo a língua para fora e curtindo o vento da janela aberta. Caminhando pela estrada, sozinho, com seu propósito obscuro para nós; e adotando este escriba que lhes apurrinha numa exposição agropecuária.

Tanta lenga-lenga para chegar onde eu queria: no dia em que um cachorro me adotou antes dos shows na Exposição Agropecuária de Itaipava.

"Assucedeu-se" em 1998, tinha 20 anos os quais nenhuma Rita me roubara. Antes da crise de 99, vinte reais era muito dinheiro, mas o fato de depois das 19 horas passarem a cobrar ingressos, impeliu-me a chegar à exposição bem cedo, sozinho. Dei uma cipoada num whisky lá em casa e parti, decidido. Os ônibus não estavam empaçocados ainda, mas lotados. Eram 20 pratas para cervejas, caméis (plural de cachaça com mel) e muita preambulação perambulante pelas baias dos bichinhos. Dispensei o rodeio.

18h30. Cheguei, passando de passagem pelas comportas da bilheteria. O preço seria esperar a galera, que marcara às 23 na barraca da boite Rodeo. Já peguei uma cangibrina e parti para os aconchegos dos animais. O maluco botou uma fatia de laranja na borda do copo de plástico. "Para quê, cumpádi?", pensei. Mirei um barril de lixo, azulão, e como um frisbie aquela fração cítrica girou e bateu no meio do barril. Quando pensava em me desculpar pela sujeira, em minha hipocrisia de limpeza urbana, um vulto disparou em direção à laranja.

Chegou feliz, chafurdou o objeto, lambeu-o, decepcionou-se (talvez fosse um pedaço de carne, como o cheiro dos churrasquinhos) e veio até mim. "Pois é gente-boa, é apenas uma fruta". Porte médio, bege, rabo que iniciaria uma espiral. "Macho ou fêmea?", macho. Dei uma assobiada, fiz festinha no cocuruto dele e lhe desejei melhor sorte da próxima vez, sugerindo-lhe até que fosse para a área das barracas de picanha e afins. Tomei meu rumo e um gole daquela fubica que eu bebia. Como disse, estava disposto a saber algo sobre bovinos, equinos, caprinos e, quiçá, bufalinos.

O Gente-boa se levantou, mostrou as patas, quis lamber minha mão, cafungou alguma coisa. Pedi-lhe permissão para me retirar, já me retirando. Vã tentativa. Ameaçava uns latidos e me seguia, amarradaço! "Então vamos, JB (Gente-boa), vamos dar um rolé por aí. Vamos ver outros membros de nosso Reino."

- Uaaaff, rrrr!
-Aí eu já não sei, tenho 17 contos agora, vai ser difícil eu arranjar uma coisa para você. Vamos lá.
- Rr Waaf!
- Não, faço Direito, na UCP, e estagio na Defensoria.

E assim fomos, num vasto e educativo diálogo, enquanto explorávamos lugares que só se visitam durante o dia, nas exposições. Ele me falou, com certo rancor, que as cadelas do hoje-em-dia são umas mulheres mesmo. Eu falei para ele não exagerar, que havia sim, umas mulheres cachorras, mas nem todas cadelas são assim tão mulheres. Ele aquiesceu, falou que não devemos xingar assim as mulheres/cadelas, muito embora algumas gostem disso. Também concordei.

Lá pelas 21h, meu celular (celular da família, no caso) tocou e era um comparsa que já havia chegado. Antes de me despedir do JB, fomos até à barraca, pedi mais uma cangibrina, igual a anterior, e um churrasquinho de frango.

- Toma aê, JB, mas segura a onda hein - dividimos a iguaria.

Nada mais falou. Pegou o "ganho" e sumiu para o escuro, lá perto da na arena do rodeio. Eu me encontrei com os caras:
-Fala Tackle, chegou cedo...
- É, vim para não pagar a entrada, mas já gastei nesse bagulho aqui. Nem sei o nome, mas é forte, vai um gole?
- Já se encontrou com alguém aí? - disse o outro.
- Não, só troquei uma ideia com o Gente-boa ali.

Apontei para o escuro e eles nem ligaram. Rumamos para uma barraca qualquer.

Itaipava, 5 de fevereiro de 2011.

domingo, 30 de janeiro de 2011

CADÊNCIA PIRILAMPA




Tanta coisa preocupante acontecendo; tudo se resolvendo. Mas fica a tensão. Fechei o Luigi Pirandello que re-começava a ler, na busca de personagens, ao passo que os personagens buscavam facilmente o Luigi (com escritores famosos é bem mais fácil). “Vou abrir ‘A Palavra’, o Word, no caso; vai que escrevo algo”. Pensei até em beber uma Coca-Cola (Marca registrada) e comer duas torradas.

Uma passada rápida pelos poucos e-mails; não me aventurei nas leituras de sites e blogs. Comentei uma ou outra coisa no Facebook e nele mandei algumas frases de efeito. Falei com o pessoal, frivolidades, nada mais. Já estava meio-que desistindo, do quê, não sei; mas quase estava desistindo quando me veio a luz: “devo beber a Coca-Cola com gelo limão e cachaça?”

Jordan Dualibe, proprietário Café Cultural e Charutos, era o único presente na linha que poderia me ajudar. Expliquei-lhe a situação e ele consentiu: “Aguardente tem o seu valor”. Logo, estava autorizado.

Havia meio limão e dele fiz não a limonada, mas a cangibrina, bença-bençôe, meu filho. Preparado o goró, era questão de tempo para a coisa fluir... o texto. Bebi a primeira dose, fiz a segunda. Rabisquei três-quatro apontamentos, conectei-os com algumas ideias, veio o título, salvei e a luz acabou.

Uma luz viera e a outra se fora. Laptop/notebook acesso ainda, claro. Apagado. O vizinho ligou o gerador, coisa corriqueira, pois lá não ficam sem novela. Duas, três caneladas nas poltronas, peguei a lanterna ao lado da porta da sala, achei as velas e as acendi. Fui ao “lá fora”, breu geral. Por um segundo pensei em fazer as torradas na torradeira, ó pá.

Voltei para o “lá fora”, na companhia dos cachorros, que saíram de seus sofás, e da caneca de cangibrina. “Devia ter comido aquela torrada antes, e o queijo que comprei com tanto sacrifício lá no mercadinho...” Mas o céu era do Sertão, conforme esta crônica do Groo. Muita estrela. Muitas estrelas. Era um céu para se curtir.

Passou uma estrela cadente, fiz o pedido e não sei se ele foi com ela; acho que foi realizado, ou está sendo. Levei a espreguiçadeira para um lugar onde pudesse ver o máximo de firmamento. Passou outra, bem perto, meio verde. “Que estranho...”. Antes de me espreguiçar afastei os cachorros. Repousei a caneca de cangibrina, afastei os cachorros; cruzei os braços atrás da cabeça, à guisa de travesseiro, e afastei os cachorros de minha barriga. Um deles, apesar de refugado, voltou e ali ficou. Mais outra estrela.

Olhando para o rastro lácteo de estrelas, elas se duplicavam. São tantas e ainda se duplicam? Girando ainda mais do que a Terra. Outra estrela cadente, verde, rasante, pertinho. Não deu tempo de fazer o pedido. Ih! Outra! Quantas!

As estrelas cadentes estavam tão perto... e ainda faziam zigue-zagues no espaço. Até que uma foi parar no alpendre, ao lado da janela. Vagavam... pareciam me dizer: “Esta é sua última caneca, volta para o computador que a luz já vai voltar.”
Voltou a luz, apagou, voltou de novo. Já dentro de casa, tirei umas fotos do momento cachaça. Fiz as torradas, derreti queijos e me pus a escrever. Os cachorros voltaram para os sofás e poltronas da sala depois que perceberem que não haveria mais migalhas de comida.

Itaipava, 27 de janeiro de 2011.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AÍ CONFUNDE O PESSOAL VII


PRESENÇA “DE DOORS”

Estava aqui pensando: “Brother (eu), você ainda não escreveu algo sobre sua experiência na Rádio Imperial...”. Fui jurado de uma gincana cultural entre as escolas de Petrópolis. Como fui para lá? Explico, mas não será o assunto principal destas linhas.

Se “assucedeu” em 2001, pouco antes do farsídico 11 de setembro, e 28 anos depois do fatídico 11 de setembro. Trabalhava como instrutor de espanhol básico, ou básico instrutor de espanhol, ou espanhol básico de instrução; com direito a lições de cidadania, democracia e mais alguma coisa. Tanto que convidei um amigo meu, estudante de medicina, para dar uma aula sobre DST etc. Era um projeto da Secretaria do Trabalho do RJ e da Mitra Diocesana de Petrópolis, sob a coordenação de padre Jac. As aulas eram na escolinha anexa à Catedral de São Pedro de Alcântara.

Depois da 18 horas, mandei os estudantes para casa, apaguei o quadro, bati as mãos, peguei a pasta e partiria para casa quando apareceu um jovem. Jamais o havia visto. Trajava uma camiseta do The Doors, com o Jim Morrison atravessando uma parede: Break on Through.

- Professor (sic) Thiago, o padre Jac quer falar com você.

Acompanhei-o até o refeitório. Pô, o cara já sabia meu nome, que fazer? Estava de consciência limpa pois não havia falado nada de mal contra o dogma nas aulas. Se me perguntassem algo do Santo Ofício eu aceitaria, tranquilamente, mas depois eu mandava um "Ma che si muove, si muove". Contudo, Ele me convidou para ser o jurado e aceitei. Sentamo-nos à mesa, aceitei um café com leite, tasquei requeijão numa torrada.

Padre Jac foi me passando o esquema da gincana radiofônica. Às dezenove horas lá estaria, com a maior cara-de-pau que esculpi até então. O carinha da camiseta do The Doors ia e vinha da cozinha, trazendo as mais diversas provisões. Duas moças da limpeza apareceram na sala do refeitório, pegaram manteiga e dois pães e foram para a cozinha, naturalmente.

Resolvidas as questões, o padre se retirou dizendo que avisaria aos organizadores que já encontrara o terceiro jurado. Deixou-me à vontade para terminar meu lanche, bem como liberou o jovem morrisoniano para o mesmo (lanche). Depois de alguns silêncios e mastigações eu quis iniciar um assunto:

- E aí, qual música você mais curte do Doors?
- Quem?
- The Doors, a banda, da sua camiseta.
- Ah, nem sabia, só achei a camisa bonita.

This is The End of the post. Mas o início de uma reflexão sobre a expressão estética.

Itaipava, 26 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CONSCIÊNCIA, MISSÃO E LEI

Filme Polícia,Adjetivo , Romênia,2009.

Foi por causa da resenha do Professor Carlos Magalhães que logo me motivei a ver o filme "Politist adjectiv" que também poderia ser traduzido ou recebido a versão de Policial, adjetivo. Horas depois de ler a resenha poderia assisti-lo pelo Telecine Cult, reprise, 2:15, logo depois do jogo Brasil x Colômbia do Pré-olímpico de futebol.

Recomendo-o a todos, e mais ainda aos que gostam de arte e ciências humanas. Mas sugiro, com veemência, que professores, pesquisadores e alunos das Ciências Sociais, Filosofia, Direito utilizem a película como material didático.

"Mas sugiro, com veemência"? o que eu quis dizer com isso? Como se pode sugerir algo com veemência? Se usasse a expressão "recomendo muito" o sentido ficaria mais brando e, logo, menos repressivo?

O protagonista Cristi, casado, trinta e tantos anos, talvez, é um policial lotado numa delegacia de Bucareste. Digno homem da lei (Moral? Material?, da Constituição? Da Lei em si, se ela existir? Da Consciência?. Ele recebera a missão de investigar, perseguir e flagrar um usuário de haxixe e, naturalmente, prendê-lo; depois ou ao mesmo tempo, procuraria o traficante. Simples. Simples como suas razões no diálogo que tem com seu colega de departamento.
- Salut Cristi.
- Tem um lugar para mim lá onde vocês jogam Futitênis? Quero perder a barriga.
- Não. É melhor você dar umas corridas. Você não joga bem.
- Mas você nunca me viu jogar!
- Nem precisa, você joga mal futebol. Vai nos atrapalhar.
- Nem uma chance?
- Não, é melhor não. Corra, você perderá a barriga mais rapidamente.
- ... tudo bem. Salut.
- Salut.
(Traduzido diretamente do romeno, menos o "salut")

Todavia, os relatórios de Cristi sobre o caso não mostravam um discurso semelhante ao diálogo, bem como, possivelmente, seu sentimento era ainda... vacilante.

"Em vez de prender este garoto, que nada tem de anormal dentro da sociedade que se procura ser ideal, poderia haver uma solução. Quem sabe ir direto ao traficante? Sete anos de prisão para aquele estudante? Até porque, a Europa toda está fumando, em Praga mesmo, e Amsterdã, então?"

A direção de Corneliu Porumboiu , coincidentemente de minha geração, espelhou-se em Michelangelo Antonionni na intensidade das cenas, dando uma impressão de filme "muito parado" dentro do padrão frenético dos filmes policiais e de ação. Entretanto, por isso mesmo que podemos reparar nos detalhes, como se as cenas tivessem saído das folhas de "Memórias do Subsolo", de Doistoiévski ou das descrições de Albert Camus, em "A Queda". É intenso, e muito movimentado para nossas mentes.

Pode parecer parado também porque não há aquela trilha sonora especial para a audiência. A música vem do que as personagens estão ouvindo. Mirabela Dauer, famosa cantora e letrista da Romênia antes e depois do regime comunista, é ouvida por Anca, a mulher de Cristi.

Dá-se a impressão que o casal passa por uma séria crise, mas quando parece que vai se degringolar uma discussão, há troca de gentilezas, aquiescências de opiniões, aceitação de críticas. E nessas conversas entram questões gramáticas e semânticas; filosóficas e literárias sobre a letra da música da, agora para mim famosa - perdoem-me os romenos - Mirabela Dauer. Razão x emoção, concreto x abstrato. Tomismo. Linguística...

O trailer está nos links. Prestem atenção nos diálogos e na música. Língua (limba) latina e sotaque eslavo. Muito interessante. Ah! E a cerveja que ele toma é a Skol europeia!

Multimesc, salut


Reparem no muro atrás. Há uma pichação de Forta Steaua (Força Steaua [Bucureşti]), time de futebol mais popular da Romênia. Mas há também, vocês verão, o símbolo do Chicago Bulls pichado. Achei interessante

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

VOLTEMOS

Está difícil, mas vamos lá.

Moro em Teresópolis e passo as férias em Itaipava onde eu estava na noite do dia 11 de janeiro para o 12. Consegui uma cena maravilhosa para escrever e relatar aqui, dentro do estilo literário que procuro dispor para meus leitores e amigos. Como já havia publicado umas besteirinhas no dia anterior, 10, resolvi esperar mais uns dias, embora tivesse começado a escrever a crônica.

Era sobre a ridícula cena de como consegui ficar preso no banheiro. Pouco antes eu vi um filme na companhia de meu pai, comentamos algumas coisas e nos despedimos, boa noite. Antes de jogar as latinhas no lixo, deixei-as em cima da mesa e fui ao banheiro; encostei a porta porque a lingueta apresentava problemas. Ela faz parte do miolo ou máquina,(coisa que soube depois e ainda não sei o nome daquilo) na estrutura de uma fechadura (perdoe-me pelos cacófatos em forma de rima) e quebrou no momento em que eu, em atitude normal, encostei a porta.

Todas as tentativas de abrir e nada. O barulho naturalmente despertaria meus familiares; felizmente, nenhum deles havia dormido. A presença deles me deixou muito calmo e não me deixasse traumatizado por tal vexatória situação.

Steve McQueen seria minha inspiração. Nesse caso, não sua vida, mas suas personagens em Fugindo do Inferno,Papillon e Inferno na Torre. E não era o caso de se aludir ao Edmond Dantès, de O Conde de Monte Cristo, de Dumas, pois não havia nenhuma vingança em vista.

Recebi, do basculante, as ferramentas para poder desmontar as dobradiças: a única solução encontrada. Martelo e chave de fenda sem a parte do apoio, que faria as vezes de alavanca. As dobradiças estavam bem presas, obrigando-me a me inspirar em McGyver, durante todo o meu processo de liberdade. A falta de jeito não mandou lembranças, ela esta ali, comigo, me atrapalhando. Chovia muito.

Livre, percebendo a chuva, desconectei as tomadas dos aparelhos eletrônicos mais sensíveis, apesar de não haver raios e trovões. Escrevi, fiz palavras cruzadas, ameacei religar a televisão, mas impedido pela nova remessa de chuva, agora com raios-trovões. Dormi no sofá.

Pouco antes das seis, meu irmão acorda e vai se arrumar para ir ao trabalho. “ A que horas passa o ônibus mesmo?”. “ Vinte pra hora, creio”. Às sete ele voltou: “Enchente, a estrada está interditada, ninguém entra ninguém sai. Vou esperar dar umas oito horas e ligar para o trabalho para comunicar a situação.

Todos acordados. Vimos algumas reportagens, mas a energia acabou logo. Nossa primeira notícia foi dada pela moça que trabalha conosco, ligando para o telefone fixo (funcionava). Pensamos se tratar de mais uma enchente, infelizmente comum, na qual os mortos seriam “só” uns desditosos 16, 17; algumas casas invadidas pela água.

O pessoal que limpa a piscina conseguiu chegar aqui em casa, soubemos do trânsito e da situação. A coisa era muito mais séria.
Meus pais e meus irmãos saíram para os respectivos trabalhos. Voltaram no fim da tarde, “Thiago, você não imagina!”. A energia voltou, pudemos ver as imagens, imaginar. No dia seguinte, justamente para consertar a maçaneta da porta, eu vi as imagens. Assustadoras. Lá estive e agi, conforme o que poderia fazer.

A sorte, a boaventura, sei lá o quê, anda comigo. Recebemos milhares de telefonemas. Eu agradeço a todos, sem saber ainda como, a preocupação comigo e conosco.

Sem pieguice, apesar de meu lado racional sempre emperrar meu emotivo, fiquei abalado. O horror ao lado e eu, nós, bem.

Itaipava, 19 de janeiro de 2011.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AÍ CONFUNDE O PESSOAL VI

Confusões da Infância

Cazuza e Lauro Corona: além da semelhança física, posso ter despertado tal confusão por causa do filme “Bete Balanço”, de 1984, onde apareciam os dois. Isso se estendeu até à novela Direito de Amar, quando soube o nome de Lauro Corona.

Dina Sfat e Fernanda Montenegro: é mais confuso saber o porquê dessa confusão. Eu acho que tem a ver com o Paulo José, marido da Dina, e o Paulo Autran, nas duplas com Fernanda Montenegro, principalmente em “Guerra dos Sexos”.

Felipe Carone e Gianfrancesco Guarnieri: o bigode, talvez.

Carlos Drummond de Andrade e Mário Lago: suas caricaturas e algumas fotos

Jovelina Pérola Negra e Dona Ivone Lara: talvez por causa do Império Serrano. Lembro-me de um documentário sobre Jovelina depois de sua morte, em 1989.

David Bowie e Mick Jagger eram dos Rolling Stones, por causa do clipe “Dancing in the Street” que passava na TV RIO, de madrugada até as primeiras horas da manhã, antes da Kombi do seu Roberto passar e me levar para o colégio.

Mário Gomes, Evandro Mesquita e Kadu Moliterno: talvez por afinidades intelectuais.

Paula Toller e Marie Fredriksson (Roxette): loiras e de cabelos curtos.

Billy Idol e Supla: clássica e proposital e também loiros de cabelos curtos, espetados.

Eu gostava muito da música do Roupa Nova, porque cantavam a música “Amante Porfissional”, que é na verdade, da banda Herva Doce. Descobri isso já adulto, num videokê no sempre aludido, Bar Tic-Tac.

Eu era apaixonado pela Lidia Brondi, mas era para ser a Myriam Rios. Mayara Magri, correndo por fora.

(Lembrado por Jordan Dualibe): Ricardo Montalban, o eterno Sr. Roarke da "Ilha da Fantasia" e Adriano Reys, o também eterno médico das novelas, destaque para "Ciranda de Pedra" e "Barriga de Aluguel".

(Freudiana) Na novela “Gabriela”, quando reprisada: Armando Bogus, como Nacib, era meu pai; Sônia Braga, como Gabriela, minha mãe.

E paramos por aí.

Itaipava, 10 de janeiro de 2011.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

CUIDADO VANGELIS


Sua mãe, com aquele mesmo sorriso, braços abertos para lhe acolher. Ele estava estranhamente menor, com 11 ou 12 anos, mas com a cabeça, a mente, os pensamentos de sua idade adulta, 26. Sua mãe vinha e ele ia à ela. Mais atrás, porém, uma figura crescia, tomava moldes de uma velha, tão apavorante quanto pequena, vinha crescendo uma silhueta macabra. À medida que a velha superava o tamanho de sua mãe, ultrapassava-a. Começava a ganhar as formas, os semblantes, a voz de seu senhorio, a quem devia dois meses de aluguel e o ameaçava de despejo. Ele olhou para os lados, via o oráculo; e depois, seu pai aparecia com uma foice, sério, forte. Ele berrava e nada saía. Era em grego, era em inglês. Ouvia sua mãe lhe chamar pelo carinhoso apelido: “Vangas”; seu pai, ocultado por uma fumaça, severo e carinhoso: “Vangelis”. E a foice virava machadinha apontada para a figura do senhorio. A velha figura do senhorio lhe falava: “Hey, Sr. Kapatos, é para hoje, e a responsabilidade é sua”. Ele tentava berrar, se explicar, se desculpar de não sei o quê, tentava se destravar, chegar até sua mãe... a machadinha disparou para uma direção qualquer e...

- Ahhhhhh! Matras!

Soltou o grito, curto, algo como “Mãe”, em grego. Recuperou a respiração e se aliviou um pouco, não sabe de quê? Ainda estava sob os cobertores, apesar do aquecimento central de seu apartamento em Old Astoria, Queens, NY. Havia forte luz pelas frinchas de sua janela. Devia ser quase dez da manhã, ou talvez cinco p.m. Esticou-se na cama, saindo da posição fetal, suava. Despertou, afinal, ao sentir o odor dos cigarros que estavam no cinzeiro da cabeceira. Sentou-se na cama. Há um mês, pouco mais, pouco menos, não sonhava daquela maneira. Tentou tatear o interruptor do abajur, desistiu e somente pegou um dos maços que estavam à mesa. Um George Karelias, o cigarro de seu pai, Dimitrios, causa da luta dele contra o câncer; por isso deixou os maços... com ele. Procurou acendê-lo, mas não achou o isqueiro. Levantou-se para ir até à cozinha, um fósforo ou numa das bocas do fogão poderia resolver o problema. Ainda grogue, tropeçou em algo, xingou em grego. Era uma edição em capa dura, bem elaborada e comentada, de Crime e Castigo, em inglês. Livro sugerido por Irina, presente dela, sua namorada russa. Ela chegou aos Estados Unidos pouco depois que ele, três ou quatro anos depois. Mas se conheceram em 2009.

Pegou o livro e o pôs na cabeceira, agora acendendo o abajur, achou o isqueiro, que estava dentro do maço de Camel, seu cigarro. Viu os remédios, a tarja preta aclarada pelo amarelo da lâmpada. Desejou beber algo, mas se lembrou os remédios tinham horários. Sua tia lhe traria mais caixas de Rivotril? Pai e mãe em Larissa, mas seus tios ainda em Nova Iorque, além da comunidade grega, forte. Sua tia compraria mais uma caixa para ele. Seria a hora do remédio? Dr. Kaczinsky, que disse ele mesmo? Não repetiria a tolice de engolir uma caixa inteira e beber Bourbon. Ou foi com vinho? Chega desta besteira:“encare-se, Vangelis”. Que horas seriam?

Ligou o celular, mensagens. Foi ao telefone fixo, a secretária-eletrônica lhe informava onze mensagens. Deixou-as se pronunciar sem as ouvir. Lia o capítulo em que Raskolnikhov estava em vias de assassinar as irmãs Ivanóvna: a cena primorosa do romance de Dostoievski. Justo este, como assim, como não? Foi à geladeira e pegou uma garrafa d’água; queria vodca. Lembrou-se do horário dos remédios e também de sua vida. Será que Irina gostaria do filme Zorba, O Grego, presente que ele guardava para ela para o dia 6 de janeiro? O dia que os cristãos ortodoxos se presenteiam, dia dos reis.

Aproveitou o pensamento, largou o livro foi colocar a trilha do filme Zorba, O Grego, obra musical de Mikis Theodorakis. Abriu a janela, para que todos ouvissem sua Grécia. Sentou-se na cama novamente, apagou o cigarro, olhou a capa do CD e também a do DVD. É impressionante como Anthony Quinn se parece com seu pai, mas ele não tinha nada a ver com Alan Bates. Seria melhor Irina ler o livro em vez de ver o filme? Que tal os dois? Ela veria pelos olhos do diretor cipriota Cacoyannis, e leria as belezas descritas por Nikos Kazantizakis, o autor.

- Onde estão vocês? Odeio a neve! Hellas!!!

Gritou em grego. Acendeu um Camel, depois o apagou e pegou mais um Karalis. Aumentou o som, começou a dançar como Zorba e Basil no filme, como dançavam todos seu familiares e conterrâneos nas festas no Queens. Bateram na porta, o celular tocava. Atendeu o celular, era Gürcan, seu colega turco, na Saint John’s University. Desligou. Começou a dançar. Dançava como nunca. Pararam de bater na porta. Desligou o som. Foi dançando até a porta. Olhou pelo olho-mágico, ninguém. Sentia um frio, uma saudade. Parou, bebeu mais água, largou a garrafa no chão, jogou o cigarro no cinzeiro. Tudo se apagou. Sem mais lembranças. Uma mistura de tudo e nada. De lixo e frio.

Saltou pela janela, tomando distância desde a cama. Um mergulho de profissional, nono andar, 30 metros. Seu corpo fez a curva perfeita no ar. Era o primeiro domingo do ano de 2011.

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Petrópolis, 3 de janeiro de 2011.