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...de repente, o que está aqui lhe apetece.

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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ROMÂNTICO

DIA ROMÂNTICO, POR QUE NÃO?



Era fim de outono, início de junho. O dia ensolarado, apesar de frio, chamava para um passeio na cidade, um chocolate quente com torradas e quem sabe um cinema. Aqueles dias que lá pelas cinco e meia, quinze para as seis os postes anunciariam a chegada precoce da noite.

Os pais dele viajaram e deixaram a casa, pelo menos até sábado, só para eles. Era a oportunidade de desfrutar da casa como se fossem um verdadeiro casal. 

Chegaram do cursinho pré-vestibular. Ela, eufórica por a mãe ter deixado passar o dia, quiçá o fim de semana, na casa do namorado, foi logo para a varanda elogiar o astro-rei que iluminava a mata e aquecia, mais ou menos, o ambiente. Ele chega abraçando-a carinhosamente, por trás e pergunta sem vontade de ter uma resposta positiva.

-Vamos dar uma volta, almoçar fora...? – e não quis dar mais opções, queria mesmo era ficar em casa, quieto.

-Vamos... para onde? Tem o Café Bonjour...

-Vamos ficar aqui mesmo! – interrompendo – a gente fica abraçadinho lá em baixo, na televisão, curte um filme... -  e não permitiu mais sugestões.

Ele vestiu uma calça de moletom vermelha, meias brancas, combinado com a camiseta Hering de mangas compridas. Foram para a cozinha, enquanto ele abria a geladeira e pegava uma garrafa de água e outra de guaraná e mais dois pacotes de fandangos; ela fazia um brigadeiro, poupando a empregada do serviço. Estava decretado o dia de bode, quando não se faz nada além de nada. Romântico, por que não?

-Levo copo? Pergunta ele.

-Não, bebemos no gargalo mesmo.

Ele vai para a sala de televisão. A casa somente deles. A empregada só apareceria se solicitada sua presença. A avó, que foi para o grupo de conversação em inglês, só voltaria mais a noite se não resolvesse engatar madrugada adentro jogando canastra com o mesmo grupo. A velha resolveu ser mais ativa depois de viúva.

Ele liga a televisão e deixa no canal que está. Vê se tem algum filme em vídeo ou DVD que se encaixaria no momento: Rambo – Programado para matar, Pepino de Capri, ao vivo em Nápoles, 9 e 1/2  semanas de amor. “Hum... será?” – Pensou, mas resolveu deixar para outra ocasião. A Bela e a Fera, Titanic... “ah...vamos ver se na tv tem algo melhor”. Deixou as bebidas no pé da mesa, arrumou uma almofada e ali encostou sua cabeça deixando seu corpo estirado no grande sofá da sala. Neste cabem os dois com folga.

Ela chega com o prato de brigadeiro. Um camisão do Snoopy e meias estampadas. O uniforme que ela deixou um dia na casa dele para estas emergências.

-Espera um pouco que está quente. – Ela alerta.

Ele faz sim com a cabeça demonstrando o sono que estava por vir, querendo esquecer a dor de cabeça que aquele Domecq ajudou a criar ontem, no aniversário do Gil.

-Deita aqui, gatinha, daqui a pouco a gente come, está com fome?

-Mas que cara, hein mozão? Quantas cervejas você tomou ontem no Gil?

-Três.

-Só?! E você está assim?... duvido!

-Sim, foram só três cervejas, é que... rolou um Domecq lá... aí já viu, né? – falou com uma voz titubeante não querendo denunciar o coitado do conhaque.

-Cruz credo, toma cuidado, viu?

-Cuidado? Ainda não tomei, é da boa essa bebida?

-Engraçadinho, que piadinha mais batida essa? – Foi se deitando ao lado dele pegando o controle. O dia estava para a paz, não haveria discussões. – Que você quer ver?

-Ah, gatinha, vai rodando aí – diz ele pouco se importando com o que veria. O sono era mais forte. cinco e meia da tarde, é a hora mortal para qualquer indivíduo que esteja num sofá, é sono na certa.

Ela começou o tour pelos canais:

Discovery Channel. Uma voz baixa, em inglês, do apresentador, seguida de uma dublagem em português, mal feita:
(However, during the dawn... Entretanto, durante o nascer do sol, os lêmures já despertam em busca de seus alimentos...) ZAP!

Algum canal de esporte. O Narrador: “Bola para Chagas na direita, bem marcado joga mais atrás com Paulinho, vai ser obrigado a voltar pro goleiro”.
Neste momento ele abre um pouco os olhos, percebe que é o video-tape do jogo de quarta e volta a seu início de sono. Ela muda rapidamente com medo dele gostar do jogo. ZAP!

CNN Internacional. Actually, Arafat and Sharon will not reach to an agreement for the Hamadah group does not accept any kind of conversation... ZAP!

Music Television. Pega o fim de um clip da Britney Spears e espera a apresentadora anunciar o outro vindouro... “Agora com vocês, o terceiro lugar de hoje Titãs, com ...” ZAP!

Ele se revolta por uns segundos.

-Pô, gatinha, deixa lá, Titãs é maneiro.

-Dorme aí, mozão.

TV Cultura. Uma entrevista: “...e com este investimento, daríamos melhor condição para que, a partir do próximo trimestre, as empresas possam respirar e assim satisfazer os investidores internacionais,” ZAP!
Outro canal de esporte.  “I can´t believe in my eyes, Michael Jordan is on fire tonight!” ZAP!

-Ai, mozão, não tem nada para ver agora. – Reclama, com uma vozinha fina de começo de choro. A resposta dele foi um ronco.

-Mozão!!

Ele a abraça e a põe deitada na frente dele para descansarem.

-Me dá o controle! – Passaria a tomar o controle do controle dos canais e ainda faz um comentário que se fosse em qualquer outra situação começaria uma peleja muito violenta. - Mulher quando tem muito poder dá nisso. Ê indecisão!

Ela riu... de pena. 

Botou no canal de um filme qualquer. Robert de Niro, Taxi Driver “Are you talk to me?” E vibrou.

-Putz, na melhor cena! – Mudou para o outro canal de filme.

Ela pegava a primeira colherada de brigadeiro.

-Já está morninho, quer?

Ele fez que sim com a cabeça sem tirar os olhos da tela. Era Sociedade Dos Poetas Mortos. Lamentou estar no fim. “Oh capitain, my capitain! ... Oh capitain my capitain!”

-Adorei este filme, confesso que chorei nesta hora. - E abocanha a colher que está em sua frente, quase nos lábios, dada pela namorada.  E elogia. - Nossa, gatinha, que brigadeiro gostoso. Já podemos casar! – Brincou, mas ela levou a sério e no futuro usaria essas palavras em alguma discussão.

A camisola do Snoopy já não impedia que o frio subisse por suas pernas, logo adotou o cobertor até então usado somente pelo namorado. Ele abriu a garrafa de guaraná, deu uma golada e pegou um punhado de fandangos. A preguiça fez com que ele comesse na horizontal mesmo. Mas beber foi mais difícil e derramou no sofá algumas gotas. Ele que aguentasse a bronca quando a mãe descobrisse. Deixou na MTV de novo.

-Vai ficar aí mesmo, a gente só fica ouvindo, de repente passa uma música legal, né gatinha?

-Ela concordou e se virou para ele para darem um beijinho gostoso, até um pouco demorado. Eles se amam, mesmo. Só assim para suportarem um beijo que mistura brigadeiro e guaraná, com vestígios dos fandangos. Os dois depois foram à procura da água, imediatamente.

A empregada aparece no início da escadaria e avisa lá embaixo:

-Já estou indo, Rafa! Quer alguma coisa?

-Ô Dona Alda, vai com Deus, quero nada não. Você quer gatinha?

-Não.

-Pode ir Alda, o dinheiro da passagem tá na mesa de mármore.

-Já peguei. Então tá, Rafa, até amanhã. Até amanhã, Bel. Tem bolo de laranja na mesa da cozinha se vocês quiserem.

-Até, Dona Alda. Vai com Deus. Muito obrigado.

Voltam a se concentrar naquilo que esqueceram que estavam fazendo. Abraçaram-se e encararam a tela novamente. O frio aumentava, mas com o calor dos dois sob o cobertor não percebiam a queda da temperatura.

-Olha a música, mozão!

-Estou ouvindo, gatinha.

Era "Fala Mansa" tocando a música deles quando se conheceram. Naquele dia, ele havia mentido se passando por um professor de forró e ela acreditou; naquele dia não dançaram, pois ele alegava só dançar profissionalmente. Até hoje não deram um requebrado dançando forró.
Beijou-a na bochecha. Ela sorriu e retribuiu o beijo. E curtiram o dia escurecer.

Petrópolis, abril de 2002