Zelador

Minha foto
...de repente, o que está aqui lhe apetece.

Seguidores

domingo, 22 de setembro de 2013

CAMURÇA – O OURIÇO SUSSA



Na última viagem da casa antiga para a nova era a vez de levar os cachorros, três terriers brasileiros (ex-fox paulistinha) e uma poodle preta-cinza. Só um deles, o Gilmar, o mais novo, que instalou um inferno dentro do carro, a ponto de minha mãe rezar para São Francisco. Isso foi pouco antes das dez da noite.

Chegamos junto com o caminhão e enquanto eles começavam a descarregar eu prenderia os cachorros, um de cada vez, em cárcere específico arranjado na casa. O primeiro, claro, foi o Gilmar. Cruzei toda a casa e o deixei lá, com água e comida, e retornei ao carro para pegar outro cão. Fui por um corredor do lado da casa, que culminaria no portão, passando por um pequeno canteiro da frente da casa. Ali, vi um bicho cinza tentando escapar numa lentidão de dar dó. “Putz, A Maria Augusta (a poodle) fugiu do carro”, pensei. “Não, é um gambá!”, repensei. Tentei enxotá-lo mas o bicho não tinha para onde fugir, refugiou-se, pois, num dos arbustos, eriçando o que pensava ser os pelos. Passei por ele e fui para o carro pegar outro cachorro; cuidaria daquele marsupial depois.

Na volta, o bicho estava em cima de um parapeito no afã de beber a Fanta Laranja que eu e os caras da mudança deixáramos ali inadvertidamente. O suposto gambá já havia atraído a atenção deles. Aí que eles me corrigiram:
- Isso não é gambá não, é ouriço. Fica muito bom ao forno, com batatas.

O cuidado no transporte dos cachorros aumentou. Ouriços são os alvos preferidos dos cães e tirar os espinhos é uma árdua atividade. Aprisionados os cães, fui resolver o problema do ouriço. O vagaroso mamífero acabava de derrubar um copo e tombaria a garrafa para provar daquele xarope. Foi quando fiquei a dois passos dele e disse:

- Qualé gambá? Tu não vai arrumar nada aí, meu cumpádi.

E veio aquela voz mansa, despreocupada, exibindo um pouco de surpresa:
Parecido com o Camurça


- Ih, olha o cara, véio. Me chamando de gambá, aê. Não fala coisa que tu não sabe, meu brother.
-Tá bom, seu erináceo. Mas você terá que se retirar. Estamos com uma mudança pesada aqui.
- Calma aê, mano, deixa eu só dá um trago desse drink aqui, me pareceu bem doce. Ah, antes que eu me esqueça, sou Camurça, o Ouriço Sussa.
- Camurça, sensacional! Achei que fosse Sonic.
- Pois é, malandragem, a galera não alivia nos apelidos. Sonic é meu primo japonês, mais velho. Ele curtia outras paradas, por isso aquela velocidade, tá ligado? E qual é sua graça, amigo?
- Thiago.
- Então, Thiago, vai deixar eu dar um gole neste néctar aqui do lado?
- Ô Camurça, vou fazer o seguinte: derramarei um pouco ali na calçada, você bebe, lambe aquilo lá e depois siga seu rumo, beleza?
- Podicrê. 

Camurça fazia pose para as câmeras dos celulares do pessoal da mudança. Eu levava o resto de Fanta para a calçada quando, pouco depois, ele falou:

- Aí, outra coisa, meu nobre, tu não arranjaria um cigarrinho para mim não?

Pedi um Derby para um dos caras, acendi-o e entreguei ao Camurça.

- Toma, vai lá, mete o pé depois, vai viver lá na sua floresta.
- Enquanto ainda tem, né parceiro? – E rebolou no andar para a calçada.
Esboço do Camurça em sua despedida


Camurça, o Ouriço Sussa, tinha razão: “enquanto ainda tem” um pouco de floresta. Fui arrumar algumas caixas. Quando voltei, só vi um rabo sumindo atrás de uma árvore do outro lado da rua, e uma fumacinha subindo.

Petrópolis, 22 de setembro de 2013.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

DEDICATÓRIAS FANTÁSTICAS


Sigmund Freud, humildemente, pediria a Sófocles um dedicatória em seu exemplar de Édipo-Rei 


Ao meu amigo Sig,
Espero que possa aliviar um pouco sua cabeça de seus intensos estudos
sobre o comportamento humano com esta pequena obra de minha arte.
Abraços
 
Sófocles 


















Cervantes, recebendo uma edição de Dom Quixote das mãos de Dostoiévski para que este receba a dedicatória: 

Ao meu nobre Fiodor, Camarada Dasta!
Cá estão algumas desventuras e aventuras de um fidalgo e seu fiel escudeiro e mais algumas coisas que acontecem na vida. Loucas sabedorias!
 
De seu amigo
Miguel 
(Dostoiévski afirmara em uma entrevista que Dom Quixote é a obra que resume a vida) 




Neil Armstrong e Buzz Aldrin, cada um com uma edição de Viagem ao Redor da Lua, de Júlio Verne, entregam-nas ao escritor para receberem a seguinte dedicatória: ( O coitado do Michael Collins sofreria mais uma desilusão)

Neil (Buzz),
Isto é uma história, ficção, arte...
mas os homens podem evoluir tecnologicamente a façanha que aqui narro.
Espero que aprecie esta aventura.
Cordialmente,
 
J. Verne 

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2005.