Na sala, mãe e filha estavam com a televisão ligada.
Também conversavam durante o noticiário, antes da novela.
— “A Polícia Federal prendeu ontem mais três
suspeitos de corrupção, apropriação indébita e desvio de dinheiro público para
contas privadas no exterior.”
—
Mãe, se não choveu hoje, só chove na semana que vem.
— Que é isso,
minha filha? Hoje de madrugada ouvi uns pingos e o terreiro amanheceu molhado.
— “Guerra do tráfico: facções rivais trocam
tiros com policiais em
pleno Centro da capital do estado e explodem duas granadas
lançadas a esmo sobre as pessoas. Além de vários feridos, um senhor aposentado
foi atingido no pescoço e morreu na hora.”
— Filha,
aquela sua blusa nova ficou boa em você? Eu comprei ontem, mas achei muito
longa.
— Ah, mãe,
ficou um pouquinho longa sim; apertada aqui embaixo, na barriga, mas nada fora
da moda. Além do mais, a cor é linda. Mais uma vez, a senhora acertou. Brigada, tá?
— “O Congresso Nacional adia a votação do
projeto de lei que autoriza a distribuição gratuita de preservativos em todo o
território do país, inclusive nas regiões de classes mais abastadas. É a sétima
vez, em dez anos, que o projeto entra em pauta, mas não há quorum
suficiente para a aprovação. O porta-voz do governo, entretanto, explicou que,
além da falta de interesse dos representantes dos cidadãos, as empresas não
entraram em acordo com os fabricantes do produto que alegam não haver garantias
para a distribuição dos preservativos.”.
— Cadê seu
namorado? Tem tempo que ele não aparece aqui.
— Ainda deve
estar com medo do papai. Depois daquele barraco que aconteceu aqui... ih....
bem, deixa para lá.
— “O presidente da República, em viagem oficial
aos países economicamente relevantes do Leste Europeu, diz que as propostas de
acordos bilaterais estão tendo bons respaldos e os laços com determinados
países estão se estreitando. Novos e grandes parceiros comerciais estão
surgindo. ‘O Brasil se aproxima cada vez mais do desenvolvimento. O
futuro é agora!’, alegou o nosso representante maior.”
— Papai vai
chegar que horas, mãe?
— Isso era
tudo que queria saber. Saiu às sete horas do trabalho e falou que ia ao bar com
três novos clientes, para tratar melhor dos assuntos. Só que eu liguei para o
celular dele quando acabou a novela das sete e deu fora de área.
— “Crime no interior. Corpo totalmente
desfigurado de um jovem é achado à beira de uma estrada próxima a uma
propriedade particular. A Polícia suspeita de crime passional ou vingança. O
inquérito foi aberto nessa manhã e aponta o empregado da fazenda como principal
suspeito, mas veem cumplicidade da menor M., que também trabalha na fazenda. O
crime abalou a pequena cidade por causa da atrocidade da execução. O prefeito
está abalado e mandou os pêsames aos familiares, que são de origem bem humilde.
A mãe do jovem está em estado de choque e o pai avisou que se as autoridades
não se manifestarem logo, a Justiça Divina tomará as providências.”
— Mãe, estou
com uma coceira aqui. Vê o que é para mim?
— Hum. Deve
ser um mosquito que fez isso, nada demais. Passa amônia; está lá em cima do
armário da cozinha, aquele cor-de-madeira.
Aproveita e traz um copo d’água para mim, fazendo favor.
— “O Congresso
dos Estados Unidos da América aprovou mais verbas para os militares e para a
construção de material bélico com tecnologia de ponta. O tenaz objetivo é
evitar as ações dos terroristas que ameaçam constantemente a democracia mundial
e o poder de Deus. Parte da população
de Washington fez uma caminhada até a Casa Branca, entretanto, a força policial
não permitiu que passassem das imediações do local, confinando-os, pois, às
margens do Pontiac.”
— Aqui está,
mãe. Bem fresquinha. Já tomou o remédio?
— Está aqui na
caixinha, foi até bom você me avisar porque a dor de cabeça está piorando.
— “Depois dos grandes resultados no Campeonato
Mundial, a delegação de handebol solicitou ao comitê olímpico mais verbas para
o esporte, uma vez que este é uma das atividades que mais vem se desenvolvendo
e crescendo o número de praticantes nas escolas e nos clubes. O apoio daria
condições aos atletas de treinarem e evitaria a larga emigração aos grandes
centros do esporte, como a Europa.”
— Ih, mãe.
Falou Europa ali? Não é de lá que veio a família da vovó?
— Isso mesmo,
minha filha. Do Líbano, caminho para a Europa.
— “Uma senhora de sessenta e oito anos de idade
ganhou uma menção honrosa da UNICEF, órgão das Nações Unidas para o auxílio às
crianças pobres, por causa de seu projeto criado na cidade de F., onde abriga
crianças órfãs e carentes, dando-lhes casa, comida e o principal: carinho.”.
—
Ah, que coisa bonita! É assim que as pessoas deviam
ser.
— Até que enfim uma notícia que preste! É só
desgraça, coisa boa nunca mostram... até que hoje foi bom o jornal.
— “Boa Noite. Boa noite!”
— Mãe presta
atenção que vai começar o capítulo.
— Estou aqui
minha filha. Você acha que eu vou perder?
O marido,
cansado e um pouco alto devido às cervejas, chega em casa. Recebe um oi e um boa noite não se sabe de qual das duas, ou da terceira outra
“pessoa”. Vai para a cozinha, come o que acha nas panelas sem se dar o trabalho
de esquentar. Banheiro e quarto.
Petrópolis, 28 de dezembro de 2004.
Da série: "Como estar completamente fora da casinha! e, ao mesmo tempo, dentro de uma bolha!"
ResponderExcluirTres pessoas, sendo uma meio eletrônica - sem dúvida, pobres de mente - sem visão, sem audição, sem tato - a quarta pessoa que aparece só de relance, não tem existencia
ResponderExcluirThiago, receba o meu forte fraterno abraço pleno de afeto. Continue firme no amoroso treinamento. A derradeira aventura está em curso acelerado. Estou sempre por aqui. O jogo segue em nossa limpeza... Sinto muito, me perdoe, o amo, sou grato
ResponderExcluirOlá Thiago, tudo bom?
ResponderExcluirEu vi seu comentário lá no blog, valeu...
KKKKK
Exatamente o que queria dizer, mas eu não poderia ter dito de melhor forma.
Eu acrescentaria ao perfil depressivo de Reinaldo Azevedo, por conta de uma homossexualidade não assumida, uma síndrome do pânico, sei lá, algo ligado à uma mania de perseguição.
O cara é um lixo humano.
Outra coisa..
O seu perfil no face. Eu estava tentando comentar algumas publicações suas, mas não tenho acesso.
Caso você ache que eu mereço esta honra, como eu faria para fazer comentários?
Abraço
Marcel
Marcel, é só me adicionar lá. Eu havia me esquecido de seu sobrenome, aí não te achei!
ResponderExcluirHahahah! Adorei a seleção mental que a mãe e a filha fizeram das noticias. A gente achando que elas num tava nem ai, mas estavam sim :)
ResponderExcluirauhauhah, é assim mesmo!
ResponderExcluir