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quarta-feira, 15 de julho de 2015

ELE, ali


Nada do que fez e fizera até hoje lhe deu alguma vantagem. E a cada tentativa de rumar para algo aceitável, norteado pelo senso-comum, aparece-lhe um obstáculo trazendo a frustração, a pesada frustração à mostra. Dizem-lhe que não é assim. Que as coisas não são assim, e às vezes “acontece”. Também lhe falam em depressão e que deve se tratar o quanto antes.

Quando foi se tratar, parou. Imóvel sob uma chuva contínua e branda. Seu casaco impermeável impedia a água e o frio de perfurarem seu corpo, mas sua cabeça se molhava continuamente por meio de gotas finas e oblíquas. Estancou-se, pois, um tanto antes do sinal para pedestres abrir. As pessoas passavam de lá para cá, de cá para lá. O sinal abriu para os carros, abriu-se novamente para os ambulantes não-motorizados; e ele continuou parado.

Aos poucos as pessoas percebiam que ele, ali, não estava num bom dia.

Duas meninas em uniforme escolar riram com as mãos em suas respectivas bocas; pararam em frente a ele, passaram as mãos em frente aos olhos daquela estranha criatura e não notaram qualquer movimento. Seguiram o caminho delas, rindo, olhando para trás, com as mãos continuando a esconder-lhes as respectivas bocas.

Um senhor de capote e chapéu tirou do bolso algumas moedas e procurou algum pote, pano ou qualquer recipiente para lhe jogar moedas. Admira a criatividade e o esforço de pessoas, como este homem-estátua, que usam a arte para sobreviver. Deixou as moedas, no entanto, ao lado do pé esquerdo dele, e partiu para seu curso pré-determinado.

Ele começou a se desesperar. Sua cabeça, infelizmente, não parou de pensar, de raciocinar, de querer comandar os membros.

Um casal parou logo depois de reconhecê-lo, aquele cara paradão ali era o professor de História da Arte de sua universidade. Cumprimentaram-no, com certa empolgação e sem resposta. Não ficaram contrariados, pois, certamente era uma das novas performances estéticas, como algo para abalar a sociedade que está inserida em suas distrações e que não perceberiam um homem estático à beira da calçada em vias de atravessar uma singela rua. Respeitaram-no e elogiaram a proposta de seu mestre.

Ele quis gritar. Subia-lhe um concreto por suas pernas, gradativamente seu corpo se petrificava. Cada vez mais rigidez.

Um cachorro lhe cheirou rapidamente, rodeou aquele novo cheiro que aparecera ali, cheirou de novo, urinou onde estaria a perna direita daquele “poste”, jogou alguma poeira com as patas de trás e tomou o próprio rumo.

Um mendigo discorreu-lhe um assunto sério, achando que, também como ele, esperava o sinal abrir. Sem reação, aceno ou contestação recíproca, apenas ofereceu-lhe ajuda para atravessar. Mas ao ver que o concreto subia as pernas daquele desgraçado que, diferente dele, não podia se mover, achou melhor deixá-lo em paz. As estátuas atualmente enganam muito as pessoas, concluiu ao atravessar a rua. O cachorro o seguira, não sei antes urinar naquele concreto novamente, agora do lado esquerdo, mais para o centro.

Um senhor de terno chegou perto de seus bolsos, que ainda não tinha sido endurecido pelo concreto. Apalpou-os, tirou a carteira, um molho de chaves e um celular. Surgiu a esperança deste bom-homem saber seu nome e ligar para algum parente da lista de telefones, ou para os pais, que estavam nominados “papai” e “mamãe”, ou mesmo para o “casa” ou “universidade”, onde ele trabalhava. Entretanto, o bom homem de terno sacou da carteira tomada emprestada o dinheiro que lá havia, deixando, em misericórdia, como bom-homem que é, uma quantia que lhe seria suficiente para uma passagem de ônibus, caso ele voltasse a se mover. Devolveu as chaves e o chip do celular.

O concreto já alcançava suas coxas.

Um casal de meninas, acompanhadas de um amigo, olharam-lhe como se se deparassem com um totem. Encararam-lhe, fizeram reverências à divindade lhe beijaram a boca. Chegaram alegres, saíram meditabundas, incrédulas ante àquela aparição. Levaram aquilo como um sinal.

Já tinha seu abdômen e tórax cobertos. A pulsação ecoava. Resignado, pensava, em fim, ter uma morte semelhante ao efeito da cicuta em Sócrates, o filósofo. Isso lhe deu um macabro conforto. Não mais viveria e ninguém daria por sua falta; deixaria de ser o enfado que é para si e para todos.

Do pescoço ao topo da cabeça o concreto tomou a forma de seu semblante. A última coisa que vira foi a aproximação de um guarda municipal, em seu poder de polícia, pedir-lhe para se locomover, fazendo anotações e chamando, por um comunicador que ele não identificou, uma autoridade superior a fim de que se procedesse sua retirada conforme a lei.

O sinal de pedestres se abriu de novo e, dou outro lado da rua, voltando de sua terapia, ele viu um monte gente, junto com algumas autoridades alguns pombos rodeando alguma coisa. Discutiam e averiguavam o mistério daquela estátua que era sua cara e corpo.


Teresópolis, 7 de novembro de 2013.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A "PELADA" E A ÁGUA DA BICA



Tema mais que batido na literatura moderna e contemporânea brasileira.  Mereço a minha vez.  

Devo dizer que não só o futebol – que é vida – mas todos os esportes e suas manifestações mundiais me levaram ao gosto da geografia, história, ciências sociais e, nos últimos anos, também, da literatura. A cada país participante de um evento, cada bandeira que aparecia na tela, tornavam-se um motivo para encarná-los em alguma partida imaginária, tanto quanto estava sozinho nos corredores de minhas casas ou apartamentos, como nos campinhos, reais ou imaginados. Não sabemos, pois se o futebol é uma variante da "pelada" ou vice-versa. Contudo, esta última é a mais rica.


Os alamanaques e demais Atlas que meus familiares me davam ou emprestavam não eram atualizados para o ano de 1988, para a gente incluir mais países nos campeonatos. A Rodésia disputava com o Sião uma vaga na semifinal. A Abissínia jogava contra Transkei, para ver quem enfrentaria o Vietnã do Sul ou a Guiana Holandesa. Entretanto, quando surgia um documento atual – um Atlas escolar de 1985 – donde era possível vermos uma sadia disputa entre Alemanha Oriental e Tchecoslováquia, prontas para pegar o Chipre ou o Saara Ocidental. Tinha o senso de boicote: África do Sul não entrava.

Esta parte geopolítica de fora, vale um relato dos terrenos. Areia de praia, Aterro, saibro, cimento, gramado hípico, brita, paralelepípedo; sala de estar, garagem (dentro e fora da), estacionamento, gramados inclinados e jardins; corredores, varandas, currais, a Atlântica aos domingos, aquele gramadinho dividindo o piso de pedras ao lado da piscina. Quadras diversas das escolas, fábbricas e demais estabelecimentos, terrenos baldios (que chamávamos de “vadios” [os terrenos] e, por fim, os campinhos gramados, já num estágio avançado de nossas idades (16,17,18 anos).

Mas Campinho de Pelada, por questões de segurança à saúde da pessoa, tem que ter uma fonte de água. Ali mesmo, perto da pracinha da prefeitura de Teresópolis, rolava, agora mesmo, uma bola com uma criançada variando de 8 a 13 anos de idade; dois chinelos de um lado e duas pedras do outro faziam as vezes das balizas. Nos intervalos, a molecada toda seguia para a bica mais próxima. Apesar dos protestos de mães e babás, elas não sabem que a todo “Não bebe essa água suja menino!”, implica-se imediatamente em “ Não tem problema, não, é água de mina.” Dito por algum sábio do time ou por um homem adulto, que também passara por essa experiência e ali estava vivo.


Sim, toda a água perto dos campinhos de pelada são de mina. E ainda não houve, na história da humanidade, alguém que tenha morrido ou mesmo “pegado” uma doença por causa das águas da bica, pois elas são sempre de mina, e águas de mina são saúdo-potáveis.

Teresópolis, 27 de janeiro de 2015.