DIA ROMÂNTICO, POR QUE
NÃO?
Era fim de outono,
início de junho. O dia ensolarado, apesar de frio, chamava para um passeio na
cidade, um chocolate quente com torradas e quem sabe um cinema. Aqueles dias
que lá pelas cinco e meia, quinze para as seis os postes anunciariam a chegada
precoce da noite.
Os pais dele viajaram e
deixaram a casa, pelo menos até sábado, só para eles. Era a oportunidade de
desfrutar da casa como se fossem um verdadeiro casal.
Chegaram do cursinho
pré-vestibular. Ela, eufórica por a mãe ter deixado passar o dia, quiçá o fim
de semana, na casa do namorado, foi logo para a varanda elogiar o astro-rei que
iluminava a mata e aquecia, mais ou menos, o ambiente. Ele chega abraçando-a
carinhosamente, por trás e pergunta sem vontade de ter uma resposta positiva.
-Vamos dar uma volta,
almoçar fora...? – e não quis dar mais opções, queria mesmo era ficar em casa,
quieto.
-Vamos... para onde?
Tem o Café Bonjour...
-Vamos ficar aqui
mesmo! – interrompendo – a gente fica abraçadinho lá em baixo, na televisão,
curte um filme... - e não permitiu mais
sugestões.
Ele vestiu uma calça de
moletom vermelha, meias brancas, combinado com a camiseta Hering de mangas
compridas. Foram para a cozinha, enquanto ele abria a geladeira e pegava uma
garrafa de água e outra de guaraná e mais dois pacotes de fandangos; ela fazia
um brigadeiro, poupando a empregada do serviço. Estava decretado o dia de bode,
quando não se faz nada além de nada. Romântico, por que não?
-Levo copo? Pergunta
ele.
-Não, bebemos no
gargalo mesmo.
Ele vai para a sala de
televisão. A casa somente deles. A empregada só apareceria se solicitada sua
presença. A avó, que foi para o grupo de conversação em inglês, só voltaria
mais a noite se não resolvesse engatar madrugada adentro jogando canastra com o
mesmo grupo. A velha resolveu ser mais ativa depois de viúva.
Ele liga a televisão e
deixa no canal que está. Vê se tem algum filme em vídeo ou DVD que se
encaixaria no momento: Rambo – Programado para matar, Pepino de Capri, ao vivo
em Nápoles, 9 e 1/2 semanas de amor.
“Hum... será?” – Pensou, mas resolveu deixar para outra ocasião. A Bela e a Fera,
Titanic... “ah...vamos ver se na tv tem algo melhor”. Deixou as bebidas no pé
da mesa, arrumou uma almofada e ali encostou sua cabeça deixando seu corpo
estirado no grande sofá da sala. Neste cabem os dois com folga.
Ela chega com o prato
de brigadeiro. Um camisão do Snoopy e meias estampadas. O uniforme que ela
deixou um dia na casa dele para estas emergências.
-Espera um pouco que
está quente. – Ela alerta.
Ele faz sim com a
cabeça demonstrando o sono que estava por vir, querendo esquecer a dor de
cabeça que aquele Domecq ajudou a criar ontem, no aniversário do Gil.
-Deita aqui, gatinha,
daqui a pouco a gente come, está com fome?
-Mas que cara, hein
mozão? Quantas cervejas você tomou ontem no Gil?
-Três.
-Só?! E você está
assim?... duvido!
-Sim, foram só três
cervejas, é que... rolou um Domecq lá... aí já viu, né? – falou com uma voz
titubeante não querendo denunciar o coitado do conhaque.
-Cruz credo, toma
cuidado, viu?
-Cuidado? Ainda não
tomei, é da boa essa bebida?
-Engraçadinho, que
piadinha mais batida essa? – Foi se deitando ao lado dele pegando o controle. O
dia estava para a paz, não haveria discussões. – Que você quer ver?
-Ah, gatinha, vai
rodando aí – diz ele pouco se importando com o que veria. O sono era mais
forte. cinco e meia da tarde, é a hora mortal para qualquer indivíduo que
esteja num sofá, é sono na certa.
Ela começou o tour
pelos canais:
Discovery Channel. Uma
voz baixa, em inglês, do apresentador, seguida de uma dublagem em português,
mal feita:
(However, during the
dawn... Entretanto, durante o nascer do sol, os lêmures já despertam em busca
de seus alimentos...) ZAP!
Algum canal de esporte.
O Narrador: “Bola para Chagas na direita, bem marcado joga mais atrás com
Paulinho, vai ser obrigado a voltar pro goleiro”.
Neste momento ele abre
um pouco os olhos, percebe que é o video-tape do jogo de quarta e volta a seu
início de sono. Ela muda rapidamente com medo dele gostar do jogo. ZAP!
CNN Internacional. Actually, Arafat and Sharon will
not reach to an agreement for the Hamadah group does not accept any kind of
conversation... ZAP!
Music Television. Pega
o fim de um clip da Britney Spears e espera a apresentadora anunciar o outro
vindouro... “Agora com vocês, o terceiro lugar de hoje Titãs, com ...” ZAP!
Ele se revolta por uns
segundos.
-Pô, gatinha, deixa lá,
Titãs é maneiro.
-Dorme aí, mozão.
TV Cultura. Uma
entrevista: “...e com este investimento, daríamos melhor condição para que, a
partir do próximo trimestre, as empresas possam respirar e assim satisfazer os
investidores internacionais,” ZAP!
Outro canal de esporte. “I can´t believe in my eyes, Michael Jordan
is on fire tonight!” ZAP!
-Ai, mozão, não tem
nada para ver agora. – Reclama, com uma vozinha fina de começo de choro. A
resposta dele foi um ronco.
-Mozão!!
Ele a abraça e a põe
deitada na frente dele para descansarem.
-Me dá o controle! –
Passaria a tomar o controle do controle dos canais e ainda faz um comentário
que se fosse em qualquer outra situação começaria uma peleja muito violenta. -
Mulher quando tem muito poder dá nisso. Ê indecisão!
Ela riu... de pena.
Botou no canal de um
filme qualquer. Robert de Niro, Taxi Driver “Are you talk to me?” E vibrou.
-Putz, na melhor cena!
– Mudou para o outro canal de filme.
Ela pegava a primeira
colherada de brigadeiro.
-Já está morninho,
quer?
Ele fez que sim com a
cabeça sem tirar os olhos da tela. Era Sociedade Dos Poetas Mortos. Lamentou estar no fim. “Oh capitain, my capitain! ...
Oh capitain my capitain!”
-Adorei este filme,
confesso que chorei nesta hora. - E abocanha a colher que está em sua frente,
quase nos lábios, dada pela namorada. E
elogia. - Nossa, gatinha, que
brigadeiro gostoso. Já podemos casar! – Brincou, mas ela levou a sério e no
futuro usaria essas palavras em alguma discussão.
A camisola do Snoopy já
não impedia que o frio subisse por suas pernas, logo adotou o cobertor até
então usado somente pelo namorado. Ele abriu a garrafa de guaraná, deu uma
golada e pegou um punhado de fandangos. A preguiça fez com que ele comesse na
horizontal mesmo. Mas beber foi mais difícil e derramou no sofá algumas gotas.
Ele que aguentasse a bronca quando a mãe descobrisse. Deixou na MTV de novo.
-Vai ficar aí mesmo, a
gente só fica ouvindo, de repente passa uma música legal, né gatinha?
-Ela concordou e se
virou para ele para darem um beijinho gostoso, até um pouco demorado. Eles se
amam, mesmo. Só assim para suportarem um beijo que mistura brigadeiro e
guaraná, com vestígios dos fandangos. Os dois depois foram à procura da água,
imediatamente.
A empregada aparece no
início da escadaria e avisa lá embaixo:
-Já estou indo, Rafa!
Quer alguma coisa?
-Ô Dona Alda, vai com
Deus, quero nada não. Você quer gatinha?
-Não.
-Pode ir Alda, o
dinheiro da passagem tá na mesa de mármore.
-Já peguei. Então tá,
Rafa, até amanhã. Até amanhã, Bel. Tem bolo de laranja na mesa da cozinha se
vocês quiserem.
-Até, Dona Alda. Vai
com Deus. Muito obrigado.
Voltam a se concentrar
naquilo que esqueceram que estavam fazendo. Abraçaram-se e encararam a tela
novamente. O frio aumentava, mas com o calor dos dois sob o cobertor não
percebiam a queda da temperatura.
-Olha a música, mozão!
-Estou ouvindo,
gatinha.
Era "Fala Mansa" tocando a música deles quando se conheceram. Naquele dia, ele havia mentido
se passando por um professor de forró e ela acreditou; naquele dia não
dançaram, pois ele alegava só dançar profissionalmente. Até hoje não deram um
requebrado dançando forró.
Beijou-a na bochecha.
Ela sorriu e retribuiu o beijo. E curtiram o dia escurecer.
Petrópolis, abril de
2002
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