Para o bem da Literatura em Língua Portuguesa ,
José Saramago ganhou o prêmio Nobel da Literatura em 1998 com o livro, se não
me engano, “Levantado do Chão”. E para o bem do mundo, essa premiação eriçou a
curiosidade mundial daqueles que ainda não haviam atentado para a qualidade das
obras em nosso idioma. Essa expressão, nosso
idioma, é muito bem figurada por ele como o idioma de Camões e Machado de
Assis, “pois o mundo ainda não o conhece como deveria”.
Li em uma recente edição de
Grande Sertões: Veredas um prefácio ou ensaio dizendo que já na década de 30 a língua portuguesa merecia
seu Nobel com Guimarães Rosa, para citar somente um. Entretanto, continua o
autor do prefácio, o fato de ser em língua portuguesa ainda era muito exótico,
digamos assim, para a literatura mundial reconhecê-la segundo os parâmetros da
homenagem sueca. Saramago seguramente endossa essa e diversas outras opiniões
quanto o tardio reconhecimento de nossa literatura moderna e contemporânea.
Saramago não se considera um
grande romancista senão um ensaísta que brinca com a prosa e, desse modo,
transforma seus escritos em quase-romances. Desde
98, portanto, os leitores de todo o Brasil e do mundo passaram a conhecer mais
suas obras por causa da grande oferta nas livrarias e reedições oferecidas
pelas editoras. Um mundo leitor que já conhecia Eça de Queiróz, Júlio Dinis e
Camilo Castelo Branco; Mário de Sá Carneiro, Florbela Espanca e Antero de
Quental.
Fernando Pessoa é mais que pessoa,
mais que alma, mais que poeta, mais que mundial. Logo, é outro assunto,
meta-filosofal.
Para nós brasileiros, não teria
graça falar dos nossos magistrais escritores porque nós temos conhecimento
deles e de suas obras. Mas é interessante perceber que só falei até agora de
brasileiros e portugueses. Não falei dos africanos de Angola, Cabo Verde, Moçambique,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe; e dos asiáticos do Timor Leste, Goa e Dão (Índia),
Málaca e ainda Macau.
Não falar deles foi um dos
sintomas, o outro é saber que, embora haja grandes pesquisadores e
especialistas em Literatura africana, a quantidade de cursos e disciplinas é
escassa. Para os novos profissionais da área e aos estudiosos, engajar-se no
estudo de nosso idioma no outro lado do Atlântico e em dois pontos do Índico,
será uma seqüência de descobertas equivalente às que os navegadores portugueses
fizeram há mais de cinco séculos, por mares nunca dantes navegados. Desse modo,
Saramago dirá que o nosso idioma é o idioma de Camões, Machado de Assis, João
Agualusa (Angola), Mia Couto (Moçambique), Manuel Lopes (Cabo Verde). E ainda
vamos nos surpreender quando descobrimos a literatura do Timor Leste.
Todavia, José Saramago, não
deixou - e com razão -, que a editora brasileira fizesse uma leve adaptação
para o português falado no Brasil. Em seus escritos está a língua portuguesa,
em uma de suas manifestações. Ora, pois, concordo com nosso ribaltejano, sabe
ocê? Adaptando uma obra em português para português do Brasil é, não só mudar a
língua e o sentido como, pior, empobrecê-la, não é? A magia de uma língua tão
falada no mundo é saber de suas variações gramaticais, ortográficas,
lingüísticas etc. de acordo com suas circunstâncias históricas, sociais e
políticas.
Política... toquei no assunto. A
Rádio e Televisão Portuguesa (a iérretepê) mostrou um brilhante documentário
sobre a eclosão da revolução dos angolanos contra os colonos brancos
portugueses e a situação de colônia, ou seja, a guerra pela descolonização e
independência de Angola. 15 de março de 1961, as forças da União Popular de
Angola (UPA) iniciavam oficialmente a sua vontade de se desatar da ditadura de
Salazar.
Gostaria muito de desenvolver
esse tema, que está bem fresco em minha cabeça, mas deixarei para outra
ocasião, ou mais adiante, pois prefiro atentar para um suposto detalhe da
edição do documentário.
A narração e os depoimentos dos
militares portugueses e dos portugueses colonos nascidos em Angola não tinham
qualquer legenda, naturalmente. Nem imaginaria legenda em uma questão delicada
entre duas regiões de mesmo idioma, no entanto, não acontecia isso quando os
ex-membros da UPA. E após o impacto dessas legendas em português para um
discurso em português, percebia que entendia melhor os angolanos do que os
discursos dos militares portugueses.
Compreendi que por ser um
programa de Portugal, valeria a pena uma legenda caso o português angolano
fosse mais para dialeto do que para o idioma. As legendas, porém, eram
desnecessárias, por mais que eu tivesse que prestar atenção. Era uma espécie de
tradução de língua falada para língua escrita. E para um brasileiro, os dois
eram dialetos, mas línguas modernas e atuais, também manifestações regionais e
sociais da língua portuguesa.
E no lugar de concluir,
questiono: Saramago concordaria com essas legendas em espécie de tradução das
falas dos angolanos? Se assim o fizesse, deveria deixar fluir as adaptações de
suas obras, caso contrário, há um ranço colonialista em defender o português de
Portugal.
Compliquei, né?
* E quatro anos, desde que escrevi esse texto, é prazeroso saber que a quantidade e distribuição de romances e outras obras em línguas portuguesas aumentou muito.
Teresópolis, 29 de
janeiro de 2008.
Meus colegas do mestrado lusofono deverão achar teu texto interessante, Thiago! Compartilhadissimo!
ResponderExcluirFale com eles para ficarem à vontade em perguntar ou me oferecer qualquer coisa.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAcho quase tirano legendas adaptadas ao mundo de quem lê ou assiste... as legendas deveriam contextualizar a perspectiva de quem conta a estória... ainda sou do tipinho que acha que uma obra deva ser, genuinamente, exposta. Já pensou querer traduzir Guimarães Rosa para qualquer mundo que não seja o que ele quer, de fato, nos mostrar?!
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