Zelador

Minha foto
...de repente, o que está aqui lhe apetece.

Seguidores

sábado, 26 de fevereiro de 2011

COSTUMES IMUTÁVEIS - 1



Mexendo no Canis Familiares, meu antigo blog, achei a saga "Costumes Imutáveis". Eu pegava uma passagem de um livro e o verificava na vida. Aí está o primeiro:

Nikolai Gogol, in Almas Mortas, Rússia, 1835.

"Sua chegada não causou na cidade nenhuma celeuma, nem foi acompanhada por nada especial; apenas dois mujiques (camponeses) russos, parados na porta do botequim defronte à estalagem, fizeram algumas observações, aliás referentes mais ao veículo do que o passageiro. - Espia aquela roda - disse um para o outro -, estás vendo que roda? Que te aprece, aquela roda chegaria a Moscou, se fosse o caso, ou não chegaria? - Chegaria - respondeu o outro - mas até Kazan eu acho que não chegaria. - Até Kazan não chegaria não, - disse o outro. E com isso terminou a conversa."

Eu, às portas do bar Tic-Tac em Petrópolis, 2005, tomando café pela manhã.

-Rapaz, olha só! Cabine dupla e tudo - Diz um amigo homem para o outro, encostados no balcão.
-Só pode ser a diesel. Isso roda o Brasil inteiro se deixar!
O outro fora até à caminhonete para ver a placa.
-RS é Rio Grande do Sul, né?
-É, é de lá que vai para serra gaúcha.
-Hum, esta caminhonete veio de lá! Deve estar indo pular carnaval em Cabo Frio.
-Que nada, com isso aí pode até Salvador!
-É... bebe mais uma?

Petrópolis, fevereiro de 2005

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PAISAGEM ACÚSTICA DO BAIRRO



Este ano, em Teresópolis, não haverá carnaval. Não ouvirei os batuques dos ensaios da bateria independente da Gaviões da Colina, justamente no ano que ela estrearia no Grupo Especial. A título de explicação, bateria independente é aquela em que cada componente é livre para exercer seu batuque, sendo a presença do mestre de bateria apenas simbólica e ilustrativa.

Lerei, escreverei, prepararei as aulas, arrumarei o quarto, cozinharei, beberei sem a tradicional trilha sonora que tanto ritmou meus estudos em 2010.

Todavia, novos aparatos, bem mais próximos, dentro do próprio bairro Jardim Cascata (Waterfall Garden) surgiram após a Associação de Moradores. Mantém-se, pois, aquele misterioso radinho engatado na Rádio Grobo, os latidos, as sirenes, as centenas de máquinas de cortar grama, as conversas de celulares nas janelas alheias e demais coisas que descreverei nas próximas linhas.

Antes, porém, não há surpresa alguma que a sigla da associação é AMAJC. Amamos também Jesus Cristo, mas não confundamos, por favor.

A empresa de segurança fornece um serviço que me fez pensar que antes dela eu estava em um local semelhante à Faixa de Gaza: câmeras espalhadas pelas esquinas. Nos dias de inverno, sinto-me em Londres, nos de verão, em Cingapura; rondas constantes de motocicletas, com lampadinha girando na traseira e tudo que convém para nossa segurança.

As motocicletas vão até o final da rua, retornam; e sempre penso que é a moto da quentinha ou da pizza, tentando me lembrar se alguém os chamara. Ato contínuo, vou à janela e os cachorros do vizinho em frente me saúdam. Dois pastores belgas, ou descendentes deles, ficam presos e sozinhos. Às vezes basta que eu assome à porta do meu quarto, acenda a luz e minha cabeça atinja o campo de faro para que eles ladrem. Seus donos, nós os conhecemos (redundância).

É um casal que divide um táxi. Amiúde, tomamos conhecimentos detalhados de um entrevero que possa ter começado no bar do Pires, no começo da rua, e se estendido até nossa janela. Os cachorros também querem participar, mas recebem ordens de cala a boca não acatadas. Bem, acho que as ordens de cala a boca são para os cães. Quando o varão volta, do bar, acompanhado somente pela aguardente, ele dá um assobio para nossa janela e profetiza um placar do próximo clássico carioca ou jogo do Flamengo ou Botafogo; profecia contrapartida por outra, a do meu conviva, que é botafoguense.

Ao lado da casa deles está uma pequena e escondida mansão. Até agora não sei quem é o proprietário e quem é o caseiro, mas durante o semestre passado uma equipe de operários dedicaram-se a subir e eletrificar as grades, instalar alarmes e eletronizar o portão. O problema estava no “instalar alarmes”, quanto ao nível de sensibilidade da massa corpórea invasora. Um amadorismo preocupante.

Não raro, dormindo ou lendo nas madrugadas, aquela p... explodia e dissipava todo meu sono ou concentração. Demorou muito para o indivíduo ajustar o nível de sensibilidade para Homo nem tanto Sapiens/ladrão/invasor (não necessariamente nessa ordem). Nas primeiras semanas estava no nível Libélula/Aedes aegypti; por mais de um mês permaneceu no nível Felix cactus vadio; passou para Cabeça de Equus caballus solto, Carro estacionado defronte até chegar ao nível que impedisse um sorrateiro ser humano invadir a casa.

Para o caseiro ou dono se lembrarem do alarme também levou tempo. Mais disparos vinham quando eles esqueciam o portão aberto e que eles eram massa corpórea ambulante. Hoje este problema está aparentemente sanado, mas como o objetivo é embelezar a paisagem acústica do Jardim Cascata, todos as noites, provavelmente depois do jornal, o caseiro liga o Renault 2008, cor grená-almiscarada, para que a bateria não arreie. E dá cada acelerada que leva todo combustível para a atmosfera sem que se ande um centímetro. A placa é 2026... ano cabalístico em que os arqueólogos extra-planetários vão achá-los depois do fim da terra. No mesmo lugar.

Por quase vinte minutos aquele motor zumbe. O carro, seguramente nasceu ali e jamais se locomoveu.

Já ameacei dispor as caixas de som na janela para compor, participar do movimento sonoro do bairro. Entretanto, o choro, o riso e os gritos do bebezinho do prédio ao lado da casa do casal taxista é cativante. Que criança palradora!

Teresópolis, 15 de fevereiro de 2011.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

COMPANHEIRO ACIDENTAL


Acredito que tudo o que a humanidade já conceituou sobre "um comportamento humano" pode-se projetar nos cachorros. Eles ainda possuem o benefício do instinto e, em menor escala(dependendo de nossa loucura),a racionalidade e a emoção. São maus quando têm que ser maus e bons quando lhes convém. É intrigante.

Havia ou há uma clínica veterinária em Petrópolis com o lema estampado no letreiro "um tratamento humano para o seu animal". Sei não... será que o nosso "Mundo Cão" é para eles, Canis familiaris, o Mundo Humano? Os veterinários poderiam estudar sociologia e antropologia também, caso quisessem entender mais sobre o cachorro, palavras dos próprios profissionais da área.

Muito a se pensar, conversar, debater, refletir, estudar em várias vertentes científicas e artísticas. Não é à toa que é tido como melhor amigo do homem, o nosso whisky engarrafado, como as sábias palavras de Vinícius.

O cachorro é engraçado por natureza. Uns mais do que os outros: O vira-lata, em primeiro lugar, seguido do Galgo e do Afghan Hound (também galgo). Já ouvi por aí que o Poodle adveio de uma experiência genética que o faz pensar ser humano. Os cães acompanham a todos os seres humanos e também a algumas outras espécies do reino animal ou artificial. É o animal universal e atemporal.

Eles estão sempre na companhia de quem lhes apetece urbi et orbi. Nas pirâmides de Gizé, sob o tórrido sol do norte da África; nas monções asiáticas e na umidade equatorial; na Groenlândia, ajudando os esquimós na caça e pesca sob e sobre o mar congelado; farejando água no Atacama e subindo as infindáveis alturas dos Andes. Tossem nas grandes e poluídas metrópoles, bem como nas empoeiradas roças do mundo.

Com a dona de casa, rica ou pobre, participando de seus costumes; auxiliando mendigos e patrões compreendendo-os em todas suas frustrações insanas (ou racionais); dentro do carro, pondo a língua para fora e curtindo o vento da janela aberta. Caminhando pela estrada, sozinho, com seu propósito obscuro para nós; e adotando este escriba que lhes apurrinha numa exposição agropecuária.

Tanta lenga-lenga para chegar onde eu queria: no dia em que um cachorro me adotou antes dos shows na Exposição Agropecuária de Itaipava.

"Assucedeu-se" em 1998, tinha 20 anos os quais nenhuma Rita me roubara. Antes da crise de 99, vinte reais era muito dinheiro, mas o fato de depois das 19 horas passarem a cobrar ingressos, impeliu-me a chegar à exposição bem cedo, sozinho. Dei uma cipoada num whisky lá em casa e parti, decidido. Os ônibus não estavam empaçocados ainda, mas lotados. Eram 20 pratas para cervejas, caméis (plural de cachaça com mel) e muita preambulação perambulante pelas baias dos bichinhos. Dispensei o rodeio.

18h30. Cheguei, passando de passagem pelas comportas da bilheteria. O preço seria esperar a galera, que marcara às 23 na barraca da boite Rodeo. Já peguei uma cangibrina e parti para os aconchegos dos animais. O maluco botou uma fatia de laranja na borda do copo de plástico. "Para quê, cumpádi?", pensei. Mirei um barril de lixo, azulão, e como um frisbie aquela fração cítrica girou e bateu no meio do barril. Quando pensava em me desculpar pela sujeira, em minha hipocrisia de limpeza urbana, um vulto disparou em direção à laranja.

Chegou feliz, chafurdou o objeto, lambeu-o, decepcionou-se (talvez fosse um pedaço de carne, como o cheiro dos churrasquinhos) e veio até mim. "Pois é gente-boa, é apenas uma fruta". Porte médio, bege, rabo que iniciaria uma espiral. "Macho ou fêmea?", macho. Dei uma assobiada, fiz festinha no cocuruto dele e lhe desejei melhor sorte da próxima vez, sugerindo-lhe até que fosse para a área das barracas de picanha e afins. Tomei meu rumo e um gole daquela fubica que eu bebia. Como disse, estava disposto a saber algo sobre bovinos, equinos, caprinos e, quiçá, bufalinos.

O Gente-boa se levantou, mostrou as patas, quis lamber minha mão, cafungou alguma coisa. Pedi-lhe permissão para me retirar, já me retirando. Vã tentativa. Ameaçava uns latidos e me seguia, amarradaço! "Então vamos, JB (Gente-boa), vamos dar um rolé por aí. Vamos ver outros membros de nosso Reino."

- Uaaaff, rrrr!
-Aí eu já não sei, tenho 17 contos agora, vai ser difícil eu arranjar uma coisa para você. Vamos lá.
- Rr Waaf!
- Não, faço Direito, na UCP, e estagio na Defensoria.

E assim fomos, num vasto e educativo diálogo, enquanto explorávamos lugares que só se visitam durante o dia, nas exposições. Ele me falou, com certo rancor, que as cadelas do hoje-em-dia são umas mulheres mesmo. Eu falei para ele não exagerar, que havia sim, umas mulheres cachorras, mas nem todas cadelas são assim tão mulheres. Ele aquiesceu, falou que não devemos xingar assim as mulheres/cadelas, muito embora algumas gostem disso. Também concordei.

Lá pelas 21h, meu celular (celular da família, no caso) tocou e era um comparsa que já havia chegado. Antes de me despedir do JB, fomos até à barraca, pedi mais uma cangibrina, igual a anterior, e um churrasquinho de frango.

- Toma aê, JB, mas segura a onda hein - dividimos a iguaria.

Nada mais falou. Pegou o "ganho" e sumiu para o escuro, lá perto da na arena do rodeio. Eu me encontrei com os caras:
-Fala Tackle, chegou cedo...
- É, vim para não pagar a entrada, mas já gastei nesse bagulho aqui. Nem sei o nome, mas é forte, vai um gole?
- Já se encontrou com alguém aí? - disse o outro.
- Não, só troquei uma ideia com o Gente-boa ali.

Apontei para o escuro e eles nem ligaram. Rumamos para uma barraca qualquer.

Itaipava, 5 de fevereiro de 2011.