Agora que já passou o
amigo-oculto da “empresa”, pode falar da saga que é comprar um, um único
presente. Fui o último a tirar o papelzinho, era aquele ou nenhum mais. Vibrei
quando vi na lista o presente sugerido: Um disco do Ray Charles. Sem mais. Não! Mais um pouco.
Pensei que passara todas as
músicas do Ray para o meu computador. Faria uma bela coleção, imprimiria
algumas fotos do Ray, contrataria os serviços de publicidade do meu irmão e
faria um maravilhoso CD/MP3 pirata. Só que não pude fazer isso. As músicas não
foram para o computador, logo, haveria de comprá-lo.
Eu ainda gosto de comprar
CDs. Destino, pois, L.A. (Lojas Americanas). Coisa rápida, apesar das cheias
nas ruas durante este período.
Eu, que costumo fazer as coisas
do dia-a-dia a pé, decidi ingenuamente (a ingenuidade que ainda há de me finar)
ir de ônibus naquele dia. Os ônibus da bela Teresópolis adotaram um sistema de identificação
de idosos por meio das digitais. Então o senhor ou senhora, para ter sua passagem
gratuita, deve passar o dedo em um sensor que irá identificá-lo e o liberar a
catraca... isso na teoria. A prática: passa um dedo da mão direita, digital
incorreta; passa o outro, o dedo médio, digital incorreta. Fila aumenta, surgem
reclamações. Passa o indicador da esquerda, digital incorreta. Motorista e
trocador são vítimas injustas das reclamações. Dedo médio da esquerda (simbolismo
da revolta), demora, processando, digital correta, idoso aprovado. Isso a cada
parada, cinco minutos. O que seria uma “viagem” de pouco mais de seis minutos
se transforma em mais de trinta, agregando o intenso tráfego. A pé, chegaria
bem antes às L.A. Mas...
Lojas Americanas. É certo que
haverá alguns CDs do Ray, todos que comprei vieram de lá. Alguns minutos
procurando naquele caos de prateleiras sairía com um exemplar por ótimo preço. Entretanto,
o caos é maior do que imaginava. Verifiquei nas prateleiras de CDs caros (quase
comprei um do Zé Ramalho tocando Beatles) e nada de Ray Charles. Tive que me
dirigir a uma funcionária:
- Senhorita, por favor. Cd do...
Por uns instantes achei que
estava invisível, mas ela me indicou outro funcionário apontando-o com o
queixo:
- Boa tarde, amigo. Cd do Ray Charles.
Devo frisar que tocava pela
segunda vez o outro Rei, o Carlos, O Cara. Ao que ele me responde:
- É só procurar, temos vários
dele. Você quer o novo?
- Não, apenas uma coletânea...
- Tem nas prateleiras e naquele
cesto ali. Tem que procurar. Até os da Jovem Guarda.
Dedilhei aquilo tudo. De AC/DC a
Belo; de Judas Priest a Victor & Léo – peguei um de Santana, O Cantador,
presente para meu pai - de Chico Buarque a Oasis; De Biquíni Cavadão a Guns ‘n’
Roses – achei um de tangos, para mainha. É, deveria ir à loja especializada em
CDs e variantes. Comprei os CDs sem enfrentar fila porque ninguém havia
reparado nas caixas vazias em outro setor.
Chegando à loja especializada,
recepção de gala. “Boa tarde, boa tarde, posso lhe ajudar, claro, Entre e Ouça.
- Ray Charles. - fui lacônico.
- CD ou DVD? – o sujeito era
profissional.
- CD.
Acenou-me no estilo: “vem comigo
que você não vai se arrepender”, e deixou em minhas mãos quatro CDs do Ray. Dois
com músicas dos primeiros anos de sucesso e outros dois com gravações mais
modernas. Nenhuma coletânea. Achei ótimo. Alguns minutos de escolha e decidi
por um com canções mais atuais, pouco antes da morte dele. Quase levei todos.
Evitava ver outros produtos, pois
já pensava em comprar muita coisa – dos DVDs, um do Pink Floyd e outro do The
Who; dos CDs um do ainda Jorge Ben e outro David Bowie. Comprei o presente,
afinal, e ainda vi duas meninas procurando por Yellow Submarine; outro jovem
casal querendo um DVD de uma Filarmônica que tocasse Beethoven. Ali se mostrava
a esperança na melhora da humanidade, apesar de poucas horas antes de mais um
Fim-do-Mundo.
Já se passavam quase três horas
de “compras”. Saí da loja e tomei a rua. Novo caos. Os carros me declinavam da
esperança de melhora da humanidade através de seus potentes e abelhudos sons.
Mas estava pronto para o amigo-oculto, pessoa especialíssima. Tão especial
quanto a que tirou o papelzinho com meu nome, colega de função (co-worker). Tenho,
finalmente, “Educação Sentimental” de Gustave Flaubert. Com dedicatória!
Foi desgastante, um só presente
como objetivo. Mas, imagina para os que devem comprar mais de dois?
Itaipava, 23 de dezembro de 2012.