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...de repente, o que está aqui lhe apetece.

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quinta-feira, 21 de abril de 2011

O HOMEM DA JANELA




Observar os outros nas janelas dos apartamentos defronte: uma das mais eficazes fontes de textos. Enquanto estava no Rio, provavelmente para uma prova no dia seguinte, essa foi minha inspiração.

Haja vista, todo mundo que escreve vive uma situação dessa, entretanto, seria diferente. EU faria o papel de motivação para um escritor que estivesse de bobeira em uma das janelas da Barata Ribeiro, em Copacabana.

Tirei a camisa, o que já é um medonho espetáculo à parte; pus o descanso de copo para depositar a latinha de cerveja; joguei alguns livros na mesa para fingir que estudava. A cerveja foi para o copo e de lá para a goela; acendi um fedorento (cigarro indonésio de cravo) e empestei o quarto e os apartamentos vizinhos com aquela marola.

Fui à janela... hum... ninguém se manifestando para me ver até que, depois de dois minutos e duas tragadas, percebi tosses compulsivas na janela ao lado. Uma velhinha já passava mal com a fumaça. Achei melhor parar. Vai que a velha empacota, onde ficaria o meu remorso?

Escolhi um CD, Rolling Stones. Peguei a guitarra de minha prima e me empolguei com Keith Richards e Mick Jagger. Começaria uma bizarra apresentação. Jumpin’ Jack Flash.

Percebi que a guitarra conectada no amplificador atrapalhava a música (não sei porquê, poxa) e simulei os acordes de Richards como ele nunca-jamais se disporia a tocar; depois, descansei-a no seu devido local de repouso e comecei a dançar como Jagger. Start Me Up. Quase igual! Dei outra baforada e um gole, pois não ouvia mais as tosses da velhinha - deve ter ido descansar dentro do banheiro dela.

Ao me virar, num destes passos, vejo minha tia e meu primo, assoados à porta. Eles estavam na tentativa de conter as gargalhadas, com semblantes de incredulidade no que os olhos deles presenciavam. Finda a música, um clamor de “para com isso, menino!” de minha tia e a liberação do riso de meu primo. Desliguei o CD e pus na rádio Antena 1. Comecei a ler algo somente para distração, fingindo ser um intelectual.

- Pode deixar que vou parar com este barulho, tia.

Pronto. Quem gosta de escrever sobre coisas surreais teve a grande oportunidade. Quem ler ou ouvir história semelhante por aí, já sabe que tem é o protagonista.

PS: A velha ainda vive, não se preocupem.

Petrópolis, 2004. Revisado em 2011.

sábado, 2 de abril de 2011

SABE O QUE É, DOUTOR? II


ESQUIZOFRENIA LITERÁRIA

- Mas para ser verdadeiro quanto ao título disto que prestes contarei, digo-lhe, moço, que nem sei se é dessa tal de esquizofrenia que aclaro ao senhor, senhor sabe? Sabe - é coisa esquisita, esquizofrênica. Senhor, que é doutor, avalia, não avalia? Há-de se lembrar tão-bem quanto eu mesmo me alembro que isso começou com Dom Quixote, passou pelo coitado de Raskolnikov, até o dia que lhe cheguei aqui falando castelhano rioplatense, sem nunca jamais não tido lido uma linha sequer da língua de Cervantes e muito menos do jeito de escrever de Cortázar.

Sei que atravessaram tempos que cá não dava minha fuça à vista, mas não se recorda nem um pocadinho de meus problemas? Concordo... é praxe tratar de muitos dom-quixotes, lampiões, napoleões e napoleãs. Já teve alguma Emma Bovary aqui? Ah, desculpe, sei que sou eu que tenho que falar, não o senhor a me responder vãnilidades, sei muito bem eu! Viver é entrar em um moinho de margem do Guadalquivir ou de outra margem do São Francisco e ser cuspido para a bacia do Prata, esperando nau para Europa... na terceira margem - e Sertão, que é todo aqui e ali?

Pode fumar aqui, doutor? Melhor não? - ah pode? Então, se-me-dê licença... puuff, obrigado. Que o lhe digo que consegui sonhar que ouvia aulas e leituras de Guimarães Rosa; saltava, depois, pelas ruas a falar com todos que queriam ou não queriam me ouvir que ouvia Joãozito ler Grande Sertão: Veredas, de um pequeno palanque, acima de e para um grupo. Aquilo era coisa mais normal do mundo, que, ao cabo da palestra – que não era a primeira e nem a última porque me apresentaria no dia seguinte para seguir o seminário – despedi-me de Guimarães Rosa conforme sempre fizera em não sei que vida senão de minha idilice onírica, senhor doutor, que sabe, deve saber tal qual aquele do charuto ali, que está em sua estante. Acordei lamentuirioso, lassidão decepcionativa.

E no café, antes de tomar o dia de trabalho, imagine cara de Ana ao saber que comecei a falar desta decepção que lhe narro narrrativamente, até meu cachorro estranhou, sem nem em vir para mim quando lhe acoei o nome. Joguei um pãozinho e o Alcântara – meu cão – nem chegou perto, parecia ter panefobia. Pãozinho, pãezinhães, lançam as opiniães.

Sorte que me lancei sem alvorecer um inseto, tal o tcheco de escrita alemã. Não é coisa do Souza, do que-não-se-ri, do Some-aparece, do Mattos, do Quintella, do Thiago? Não é mesmo, é? E não deve haver de ser. Que olhar é esse doutor?, assim perco fiança de entender o que me passa se, o que me passou por causa destes que me meto a ler e entrunhar no nem-sei-quê que eles querem nos dizer. São obras que me marcam e marcam minha lingüística, insignificando os significados mais significantes. Coisa inútil,sei. Senhor sabe bem. Doutor, doutor.

Sei que o tempo acaba de começar a acabar, mas é que tenho aula de inglês, aula a lecionar, e meus alunos receberão um texto de Ernest Hemingway... e se gostam disso, ô, considere que gostam muito! Falei demais, falando em Hemingway, gosto de ouvir. - Somos todos aprendizes de uma arte que nunca ninguém se torna mestre, Ponha aspas no que falei porque é de Ernest, velho de mar. ... Joãozito, velho de açude e rio, Rio de Novembro triste e imortal, também me disse que, - ponha outras aspas – Professor é aquele que, de repente, aprende.

Doutor, doutor, fale alguma coisa... lhe devo quanto: senhor sabe?

Niterói, 31 de março de 2011.