Aquele que
imaginar uma resenha ousada sobre Ernest Hemingway ou uma obra dele nas
próximas linhas mude o espírito da leitura.
Ainda não li uma
obra inteira dele senão comentários e artigos. Vi também alguns documentários sobre vida e obras. Isso já seria suficiente para algumas palavras, mas não seriam tão aprofundadas
como gostaria de escrever numa crônica. Hemingway é um dos escritores a quem
devo ler. A ele e a outros mil.
Um dia, afanei
emprestado lá do serviço uma biografia dele, escrito por Carlos Baker; versão
pocket book, tamanho político/banqueiro, ou seja, bem grossa (explicação
desnecessária). No intuito de devolver rapidamente o livro à instituição, decidi
acabar com o livro rapidamente.
Consegui ler boa
quase-centena de páginas, mas a vida corrida da atual modernidade pós-moderna
da contemporaneidade nos impele a outras demais atividades que não uma leitura
daquilo que o indivíduo de nossa era pensa em terminar; fenômeno este mais conhecido
como “A preguiça sobre as leituras descompromissadas: difusões e infusões da
antiga Grécia à transição do século XX para o XXI”.
Entretanto, o
Inconsciente, este nosso ambivalente companheiro, que concomitantemente não
cansa de nos pregar peças nos ajudar a descobrirmos a nós mesmos, armou uma
para cima de mim.
Resolvi
devolvê-lo. Tornei-me irredutível. Larguei o livro na minha escrivaninha,
liguei o meu grande MP3 (laptop). Passava das onze da noite. Variava entre uma
palavra cruzada e uma partida de Mah-Jong no (agora) laptop, para chamar o sono
que andava por perto. Escolhi umas músicas do The Cult, Metallica e AC/DC, pus
no aleatório (em português, random) e deixei rolar. Depois de Hells Bells, do AC/DC,
veio For Whom the Bells Tolls (Por quem os sinos dobram?), do Metallica.
Foi um sinal.
Mas não soube o que fazer, como reagir a
esse sinal. Achei que depois de ter ouvido a sequência, ou mesmo um pouco antes,
deveria voltar à leitura, ainda que por alguns minutos antes de dormir. Assim o
fiz. Só que nas páginas que lia havia muitas palavras que não entendia. A
preguiça de pegar o dicionário (Cambridge Bloody Fucker Dictionary of English & Culture) mais vezes que o próprio livro aumenta quando
estamos deitados. Desse modo, dormi.
Lá pelo meio da
noite, subi na varanda de um bar. Luzes espalhadas pelas paredes em terracota
ou cor de laranja. Um poste iluminava ninguém mais, ninguém menos que ele: o
Ernest. Ele estava compenetrado ao folhear pequenos papeis em cores
fluorescentes. Olhava algumas figuras, escrevia pequenas frases; poemas?
Caramba, vejo o grande escritor na fase de criação, de produção!
- Ernest, é
você? - Indaguei-lhe.
Ele apenas
levantou os olhos com uma cara de Orson Welles, inclinou um pouco mais a cabeça
e me disse.
- Vamos, garoto,
pegue uma cadeira e me ajude aqui. Quer cerveja?
Não respondi,
apenas tentei ir para a mesa e, ansioso, não sabia se falava em inglês ou em português, por mais que ele já tivesse se comunicado em português, com timbre
de dubladores da Herbert Richards, AIC-São Paulo ou DKS. Jogou para mim duas ou
três folhas coloridas daquelas. Tinham fotos de drinques como daiquiris,
mojitos, sangrias etc. Um garçom ultra bem vestido, parecia com o personagem de
charges Amigo-da-Onça, me entrega um whisky. Ele continuava com a birita dele, intacta, e compenetrado.
- Quero lançar
um livro das melhores receitas de daiquiris, ajude-me a escolher umas boas aí,
rapaz.
- Claro.
Enquanto olhava
aquelas receitas, comecei a achar aquilo meio besta. Estava na mesma mesa que
Ernest! Pô, vamos trocar uma ideia em vez de fazer essa triagem de cangibrinas. nsei isso, mas falei:
- Pô, Ernest!
Cara, me conta aí das suas paradas, de seus escritos, seus perrengues lá na
Guerra Civil espanhola.
- Tudo bem
garoto, vou lhe falar: está tudo escrito.
Quando acordei,
honrado por ter tomado um esporro didático do Ernest, o mínimo que devia fazer era
continuar a ler. Voltei a dormir, no entanto, na tentativa de voltar ao bar
onde estava o Ernest para inventar uma desculpa e promessa de leitura.
Nunca mais o li,
embora esteja lá, na minha cabeceira. junto com o "O velho e o Mar", que surrupiei emprestado da casa de meus pais.
Itaipava,
Petrópolis – 13 de outubro de 2012.
E aí Thiago, tudo certo.
ResponderExcluirEstou vendo que deu uma repaginada...
Ficou legal.
Abraço
Marcel
Ê, Pestíssimo, sempre textos fantásticos!
ResponderExcluirMuito bom!
Aqui em casa tem alguns livros do Hemingway, mas, tu sabe como sou com livros. Trato-os igual a gente. Só converso com aqueles que vou com a cara, e até agora não tive a oportunidade de olhar na cara dele.
É uma relação muito comum essa. Na verdade, eles nos escolhem.
ResponderExcluirAgora as coisas estão se acalmando, até posso ler e comentar os grandes blogs amigos! Que bom que apareceu por aqui, Marcel!
ResponderExcluirAh! Os sinais... Thiago, estes maravilhosos sinais divinos, (tantos) ao longo da estrada, e os desdenhamos movidos por ancestrais memórias e programas escravagistas em nosso subconsciente (sempre caótico).
ResponderExcluirEstar no agora é levantar, pegar o dicionário (mil vezes pela primeira vez, e sempre única).
Não demora atender o convite (chamado) do "velho" colega de pena e penas.
Afinal, não é toda hora que podemos dispor de um companheiro de "journey" que sabe por "quiem doblegan las campanas"...
Paz e Luz infinita. Faz tempo que não vinha, queira perdoar. Texto bom de ler, gostei. Sou grato.
Grande Aldo, O infinito! Pois é, tive que atender ao pedido dele, e agora volto a ler os grandes blogs e a escrever, um sinal assim não se despreza. Obrigado pela visita!
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