Na
última viagem da casa antiga para a nova era a vez de levar os cachorros, três
terriers brasileiros (ex-fox paulistinha) e uma poodle preta-cinza. Só um
deles, o Gilmar, o mais novo, que instalou um inferno dentro do carro, a ponto
de minha mãe rezar para São Francisco. Isso foi pouco antes das dez da noite.
Chegamos
junto com o caminhão e enquanto eles começavam a descarregar eu prenderia os
cachorros, um de cada vez, em cárcere específico arranjado na casa. O primeiro,
claro, foi o Gilmar. Cruzei toda a casa e o deixei lá, com água e comida, e
retornei ao carro para pegar outro cão. Fui por um corredor do lado da casa,
que culminaria no portão, passando por um pequeno canteiro da frente da casa.
Ali, vi um bicho cinza tentando escapar numa lentidão de dar dó. “Putz, A Maria
Augusta (a poodle) fugiu do carro”, pensei. “Não, é um gambá!”, repensei. Tentei
enxotá-lo mas o bicho não tinha para onde fugir, refugiou-se, pois, num dos
arbustos, eriçando o que pensava ser os pelos. Passei por ele e fui para o
carro pegar outro cachorro; cuidaria daquele marsupial depois.
Na
volta, o bicho estava em cima de um parapeito no afã de beber a Fanta Laranja
que eu e os caras da mudança deixáramos ali inadvertidamente. O suposto gambá
já havia atraído a atenção deles. Aí que eles me corrigiram:
-
Isso não é gambá não, é ouriço. Fica muito bom ao forno, com batatas.
O
cuidado no transporte dos cachorros aumentou. Ouriços são os alvos preferidos
dos cães e tirar os espinhos é uma árdua atividade. Aprisionados os cães, fui
resolver o problema do ouriço. O vagaroso mamífero acabava de derrubar um copo
e tombaria a garrafa para provar daquele xarope. Foi quando fiquei a dois
passos dele e disse:
-
Qualé gambá? Tu não vai arrumar nada aí, meu cumpádi.
E
veio aquela voz mansa, despreocupada, exibindo um pouco de surpresa:
Parecido com o Camurça |
-
Ih, olha o cara, véio. Me chamando de gambá, aê. Não fala coisa que tu não sabe,
meu brother.
-Tá
bom, seu erináceo. Mas você terá que se retirar. Estamos com uma mudança pesada
aqui.
- Calma aê, mano, deixa eu só dá um trago desse drink aqui, me pareceu bem doce.
Ah, antes que eu me esqueça, sou Camurça, o Ouriço Sussa.
-
Camurça, sensacional! Achei que fosse Sonic.
-
Pois é, malandragem, a galera não alivia nos apelidos. Sonic é meu primo
japonês, mais velho. Ele curtia outras paradas, por isso aquela velocidade, tá
ligado? E qual é sua graça, amigo?
-
Thiago.
-
Então, Thiago, vai deixar eu dar um gole neste néctar aqui do lado?
-
Ô Camurça, vou fazer o seguinte: derramarei um pouco ali na calçada, você bebe,
lambe aquilo lá e depois siga seu rumo, beleza?
-
Podicrê.
Camurça
fazia pose para as câmeras dos celulares do pessoal da mudança. Eu levava o
resto de Fanta para a calçada quando, pouco depois, ele falou:
-
Aí, outra coisa, meu nobre, tu não arranjaria um cigarrinho para mim não?
Pedi
um Derby para um dos caras, acendi-o e entreguei ao Camurça.
-
Toma, vai lá, mete o pé depois, vai viver lá na sua floresta.
-
Enquanto ainda tem, né parceiro? – E rebolou no andar para a calçada.
Esboço do Camurça em sua despedida |
Camurça,
o Ouriço Sussa, tinha razão: “enquanto ainda tem” um pouco de floresta. Fui
arrumar algumas caixas. Quando voltei, só vi um rabo sumindo atrás de uma
árvore do outro lado da rua, e uma fumacinha subindo.
Petrópolis,
22 de setembro de 2013.
Camurça - que simpatia - linguagem contemporânea, não vivemaisna floresta e ainda mais que gosta de Fanta Laranja - supimpa essa crônica querido Thiago - amei
ResponderExcluirkkkkk, Thiago! Não sei o que é mais engraçado, o apelido do bicho, o desenho dele, o jeito de ele falar ou o Gilmar, que apronta toda, hahaha! Amei!
ResponderExcluirFanta Laranja: o ópio dos ouriços-camurças... risos!!!
ResponderExcluirNossa, Peste! Me diverti demais lendo esta crônica! E o Gilmar sempre crazy! Hahaha!
ResponderExcluirO Gilmar quase rouba a cena. Ele, por temor, não iria direto ao Camurça. São Francisco o protegeu.
ResponderExcluirUm ouriço falando "mano"? Tem certeza de que não era um gambá disfarçado? :p
ResponderExcluirAinda bem que o Camurça não conhece - ainda - a Fanta Uva. Ele viciaria. Mas os primos distantes dele gostam é de Coca-Cola, pelo o que dizem.