Zelador

Minha foto
...de repente, o que está aqui lhe apetece.

Seguidores

domingo, 20 de julho de 2014

MEDITAÇÕES CRUCIAIS


Não sei o que pode ser mais bizarro: eu ir a uma loja de conveniências em um posto de gasolina, pouco antes da meia-noite, para comprar dois sanduíches (em teoria) naturais e um suco de uva (light), ou o que lá presenciei.

Ali estava nessa minha (finalmente) atitude saudável em um postinho de gasolina. Após trocar dois ou três diálogos sobre rock com um aluno que aparecera por lá, dirigi-me para a fila da caixa com os já mencionados produtos. Embora a face da atendente (que eu conhecia) tenha demonstrado estranheza quanto à ausência de cerveja dentre os itens, ela não fez nenhum comentário.

Dois homens entraram na loja e se separaram para as devidas tarefas sem, no entanto, e apesar da distância entre eles, terminarem o assunto que teciam antes. Falavam com tal altura e naturalidade que parecia conversar com todos os presentes. Cheguei a pensar que um deles, o que pegava garrafas de água com e sem gás, falava comigo, mas, obviamente, o assunto era com o amigo, que vinha com uma garrafa de dois litros de Coca-Cola. Ainda que tivessem dirigido a mim alguma pergunta ou comentário, assim, de supetão, não compreenderia muito bem pois, em breve análise posterior, se tratava de um idioma que não era de origem latina, anglo-saxônica ou mesmo eslava.

Comecei a achar que estava em meus momentos de esquizofrenia linguística (se fosse possível ter “momentos” em esquizofrenia), porém me certifiquei que não ouvia o meu idioma ali. Não ouvíamos, melhor dizendo, pois o senhor que tomava café no balcão, a mulher que saíra do banheiro e a atendente também se concentravam no diálogo em idioma ou dialeto desconhecido que nos intrigava a todos.

Eles não ligavam ou nem imaginavam o mistério que nos oferecia. Um era alto e barbudo e o outro era baixo e semi-barbudo; ambos possuíam destacável naso-protuberância. De repente eles se movimentaram e tomaram a minha frente na fila, sem querer, uma vez que ainda consumiam as bebidas. Pedi-lhes licença sem mencionar palavra, mas aguçando os ouvidos no afã de desvendar pelo menos a origem, o tronco linguístico daquele dialeto. Formulei três análises para uma conclusão:

1 – Há em Teresópolis uma significativa colônia árabe dentre sírios, libaneses e iemenitas;
2 – Enquanto dei aulas de português para um ilustre médico libanês, o Bassim, com quem criei grande amizade, pude aprender alguns vocábulos e fonemas bem como alguma musicalidade no árabe que ele falava;
3 – Alguns adolescentes ou mesmo adultos terem a mesma musicalidade daquele colóquio, entretanto...

Conclusão: falavam em árabe.

Foram segundos de vã-glória. Paguei minhas provisões e demorei para sair da loja. Enquanto isso, um deles levava a garrafa de refrigerante já aberta para o carro e falou com a atendente na caixa:

- Pode incluir aí aquela Coca. Ele vai pagar.

Era o outro que estava na caixa, dispondo as garrafinhas de água e esperando o preço. Mesmo assim eu acreditava que um deles era de língua árabe, o que estava pagando. Firmou o contrato verbal de compra e venda em idioma ainda ininteligível para mim (mas suficiente para a atendente), embora já se assemelhando a um dialeto de origem latina. 

Quando saía, vi que eles entraram numa pick-up branca. A placa, pelo menos, me deu uma noção de onde vinha aquele idioma: Três Lagoas-MS. Na divisa com o estado de São Paulo, pertinho de Ilha Solteira. deviam ser parentes de algum formando e... Bom, aí já é muita conjectura para a paciência do leitor.
Teresópolis, 6 de dezembro de 2011.




sábado, 7 de junho de 2014

UM NOME SÓ



Um nome. É, um nome pode motivar uma crônica, conto... romance e, claro, poesia. É assim mesmo. É assim que ouvi um nome desses que me motivou a reportar as próximas linhas. Nada demais, já lhes digo, mas nos dará um risinho besta.

Na farmácia, pediria uns paliativos para gripe, uns descongestionadores. Um de nome persa, Nardirim. Ao que o atendente, de pronto, opinou:

- Este é o melhor! Limpa tudo, igual bala halls preta.

Concordei com o "bala halls". Depois me ofereceu um daqueles que multidetonadores da gripe, que inibem o vírus de modo semelhante ao que uma caipirinha faria.

- Mas toma esse no máximo de seis em seis horas, porque ele dá uma baqueada, te deixa meio sonolento. - Agradeci. Eu gosto desses conselhos solícitos.

- Podes crer.

A farmácia estava vazia. Dali para ir ao caixa, pagar e ir embora não duraria mais de um minuto. Bastava esperar aquele senhor tirar os cotovelos do balcão, eu ser o próximo, pagar e sair. Mas sair dali não era o objetivo imediato do senhor, daquele senhor, pois, até se explica, a farmacêutica estava no caixa. Linda farmacêutica.

Olhos amendoados encimados por talhada sobrancelhas; de um cabelo liso querendo se ondular, de um ondeado querendo se alisar; denso, de um negro brilhante. Nariz devidamente proporcional à largura e comprimento dos lábios, dos quais o pouco espaço entre o ápice do lábio superior com a base das narinas dava um charme inenarrável. Os cabelos, se soltos, atingiriam a vértebra lombar 2. A camisa parecia um número menor do que seus seios podiam suportar, mas se alargavam no decorrer de seu corpo. A pele, daquela... daquela cor.

Agora sabemos porque aquele senhor não se desgrudava do balcão. E ele proseava. Peguei o assunto no meio:

- Morava ali, depois da estação, que ia para Vassouras. – disse ele.

A moça (sei o nome dela, pois está escrito no jaleco, mas não vou revelar aqui), não sabia muito da estação. Mas se a descrevi, devo descrever o senhor. O que tinha de cabelo rodeava sua cabeça. A paz saía de seus olhos, de seu rosto bem barbeado. Batia no meu ombro, trajava calça e camisa sociais, de cores discretas. Uma boina lhe dava uma peculiaridade. Mas percebi isso tudo somente quando ele se afastou do balcão, sem, todavia, terminar o assunto.

- Então, ali na estação que eu trabalhava, conhecia muita gente. Gente da época de seu pai.  - O “ali”, era Miguel Pereira, cidade das rosas, estado do Rio. Ao que a moça comenta:

- Eu gosto de lá, mas é uma pena porque não tem muita opção de emprego. Aí eu tenho que trabalhar aqui.

Afastou-se do balcão, tirou a boina. Era para eu falar que estava comprando isso e aquilo, era minha vez. Entretanto, percebi que eu esperava a continuação da conversa. Instalou-se um silêncio e inércia. Ameacei dizer o que pedira, mas o senhor lançava sua cartada:

- Você deve conhecer o Venceslau.
[“Venceslau”, ali percebi que o nome daria uma boa crônica]

Pela cara dela era óbvio que não conhecia o Venceslau, talvez o Brás, da República Velha, então nova na época. Só que a cara dela era de total desconhecimento, ao que a resposta foi, naturalmente:

- Não, não conheço não – e se virou para mim – um Multigripe e um Nasradim, só isso?

Demorei a perceber, mas respondi: “sim, só isso”, e estiquei o braço com o dinheiro. Mas o senhor ainda tinha alguns fatores para memorar a moça.

- Venceslau, não lembra? Bebia uma cachaça. Na verdade ele comia cachaça, porque quando bebia estava tudo bem, mas quando comia...

Eu entendi, creio. Mas a moça ficou interrogativa.

- Mais alguma coisa?

-Não, obrigado.

E que saberemos do Venceslau? Ou Wenceslau, com "W"?

Petrópolis, 7 de junho de 2014





sábado, 8 de fevereiro de 2014

INTERDITO (folhas perdidas de Cervantes)



As oito patas, quatro de Rocinante, quatro de Ruço, estavam naturalmente desarmonicas. As do magro cavalo dava uma batida tlec... tlec... tlec, ao (com) passo que as do muar era tlec tlec tlec tlec. Um sol que somente o andaluz estava acostumado, apesar de esparasas nuvens na descida do horizonte.
- Senhor...

- Diga, Sancho filho, finalmente alguma manifestação para quebrarmos o silêncio desta toada quase infinda.

- Creio que vossa mercê não pode passar daqui.

- Como ousa a estabelecer minhas idas e vindas, meu afã pelas aventuras e desventuras em busca de algo que me é real: o achamento da mais formosa Dulcineia de Tomboso, a mais bela criatura que a terra pode testemunhar! Por acaso está trocando de cérebro com seu asno?

- Não se exaltes, ó dignitário amo, senhor de minhas razões de viver, o mais corajoso e sensato cavaleiro. O Cavaleiro da Triste Figura, o Cavaleiro dos Leões e da Literatura Mundial. Mas...

- Ora, Sancho amigo, ofereço minhas escusas por ter excedido os limites do bom colóquio. Compreenda, por favor, deve ser o sol. Continue, pois.

- Veja esta placa á sua direita. Parece que é sua exata caricatura, e a faixa vermelha sobre ela, significa que está à sua direita. E sei o porquê: um dos gigantes está mais para lá. embora pareça adormecido, é sempre um risco, não é, senhor?

Quixote, que já havia observado o moinho mas não a placa, solta uma baforada de riso, emblema um semblante de compaixão ante à ingenuidade de Sancho.

- Sancho Pança, meu fidelíssimo escudeiro, cuja sagacidade e dedicação ao dever jamais duvidei. Sancho meu amigo, tal símbolo em forma de placa é apenas o retrato do medo que se assolou em nossas terras após minhas desventuras e mentiras sobre minha determinação.  Aquilo não passa de um moinho, estático e por ora inativo, ao que meus olhos ofuscados podem observar. São fantasias de nossos inimigos que cismam em nos ludibriar. Sigamos! Adiante!

- Senhor, estes raios, este calor estão lhe trazendo uma razão preocupante.

- Shhhh, silêncio, vamos passando. Sem ruídos o moinho não perceberá nossa presença.

E Sancho, num alívio quanto à sanidade sabia de seu amo ter voltado, concorda em silêncio.

- Sim, insigne cavaleiro, caminhemos sem alardes no momento.

Petrópolis, 8 de fevereiro de 2014.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

CSI: CORRÊAS


Mainha falou: 
- Thiago, vai comprar as coisas desta lista aqui lá no supermercado.
Estava vendo um jogo de rugby em VT com meu pai. Olhei para ele e ele, sem falar nada, falou " Fazer o quê, sua mãe falou, é ordem". 

Por uma inassociável obra do acaso, não víamos nossas séries preferidas: CSI, Criminal Minds, Mentalist, NCIS, Law & Order e filmes do Steve(n) Seagal. Todas que exigem muito raciocínio, principlamente as obras do último supra citado. Muito menos lia Padre Brown, de Chesterton; Maigret, de Georges Simenon; Poirot, da Agatha; e Sherlock e Watson, do Sir Arthur (estes permanecem na mesa de cabeceira).
Fui para meu quarto pôr uma camiseta qualquer e calçar o tênis. Sentei-me na cama e percebi um líquido estranho enquanto punha uma das meias. Estranho. A mancha vinha da porta, em jato diagonal. Entretanto, havia uma robusta poça deste líquido na área da dita mancha; vários respingos ao redor. Pelos brancos, pretos e cinzas no chão. Muito estranho.
(fade-out) 

[Música do The Who, um minuto de intervalo, comerciais. Volta a cena. Uma sirene, uma buzinada e uns latidos]

"Urina", confirmei após sentir os odores. Isolei a área e imaginei as ações dos suspeitos. Seis: Quatro terriers brasileiros - Miúda, Xuxo, Gilmar e a vistante Gilda, mais a poodle Maria Augusta - e eu, que tinha um álibi - estava vendo TV na hora do crime e era o investigador. 

O autor, ou os autores do crime estavam entre nós. A porta estava aberta, sem sinais de arrobamento. Nada avariada, não houve luta ou resistência da vítima. 

Alguns dos suspeitos apareceram à porta do local do crime apresentando inocência em seus semblantes. Coletei amostras de DNA. Gilda e Gilmar refutaram em ceder, mas, sagaz como sou, deixei-os me lamber e consegui o que queria. Adquiri as digitais nas pegadas deles pelo local. Enviei tudo para o Laboratório de Corrêas. 
[música desconhecida e de boa qualidade enquanto faziam os testes e reconhecimentos]
Dois DNAs reconhecidos no material: um de macho e outro de fêmea. Chamei-os para a sala de interrogatório. A todos comecei com a frase: "Já falei para vocês não fazerem xixi dentro de casa!" 

Maria Augusta aka Fifi









Maria Augusta, a poodle: Me olhou sobre a franja e apresentou seu olho doente, querendo apenas brincar. Velhinha, não vê e nem ouve bem senão quando capta presença de frutas. Sua idade autoriza várias atitudes dentro de casa, mas não a do crime. Sem digitais na área do crime.

Miúda aka Fiúza


 Miúda: Me lambeu, pediu carinho e correu para o terreiro fazer suas necessidades. Alegava fome também. Falou: Aff! e saiu tipo princesa "Quem sou eu para me submeter a este tipo de inquérito?" Se tivesse um cigarro, baforava no ambiente e o enchia de sua empáfia.






Gilmar: Veio todo feliz e palrador, rosnando vontades de se comunicar. Cheirou o local, cheiros cantos da mesa e cadeira. Acha-se malandro. Após pedir carinho, se empolgou e deixou um filete de urina. Olhar suspeito.
Gilmar aka Cachorro-Gil












Gilda
Gilda: Veio de repente, percebeu que era uma coisa que ela não estava acostumada e quis logo urinar em paz. (No photo filed yet). Falava demais, e não largava suas jóias.






Xuxo:Veio cabisbaixo, todo humilde, demonstrando traumas ininteligíveis em seu olhar. Queria continuar ali. Olhava todos. Estranho.


Xuxo











Chegaram as amostras. Eliminei-as, pois já sabia que tudo isso se tratava de um caso de amor mal 
resolvido. 

Gilda entrou no meu quarto e ali, sentindo cheiro de outros cachorros, urinou. Gilmar, em veemente perseguição, foi ali marcar aquele que acha seu território. Tudo em questão de segundos. Todos os dois com os olhares mais afetivos que podemos ver. Ninguém falou: "quero um advogado".
Dei-lhes voz de prisão, e todos vieram em minha direção cheios de carinho: lambendo, latindo, já se encostando, deitando em meu colo.  Mas dei meu esporro. 
- Nunca mais façam isso, gente. 
Aí mainha chegou de novo:
- Já voltou , meu filho? Cadê as compras?
E fui para a missão. 
Petrópolis, 3 de janeiro de 2014