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sábado, 6 de agosto de 2011

IRA




Acho que faltou o artigo definido ali no título. Falarei da ira, do pecado capital. Seria melhor A Ira, para não confundirmos com o Exército Republicano Irlandês ou com a banda IRA!, que também renderiam bons temas.

Desfiaram a ira contra mim. Não muitas vezes, mas em número considerável para que eu notasse o semblante de ódio, rancor e até de iminente vingança do ou da atendente de lanchonete quando eu recuso o refresco ou qualquer bebida que supostamente acompanharia meu salgado ou sanduíche. Lançam-me um tsc aspirado, de enfado e revolta contra as idiossincrasias da humanidade do hoje-em-dia atual.

Uma vez, não faz tanto tempo assim, após recusar o líquido, recebi uma chance de mudar minha ideia, de reconsiderar as coisas, pois a moça estava com o predicado da tolerância ativo.
- Não vai beber nada? Tá na promoção...

Recusei de maneira simpática, como não seria diferente, com sorriso; e ela, devolvendo o copo ao escorredor da pia, catapultava-me ares de deboche e lamento misericordioso.

Entretanto, a ocasião na qual me senti mais ameaçado foi numa movimentada padaria na Mariz e Barros, na Tijuca, não sei se na esquina com a Ibituruna ou Campos Sales. Muitos concursandos para o Instituto Rio Branco escolheram aquele estabelecimento.

Assomei-me ao balcão, olhei a vitrine e, antes de escolher, Maximilian Schell, saiu do Dossiê Odessa para me servir na Tijuca. Se não era ele não sei mais quem poderia ser. Esperava ele meu pedido:
- De que é este pastel de forno?
- Frango.
- Me vê um, por favor?
- Vai beber o quê?
- Nada.

Por trás daqueles óculos, entre aquelas rugas, atirou-se-me vetores munidos de uma ira jamais presenciada por mim. Durou alguns átimos até ele mudar a face: amarelou o sorriso surgido, buscou algumas gotas de pachorra, fingiu que não me ouviu e sugeriu:

- Laranja com acerola... abacaxi com hortelã... guaraná natural? Hein?
- Nada não, amigo, muito obrigado. Só o salgado mesmo.
- Um e cinquenta. Tem que pagá no caixa antes.

Quando recebi minha provisão, jogada em uma liteira de guardanapo ordinário e untoso, a cara do Maximilian Schell era de um sôfrego consentimento. Demonstrou a decepção diante da estupidez e ignorância, que ainda se abatem sobre a maioria dos seres humanos.

Teresópolis, 3 de agosto de 2011.